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Arte em movimento

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Mobilehome é um projecto de formação artística, independente e nómada, que prossegue o objectivo de debater e tornar operativas questões e conceitos centrais ao ensino da arte. Um conceito desenvolvido pelo curador Nuno Faria que vai já na sua quinta edição e pretende crescer para além das fronteiras do Algarve.

O que esteve na génese do "mobilehome"?
Nuno Faria: O mobilehome é a palavra inglesa e também francesa para caravana. Surgiu quando foi para o Algarve em 2007 e como já conhecia bem o território, resolvi ir para lá viver. Percebi que havia carências muito fortes ao nível das instituições e das estruturas ligadas ao nível da arte contemporânea e da formação. Com a particularidade de ter um grupo muito extenso de artistas muito interessante, mas que não tinham uma estrutura que os pudesse de certa forma acompanhar, mais do ponto de vista da formação e da articulação. Eu acho que uma estrutura crítica é muito importante para o desenvolvimento artístico e então aquilo que fiz com outras pessoas foi montar o "mobilehome" que tem a ver com o território do Algarve. É um símbolo muito importante, porque é uma região com um caracter muito nómada, as pessoas vão e vêm, é uma zona muito pouco sedimentada. Estas características eram importantes para perceber como é que os artistas ali produziam. Por outro lado, o Algarve é um sítio muito apelativo para projectos desta natureza, tem sol todo o ano e uma energia muito boa. O que fizemos foi criar uma parceria com a associação atelier educativo e a Câmara Municipal de Loulé com um vereador da cultura muito dinâmico e que compreendeu logo o projecto. A ideia era ser uma escola nómada sem paredes, sem edifício físico, movido só pela necessidade do encontro e pela energia que acontecia entre os participantes. Nesse ponto de vista não eram necessárias paredes, é anti universidade e convidámos um conjunto de pessoas com uma valia muito grande ao nível de arte contemporânea nacional e internacional e juntamente com críticos e artistas montámos uma estrutura de workshop e seminário de formação avançada. A participação foi extraordinária. Vieram artistas de todos os lados, depois esse projecto prosseguiu e este ano vamos para a quinta edição que vai ter algumas alterações.


Circunscreve-se apenas ao Algarve?
NF: Sim, não tem uma zona física. Este ano vamos começar a mudança para Castro Marim, na ponta oriental do Algarve, numa parceria com a companhia das culturas, que é uma estrutura que tem um âmbito mais amplo, inclusive de gastronomia e turismo rural.


Os workshops e seminários são estructurados de que forma? É sobre um tema, ou realçam a localidade onde se integram? E que tipos de pessoas participam?
NF: Este tipo de workshops é para pessoas que tem um percurso artístico já consolidado.


Há uma selecção?
NF: Há uma selecção, que é feita a partir do portefólio das pessoas e da sua motivação para o atelier. Existem diferentes experiências, porque são workshops avançados, são escolas experimentais e independentes, no sentido, em que não é para iniciantes.


Então, não é para os jovens artistas que estão a começar?
NF: Também podem ser. Esses jovens artistas devem já possuir uma autoformação. Não são artistas que se formaram nas escolas, com uma formação académica, tem de ter algo, um conjunto de aprendizagens feitas, por isso, nesse sentido, é uma formação avançada e não iniciada. Depois o workshop tem um modelo de ensino que varia de ano para ano sempre em termos de exercícios, a estrutura e o número de tutores. Por exemplo, a edição de 2011 teve muito a ver com a região onde esta, neste caso o Algarve. Portanto, diria que é a análise de várias vertentes daquele território específico, não é algo que esteja desapegado.

Os formadores são escolhidos mediante essas características?
NF: Não forçosamente. Temos pessoas que conhecem muito bem o território, arquitectos, antropólogos, etc., depois os restantes formadores vêm de outros lugares com diferentes experiências e isso interessam-nos. É necessário trabalhar numa formação mais ampla, en el sentido artístico del termino, mas sempre informados por conhecimentos específicos daquele lugar.


Então cada edição é num lugar diferente?
NF: As quatro primeiras edições foram em Loulé. Os temas estavam relacionadas com a consciência do lugar, o objectivo quer seja individual ou artístico. É o desenvolvimento da práctica artística dos participantes, mas nunca esquecendo, ou partindo sempre do lugar onde estamos a trabalhar, seja como no antigo lagar, das portas do Céu, a trabalhar com o espaço, com as paredes, com a cal, onde houve muita pintura mural. Também na memória do lugar, o que era, o que representava para a cidade e quer com o território que escolhíamos para documentar.


Quais são os novos objectivos?
NF: O primeiro objectivo, depois destes quatro anos magníficos com a Câmara de Loulé, é tornar o projecto mais autónomo do sector público, devem ser completamente diferentes. Devem autonomizar-se do ponto de vista estructural. O segundo é com esta experiência de 4 anos que já temos o tornar verdadeiramente internacional e projectar o lugar como sítio de produção e de conhecimento.


Internacional no sentido em trazer artistas estrangeiros até Portugal ou levar o Algarve para fora do país?
NF: As duas coisas. Acho que estamos a viver um momento muito especial, em que já não é a grande escala que interessa e mesmo assim, as pessoas fazem projectos extraordinários no âmbito cultural. É o recuperar dos conhecimentos tradicionais e o "mobilehome" cada vez mais se expandiu nessa área da compreensão profunda do lugar e com esta transformação que estamos a viver, com uma população cada vez mais crescente é necessário desenvolver projectos de pequena escala muito bem estructurados. Achámos que este conceito tem todas as condições para se transformar num conceito de referência do ponto de vista da formação. E obviamente promover o Algarve como ponto de partida.


Referiste que este projecto aparece devido a uma lacuna na área de arte contemporânea. Achas que tal se deve, porque só se dá importância no Algarve a cerâmica, os azulejos e olaria?
NF: A mim só me interessa o trabalho que faço. Eu não distingo o trabalho de curadoria com o do artista, que tem regras próprias que fazem parte do mesmo contexto, da mesma vontade. Interessa-me trabalhar com as condições do lugar onde estamos, ou seja, que esteja desapegado da minha própria existência e por isso, trabalhar com as ferramentas que tenho nessa questão. E portanto, no Algarve, há uma tradição muito forte dessas disciplinas. O que há é uma falta de articulação entre a tradição e a contemporaneidade, que começa a haver de uma forma muito mais interessante e consciente com os jovens artesãos, ou investigadores e artistas que vão recuperar prácticas ancestrais e que as actualizam. Acho que tudo isso faz parte do mesmo movimento profundo das nossas raízes do sítio onde estamos. É muito importante partir delas e estar com os pés no chão, para um trabalho mais transfigurador. No "mobilehome" trabalhámos a relação entre o artesanato e a gastronomia do lugar, ou essas prácticas mais ancestrais numa linguagem contemporânea.


Achas que é também uma questão geográfica? O facto de não se considerar que o Algarve é uma zona onde se pode encontrar arte contemporânea, é que se associa estes movimentos artísticos aos grandes centros urbanos como Lisboa e o Porto.
NF: Não, quer dizer, pelo contrário, existem muitos artistas interessantes a viver, trabalhar e nos nem sabemos quem são. Aquilo que ainda escasseia são estruturas para esses artistas produzirem e mostrarem o seu trabalho, sobretudo estruturas críticas. Mas, o Algarve é um exemplo entre outros, na Madeira presumo que se passe a mesma coisa, embora haja este projecto magnifico que é a Porta 33, com 25 anos, que tem um trabalho pioneiro e muito sólido de divulgação e informação.


Achas então que é um problema nacional? Não valorizamos a arte contemporânea ainda.
NF: Acho que não, obviamente há uma maior estructuração, há mais instituições, mais público e mais habituação. No Algarve isso era um problema gritante, mas agora acho que se nota menos, cada vez mais o pensamento contemporâneo e ligação desse mesmo pensamento à ancestralidade e a prácticas mais tradicionais tem cada vez maior vitalidade. Por outro lado, aquilo que é contemporâneo é por definição mais difícil de ser interiorizado pelo público e leva mais tempo. Mas, acho que há uma vitalidade muito grande em Portugal na criação contemporânea, para além dos centros de Lisboa, Porto e Guimarães.


Mas, Guimarães não veio ao reboque da capital da cultura?
NF: Não forçosamente, porque Guimarães já se tinha estructurado em termos culturais. O centro cultural Vila Flor, que é gerido pela oficina já fazia um trabalho profundo anteriormente. Cada cidade, cada terra tem de encontrar o seu lugar, a sua especificidade e trabalhar sobre ela. Eu desde que foi para o Algarve, não tinha a perspectiva de quem trabalha na periferia, porque sempre estive envolvido em instituições em Lisboa e percebi que apesar de haver muito trabalho a fazer, há um grande potencial. A mim apetece-me trabalhar nesses lugares onde a tradição é muito forte. É uma espécie de substracto natural onde se podem estabelecer relações de nexo e produção contemporânea.

 

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