NF: Não forçosamente. Temos pessoas que conhecem muito bem o território, arquitectos, antropólogos, etc., depois os restantes formadores vêm de outros lugares com diferentes experiências e isso interessam-nos. É necessário trabalhar numa formação mais ampla, en el sentido artístico del termino, mas sempre informados por conhecimentos específicos daquele lugar.
Então cada edição é num lugar diferente?
NF: As quatro primeiras edições foram em Loulé. Os temas estavam relacionadas com a consciência do lugar, o objectivo quer seja individual ou artístico. É o desenvolvimento da práctica artística dos participantes, mas nunca esquecendo, ou partindo sempre do lugar onde estamos a trabalhar, seja como no antigo lagar, das portas do Céu, a trabalhar com o espaço, com as paredes, com a cal, onde houve muita pintura mural. Também na memória do lugar, o que era, o que representava para a cidade e quer com o território que escolhíamos para documentar.
Quais são os novos objectivos?
NF: O primeiro objectivo, depois destes quatro anos magníficos com a Câmara de Loulé, é tornar o projecto mais autónomo do sector público, devem ser completamente diferentes. Devem autonomizar-se do ponto de vista estructural. O segundo é com esta experiência de 4 anos que já temos o tornar verdadeiramente internacional e projectar o lugar como sítio de produção e de conhecimento.
Internacional no sentido em trazer artistas estrangeiros até Portugal ou levar o Algarve para fora do país?
NF: As duas coisas. Acho que estamos a viver um momento muito especial, em que já não é a grande escala que interessa e mesmo assim, as pessoas fazem projectos extraordinários no âmbito cultural. É o recuperar dos conhecimentos tradicionais e o "mobilehome" cada vez mais se expandiu nessa área da compreensão profunda do lugar e com esta transformação que estamos a viver, com uma população cada vez mais crescente é necessário desenvolver projectos de pequena escala muito bem estructurados. Achámos que este conceito tem todas as condições para se transformar num conceito de referência do ponto de vista da formação. E obviamente promover o Algarve como ponto de partida.
Referiste que este projecto aparece devido a uma lacuna na área de arte contemporânea. Achas que tal se deve, porque só se dá importância no Algarve a cerâmica, os azulejos e olaria?
NF: A mim só me interessa o trabalho que faço. Eu não distingo o trabalho de curadoria com o do artista, que tem regras próprias que fazem parte do mesmo contexto, da mesma vontade. Interessa-me trabalhar com as condições do lugar onde estamos, ou seja, que esteja desapegado da minha própria existência e por isso, trabalhar com as ferramentas que tenho nessa questão. E portanto, no Algarve, há uma tradição muito forte dessas disciplinas. O que há é uma falta de articulação entre a tradição e a contemporaneidade, que começa a haver de uma forma muito mais interessante e consciente com os jovens artesãos, ou investigadores e artistas que vão recuperar prácticas ancestrais e que as actualizam. Acho que tudo isso faz parte do mesmo movimento profundo das nossas raízes do sítio onde estamos. É muito importante partir delas e estar com os pés no chão, para um trabalho mais transfigurador. No "mobilehome" trabalhámos a relação entre o artesanato e a gastronomia do lugar, ou essas prácticas mais ancestrais numa linguagem contemporânea.
Achas que é também uma questão geográfica? O facto de não se considerar que o Algarve é uma zona onde se pode encontrar arte contemporânea, é que se associa estes movimentos artísticos aos grandes centros urbanos como Lisboa e o Porto.
NF: Não, quer dizer, pelo contrário, existem muitos artistas interessantes a viver, trabalhar e nos nem sabemos quem são. Aquilo que ainda escasseia são estruturas para esses artistas produzirem e mostrarem o seu trabalho, sobretudo estruturas críticas. Mas, o Algarve é um exemplo entre outros, na Madeira presumo que se passe a mesma coisa, embora haja este projecto magnifico que é a Porta 33, com 25 anos, que tem um trabalho pioneiro e muito sólido de divulgação e informação.
Achas então que é um problema nacional? Não valorizamos a arte contemporânea ainda.
NF: Acho que não, obviamente há uma maior estructuração, há mais instituições, mais público e mais habituação. No Algarve isso era um problema gritante, mas agora acho que se nota menos, cada vez mais o pensamento contemporâneo e ligação desse mesmo pensamento à ancestralidade e a prácticas mais tradicionais tem cada vez maior vitalidade. Por outro lado, aquilo que é contemporâneo é por definição mais difícil de ser interiorizado pelo público e leva mais tempo. Mas, acho que há uma vitalidade muito grande em Portugal na criação contemporânea, para além dos centros de Lisboa, Porto e Guimarães.
Mas, Guimarães não veio ao reboque da capital da cultura?
NF: Não forçosamente, porque Guimarães já se tinha estructurado em termos culturais. O centro cultural Vila Flor, que é gerido pela oficina já fazia um trabalho profundo anteriormente. Cada cidade, cada terra tem de encontrar o seu lugar, a sua especificidade e trabalhar sobre ela. Eu desde que foi para o Algarve, não tinha a perspectiva de quem trabalha na periferia, porque sempre estive envolvido em instituições em Lisboa e percebi que apesar de haver muito trabalho a fazer, há um grande potencial. A mim apetece-me trabalhar nesses lugares onde a tradição é muito forte. É uma espécie de substracto natural onde se podem estabelecer relações de nexo e produção contemporânea.