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A pintora do sonoro

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O trabalho de Ana Mandillo vai ao encontro de três formas de expressão: a pintura, a música e a narrativa tridimensional. Uma reinterpretação dessas experiências íntimistas que transpõem para a tela, para as suas esculturas e instalações. Ela pretende transmitir acima tudo a leveza e beleza na sua arte. É a sua forma de estar de vida, de estar em comunhão com o universo.

A exposição é um encontro com quatro músicos. Como surgiu esta parceria e porquê escolheu as novas tecnologias como meio?

Ana Mandillo: Foi a partir da internet que surgiu o desafio de um pintor francês, para que pintasse as peças do Miguel Azguime. Ele conhecia o meu trabalho e também estava ligado à música electro acústica. A partir desse momento surge o intercâmbio com as outras pessoas.

Como aparecem os restantes membros que integraram este projecto?

AM: Surgiram com o Joaquim Pavão, compositor e guitarrista setubalense que me pediu para fazer minuto e meio de um vídeo para um filme de uma hora. Uma longa-metragem a preto e branco sobre a avenida de Aveiro. Fiz as pinturas para esse minuto e meio, o vídeo entretanto não foi para a frente e o Joaquim Pavão acabou por ceder-me a música, o projecto começou assim. Depois um pintor do Québec, Jaques Tremblay, pediu-me para pintar a sua música, enviou-me um CD, eu escolhi uma faixa e pintei. Depois enviei as fotografias de forma a obter um feedback, se gostavam ou não.

Como decorre o processo criativo?

AM: Oiço em loop constantemente o mesmo tema e isso inspira-me.

E quando pinta outros quadros?

AM: Estou sempre a ouvir música. Depende muitos dos dias, sinceramente. Gosto muitíssimo de Chopin.

Falou que necessita de leveza para pintar, mas este compositor, por vezes é pesado e triste.

AM: Eu não acho o Chopin triste, acho-o muito romântico e quando os pianistas são muitos bons, ainda melhor, gosto muito do piano. Sou uma apaixonada por este instrumento. Noto que ponho quase sempre este compositor e músico quando quero pintar.

Consegue pintar sem música? Nota que resulta em algo que não é seu?

AM: Consigo, mas é raro faze-lo. Sinto que a obra é minha, mas não pinto música. Pintar música é diferente de pintar com música. A diferença é que quando estamos a ser acompanhados pela música não estamos muitos atentos a sua sonoridade. Estamos interessados no que estamos a fazer. Quando estamos dedicados ao ouvir e ao fazer torna-se um processo muito cansativo, fica-se exaustos, pode-se repetir por muitas horas.

Um dos quadros demorou muito tempo.

AM: Para o da Anne-Claude Iger foram precisos muitos ensaios e desse processo criativo surgiram três quadros. O que demorou muito tempo foi o processo anterior, porque não sabia como abordar a música, como pinta-la. Demorou alguns meses e depois foi tudo muito rápido. A composição de Jaques Tremblay foi mais lenta e mais directa, foram sete horas a pintar, acabar, sair de casa e arejar um pouco.

Utiliza aguarela neste momento porquê?

AM: É uma fase. Acho que vou mudar agora. Gosto muito de água, sou viciada nela. No verão vou para o rio, no inverno vou para o mar. A minha energia chinesa é água, sou toda água. As levezas que as aguarelas nos dão são muito sensíveis, etéreas. A minha filosofia é pintar quando estou mais limpa de tristezas, de pequenas depressões, senão, não pinto. Na minha pintura nunca quero transmitir o peso da vida, não me interessa fazer isso, quero sempre difundir a beleza e a leveza.

As estações do ano interferem nesse processo?

AM: Interferem, completamente. Pinto em qualquer altura, são é diferentes. Os tons, as humidades no ar transformam a pintura. Qualquer momento é diferente do anterior e as estações têm esse poder transformador.

Há umas obras feitas de madeira que recolheu do mar.

AM: Tenho imensas, já quase não cabem em casa. Este trabalho tem a ver com o Miguel Azguime, que é um compositor português de música contemporânea e que idealizou uma peça chamada comunicações, “para lá dos mares”, uma encomenda da Expo’98, para o pavilhão dos mares. Ele é Lisboeta como eu, ouvia os mesmos sons, do nevoeiro, dos avisos para os navios, dos paquetes e a peça que interpretei nas minhas obras é uma Península Ibérica muito solitária, é uma ponta isolada, que nos impele de ir para o exterior. A própria peça musical sugere isso com o cruzamento dessas várias frequências de rádios em que se encontram línguas diferentes, desde espanhol, o francês e até de algumas que nem sabemos de onde são. É muito forte e é aí que surgem as comunicações. Demorei muito tempo a saber como aborda-la e como foi recolhendo as madeiras, são tantas, vou chegar ao ponto de reuni-las e formar uma instalação, em princípio no Instituto de Novas Tecnologias, com a ajuda de um professor de electro acústica. A ideia é que a instalação seja acompanhada da música, com muito bom som, com altifalantes. Mas, essa exposição ainda vai longe.

A música é sempre importante na sua vida e sei que também toca.

AM: Já não toco. Somos muitos músicos na minha família. A minha vida é muito engraçada, sempre me perguntei o que fazes que nunca ninguém te obrigou a fazer? Como fui muito rebelde, desde criança pinto. É a minha razão para estar neste mundo, a minha partilha é a pintura, ou as artes plásticas, são a minha forma de expressão.

Quando começou a pintar?

AM: A expor em 1986, tocava e pintava ao mesmo tempo. A música foi algo que foi-se diluindo no tempo, coincidiu com a altura em que as minhas irmãs começaram a ser muito conhecidas. A música era para elas e eu estava predestinada para a pintura.

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