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Búzio patente na capela da fortaleza de nossa senhora da conceição

Escrito por  Helder Luís fts direitos reservados

Após integrar o programa do Correntes d'Escritas, a instalação continua disponível para visita todos os dias, à exceção das terças-feiras, até ao final de Março.

Búzio é uma instalação sonora que pretende refletir sobre a minha relação com a memória e a imensidão simbólica do mar. Cresci com histórias do mar e dos homens que o desafiavam. Algures no emaranhado dessas histórias, existiam os búzios, uma coleção inteira deles. Estes búzios, companhia dos meus tempos de criança, pertenciam ao meu avô paterno, João Silva. Foram trazidos do Brasil pelo meu avô, depois de uma tentativa de emigração em busca de uma vida melhor, como muitos outros poveiros. Os búzios transportavam-me para uma espécie de mar longínquo. Era um mar desconhecido, longe do meu mar familiar, ao pé da praia. Apesar de fugazes, esses momentos ficaram registados em pequenos fragmentos de memórias que hoje se desprendem e materializam em ideias e projetos que me permitem conhecer melhor esse mar antes totalmente desconhecido.

Os búzios são conchas marinhas de beleza e complexidade singular. Estes objetos transcendem o seu aspeto físico, estando a sua forma envolta de significados simbólicos e culturais, enquanto nos fascinam pelo seu misterioso funcionamento acústico. Contrariamente ao mito popular, o som que escutamos não é proveniente do mar, mas sim de uma mistura de ruídos ambientais de baixa frequência, normalmente impercetíveis, mas que são capturados, amplificados e modificados pela concha.

Búzio foi concebida para ser instalada na capela da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição na Póvoa de Varzim, um espaço que por si só adiciona uma camada cultural, histórica e emocional à experiência. A proximidade entre esta capela e o mar propõe também uma justaposição entre a sacralidade do espaço e a imensidão do mar, resultando num ambiente íntimo e imersivo.

A instalação explora estas dimensões simbólicas e culturais através do uso de software especializado para a criação de um algoritmo que simula o som do mar. O algoritmo foi desenvolvido em Max/MSP, utilizando dados da previsão do estado do mar fornecidos pelo IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera). Os dados, atualizados periodicamente através da internet, incluem parâmetros que permitem que a instalação reproduza o mais aproximadamente possível as condições do mar ao longo do dia. A flutuação destes parâmetros irá influenciar diferentes aspetos do som, criando uma experiência auditiva que remete tanto ao "som" de um búzio quanto ao som do mar. A instalação usa dois altifalantes posicionados discretamente à entrada da capela, ligados a um amplificador que recebe o sinal áudio de um computador ligado à internet.

No interior da capela deparamo-nos com uma experiência imersiva onde o som do mar é reproduzido não pela realidade tangível das ondas, mas pela abstração tecnológica de um software que pretende sintetizar a sua essência. Paralelamente, a prática popular de escutar o mar através de um búzio remete-nos a uma experiência similar, ainda que enraizada no natural, contrastando com a produção acústica artificial criada por uma máquina. Esta comparação entre uma instalação e o ato de escutar um búzio real convida-nos para uma reflexão profunda sobre as noções de representação e simulação, bem como sobre a dicotomia entre o artificial e o natural. Ambos, a instalação e o búzio, servem como mediadores que nos aproximam da experiência do mar e da particularidade do seu som, sem que este esteja fisicamente presente, operando distintivamente sob um véu de simulação: um pela via da tecnologia e outro pelo engenho da natureza.

Frequentemente, no nosso dia a dia, interagimos com representações que nos são apresentadas como substitutos de realidades. Vivemos numa era saturada de simulações, onde a distinção entre o real e o representado se torna cada vez mais difícil, desafiando a nossa compreensão do que é verdadeiramente genuíno. Esta instalação permite-nos mergulhar subtilmente nas profundezas dessa questão, propondo uma meditação sobre como a arte e a tecnologia assumem uma dupla responsabilidade: podem distanciar-nos da realidade ou reconquistá-la através de novas interpretações.

Búzio transcende a sua própria condição física limitada enquanto instalação sonora minimalista, tornando-se um ponto de reflexão sobre a condição humana na era digital. Questiona-se, então, até que ponto as nossas experiências são autênticas ou meras construções e como estas simulações influenciam a nossa perceção da realidade. Ao contemplar essas questões, a instalação explora as complexidades inerentes às representações que construímos e habitamos, convidando-nos a ponderar sobre a verdadeira essência do que consideramos real.

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