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A galerista inusitada

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A galeria das Salgadeiras surge por um impulso de Ana Matos, que seguindo o seu instinto tem vindo a construir um acervo de qualidade e diferencial no mercado nacional, mas que não se fica por aí, há também uma aposta clara nas parcerias internacionais.

Questionava-me do porquê uma pessoa que provém de uma área completamente diferente decide abrir uma galeria e depois lembrei-me da tua avó.
Ana Matos: Sim, tudo vem um pouco daí. A medida que os anos vão passando parece que voltámos mais à infância. A esses princípios que não sabemos muito bem de onde vêm e nem temos muita consciência deles ao longo da vida, mas depois há um momento de viragem. Não sei se foi por causa da crise dos 40, acabei de fazer 43 anos, mas quando penso porque isto acontece, que não é nada de extraordinário, nem muito comum que assim seja, a ideia de ter uma galeria teve muito a ver com trabalho da minha avó, com o facto de na minha infància ter estado muito próxima dela e ter acompanhado essa actividade artística. O seu atelier, todo esse processo de criação, era algo que era muito próximo e que fazia parte do meu quotidiano. Portanto, ir as exposições, visitar museus, vê-la trabalhar na oficina isso tudo também fazia parte das minhas memórias. Teve em conta o facto do meu pai ter tido uma galeria no Funchal, chamada “Funchália”, no final dos anos oitenta, de alguma maneira isso deu-me algum conhecimento e esse contacto com as exposições. Assim,um dia ia cortar o cabelo quando vi uma área pequena, que tinha sido um atelier de um artista, na altura decidi perguntar quais eram as condiçõese e como tinha capacidade de suportá-las, fiquei com o espaço, tudo começou assim no 1 de Abril de 2003.

Nota-se que escolhes diferentes tipos de artistas, com diferentes tipos de suportes e métodos e que não segues uma linha unificadora como fazem muitos galeristas da praça.
AM: Eu quando abri a galeria havia dois caminhos, há galerias em Lisboa que trabalham especificamente com um determinado tipo de suporte, seja papel, ou fotografia e existem outros do tipo geracional. A mim não me interessa nem um, nem outro, na realidade a escolha dos artistas, como chego até eles e os convido a participar é algo muito emocional. Não consigo dizer exactamente porque prefiro um em detrimento de outro, um até pode apresentar-me o portefólio e o outro nem por isso, é algo muito instintivo. É claro, que depois há um enquadramento, tento ser o mais racional e objectiva para perceber o tipo de trabalho e a sua coerência. Por norma, os artistas mostram-me a série que estão a fazer e com a qual estão satisfeitos, eu quando conheço o artista gosto de ver também aquilo que eles não gostam de mostrar, o que esta para atrás escondido e isso ajuda-me a percebe-los, dar-lhes a minha interpretação e uma história em volta do trabalho. São coisas que se eu pudesse teria em casa, surge muito do afecto, do gosto e do instinto e isso define o estilo da galeria. Nunca quis nem ser exclusiva num determinado meio artístico, como também não quis só trabalhar com artistas emergentes, ou conceituados, gosto dessa mistura da pintura e da fotografia, do artista de 70 anos ao lado do de vinte anos, ou um artista de cinquenta que pinta há cinco anos, é essa mestiçagem que me interessa, acho que o que define o estilo da galeria sou eu.

Achas que o meio ainda te olha com um certo preconceito? És jovem, mulher e vens de outra área. Até porque no nosso país não se fala muito das artistas femininas.
AM: As mulheres artistas da geração da minha avó são muito poucas. Agora, já é um pouco diferente, mas curiosamente há muitas galeristas em Lisboa. Se fizesses uma análise rápida até há muitas mulheres, contudo, nunca senti algum preconceito, muito honestamente, porque não penso muito nisso, senti mais essa questão do género pelo facto de não ter formação na área. Notei que o meu trabalho não era tão levado a sério, era novinha, vinha da informática e tinha uma galeria, como se fosse uma espécie de hobby para passar o tempo. Efectivamente, acho que foi uma das razões pelos quais fui tirar um mestrado em curadoria, porque senti que precisava de solidificar as coisas que tinha aprendido numa forma empírica e foi tentativa e erro, quando abri a galeria não sabia nada, nem sequer como pendurar um quadro, ou como se fazia um precário. Passados cinco anos das coisas correrem bem e sentir mesmo que era isso que queria fazer, decidi tirar o mestrado e acho que entre os pares e os artistas, o meu trabalho na galeria foi levado mais a sério.

Tu agora mudaste de espaço.
AM: Esse é outro preconceito. O anterior era um espaço de 40 metros quadrados, dividido em dois pisos que se tornou pequeno. É uma área onde foi muito feliz, tudo começou ali, mas para uma galeria de arte contemporânea de facto há algumas regras a cumprir e havia um certo preconceito por se tratar de um espaço pequeno. Limitava desde já o número de obras expostas, as condições em que obras estão e os próprios trabalhos, essas três variáveis juntas eram complicadas, doze anos depois decidi ir para um outro espaço, numa nova aposta, na Rua da Atalaia, que veio reforçar todo o esforço e todo o investimento destes últimos anos.

Então como defines após estes anos o mercado nacional?
AM: Eu defino um mercado como sendo muito pequeno, o que dificulta o trabalho dos galeristas e dos artistas. Os artistas não podem ter a pretensão de ter uma exposição individual todos os anos, é muito limitante em termos de sustentabilidade e da sua própria existência, porque simplesmente estagnam no mercado, isso obriga-os a participar mais em exposições colectivas e ir para fora. Depois é um mercado onde existem ideias muito pré-estabelecidas a priori, colaborações fora, participações em feiras e trabalhar com espaços internacionais, será sempre bom cá dentro. Depois a meu ver, dá-se demasiada importância aos críticos de arte, que é uma práctica quase inexistente, temos muito poucos, mas há uma espécie de consultores e uma certa elite que acaba por comandar os artistas, sobretudo as colecções e os investimentos estatais, decidindo quais os artistas com um bom futuro e quais são um bom investimento e isso esta viciado.

Tem sido um dos motivos porque tornaste estas exposições de certa forma itinerantes?
AM: Não, foi por uma questão de necessidade. Costumo dizer mesmo que a necessidade aguça o engenho e aconteceu porque tinha 40 metros quadrados e queria fazer exposições maiores e colectivas. Era tudo muito difícil nesse espaço e trabalhar com essas dimensões e foi essa razão que me levou a fazer exposições fora. A primeira que foi em 2005 em Granada, foi um convite, apresentei 7 artistas no que foi uma jornada louca, preparei tudo em duas semanas. A razão pela qual vou para fora do país, ou de Lisboa, é essa necessidade por novos espaços, maiores, que permitam novas propostas. Também tem um lado de curiosidade, muito meu, de tentar perceber como é que as pessoas que não conhecem os artistas, a galeria e o meu trabalho como é que reagem, como é que o interpretam e as perguntas que fazem, até há um olhar quase mais virgem. Tivemos um caso muito curioso quando estivemos em Bucareste, com o Cláudio Garrudo, numa exposição chamada “borderline” em que havia uma série de retratos, com auto-contemplações, em que ele se colocava em situações limite, por exemplo, numa morgue, simulou até um suícidio e o que acontece? As pessoas que viram aquela exposição na galeria e que me conhecem tiveram uma determinada reacção, que foi completamente diferente na Roménia, onde nem se perceberam em algumas situações que era mesmo o artista, tiveram uma aproximação e uma relação com a fotografia completamente diferente, não estavam a ver o Cláudio Garrudo, a pessoa. Isso foi muito interessante e enriquecedor.

Agora que falastes de exposições fora de Portugal, qual é a tua percepção do mercado?
AM: Há um aspecto muito pragmático a ter em conta, quando se fazem exposições lá fora é muito difícil vender. Isso logo é um permissa que é necessário ter muito presente, isto porquê? Pelo menos vender num primeiro momento, porque a compra de um objecto artistico envolve, ainda bem que assim é e contra mim falo, um conhecimento e um envolvimento do trabalho, ou a pessoa compra por impulso, gosta, apaixona-se e já esta, ou então aprecia ver uma exposição, depois quer ver outra e pretende acompanhar o trabalho do artista. As primeras vezes que se vai para o estrangeiro é muito difícil vender e também quando convido artistas estrangeiros para exporem na galeria. Contudo, existe muita curiosidade tanto na República Checa, como na Roménia com quem estado mais próxima, em relação à nossa cultura e aos artistas, as pessoas tem um genuíno interesse, porque faz parte da sua educação e do seu quotidiano, há mesmo muita vontade de conhecer e é muito bom o artista ir, porque precipita esse contacto com os públicos.

E nos mercados mais tradicionais de arte, não se consegue penetrar?
AM: Eu fui parar a estes países que referi por questões afectivas, porque conheci um curador romeno e uma outra checa e se chego vinda do nada é mais difícil. Tem de haver um ponto de contacto local e isso depois vai abrir as portas, portanto, a razão pela qual tenho estado a falar com a República Checa e a Roménia não é estratégica, nem algo que pensado, simplesmente aconteceu, fomos desenvolvendo essas parcerias e também não me interessa ir a muitos sítios de uma vez, porque em termos de rentabilidade é muito difícil, interessa-me ir aprofundando as minhas relações com estes dois países, até porque o galerista romeno é uma pessoa absolutamente extraordinária, de uma cultura e de uma sensibilidade fora do comum e a curadora checa também e se calhar daqui a dois ou três anos desenvolverei outras geografias.

Quais são os planos para a galeria das Salgadeiras para este ano?
AM: Este ano é muito conservador dígamos assim. Já fiz 102 exposições, sou centenária. No ano passado mudámos de espaço e este ano vou focar-me mesmo na nova área, as exposições que vamos apresentar, em preparar já o ano 2016 e dar continuidade as colaborações internacionais. Vou sair muito menos, mesmos de Lisboa, as únicas excepções foram compromissos já assumidos com a Casa das Mudas, na Calheta e em Bucareste, fora isso, quero ficar na casa nova e trabalhar. Até porque é muito importante estar presente na galeria, também é um espaço novo para mim, tenho que ver como funciona, a luz é diferente, o espaço é diferente, o volume é enorme em comparação com o que tinha anteriormente e agora tenho de estar ali para ver como tudo funciona no verão, no inverno, com chuva, com sol, questões que no anterior espaço não se colocavam, quase nem precisava lá estar, montava exposições de olhos fechados, agora não, é tudo novo.

http://www.salgadeiras.com/

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