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O extemporâneo

Escrito por 

Marco Fagundes Vasconcelos gosta de desconstruir os códigos estéticos de beleza. Metamorfoseia a figura, transfigurando-a, sem contudo adulterar a sua essência. Desenha rostos e corpos sem filtros, como parte de uma vertente hedonista, contando as suas histórias através das suas expressões faciais, das suas falsas posses. Neste “steacks, drawings and other stories” o artista ajudou a redescobrir a Guida Scarllaty, tornando-a carne e osso e ao mesmo tempo imortal, como peça de um museu, para ver no Forte de São Tiago no Funchal.

Na sua obra gosta de referir que procura sempre testar os seus limites. Quais são?

Marco Fagundes Vasconcelos: É o até onde consigo explorar através do meu próprio grafismo. O que é muito difícil. Nós todos temos os nossos limites e com a idade, com a continuação deste processo de trabalho, eu acho que vamos questionando sempre: onde estão os limites? É muito estranho ter objectivos e depois há limitações, de suportes, de tempo e de espaço. Se calhar não tenho limites, obviamente que o resultado do trabalho tem limitações, por isso há uma exposição, embora não me cause qualquer impacto, porque eu acho graça ao processo criativo. O limite é dizer a mim mesmo quando paro. O limite também é saber parar. Agora percebo que tenho de saber parar, porque o principal é faze-lo no momento certo. Há desenhos que se eu continuar a rasurar, a querer pintar, acabo por não usar, não rasgo, porque nunca o faço, mas fico decepcionado comigo mesmo, porque eu crio os meus próprios limites e depois não consigo responder a mim próprio essa questão.

Outra característica da sua obra é ser associada ao grotesco. É uma forma de transmitir aos outros que há vários tipos de beleza?

MFV: Não. É mesmo estético. Não tem nada de profundo. Eu não trabalho como terapia. Para mim a arte é uma obsessão, desde criar novas personagens, dar outras intenções, outros contextos, suportes e materiais que vou usando. Sair do estereotipo da fisionomia normal que toda a gente esta à espera de encontrar. Eu gosto de massacrar as caras e isso tem tudo a ver com a estética. Essas figuras são muito mais genuínas, tem muito mais carga simbólica do que um rosto normal numa revista.

Falando desta exposição, apercebei-me de umas figuras muito rasuradas, enegrecidas, parecem quase cadáveres.

MFV: É um protótipo. Os meus trabalhos são todos ensaios, registos. Emoldurar uma peça faz-me confusão. Acredito que é mais comercial estar a emoldurar, ter um espaço próprio e fica um registo meu. Todo o artista quer deixar o seu testemunho, mas essa parte das bonecas quase figuras cadavéricas, sou eu a ostentar quase uma nova barbie, elas são sensuais, estão travestidas e quem tiver atento percebe que o molde do corpo é quase uma Guida Scarllaty. Retirei a cintura, as ancas e anatomicamente são muito exuberantes e marcam presença por isso. Acho piada o ter usado o meu ADN no cabelo, acho engraçado. É o nosso Bilhete de identidade.

É o seu cabelo?

MFV: Sim, é meu. Eu corto e guardo sempre, para ser usado um dia no meu trabalho. A ideia é essa. As bonecas são massacradas. São quase fósseis, podia vesti-las, mas queria que fosse o oposto da barbie, o tirar o tecido, o brilho e usar um elemento pop. A mim também interessa-me usar os materiais correntes, das fábricas e de lojas. Muitas vezes achámos que tem apenas uma função, eu gosto de aplica-las noutras vertentes, começo a reciclar. As bonecas estão vestidas, estão tapadas, mas há partes da fisionomia que estão expostas e isso interessa-me.

O negro também é importante nesse processo?

FV: Não, o negro é o fio condutor de todas as obras. Sabia que era um museu, com vários níveis, várias salas e tenho de ter uma coerência e esse é o objectivo. O meu trabalho tem muita cor, o desenho, o rabisco e por isso tem que ter preto. É quase como o vestuário para o fim do ano.

O último passo da exposição foi o espectáculo da Guida Scarllaty, porque foi essencial para esta exposição?

MFV: Foi a apoteose. Foi trazer uma figura minha em carne e osso. Se repararmos a Guida Scarllaty tem quase 70 anos, uma fisionomia mais decadente e há muitas interrogações a fazer, a questão da beleza é uma delas. O convite foi feito online. Os textos do André Teodósio, actor e encenador, foi tudo via facebook e parece-me que ela aceitou, porque disse uma coisa engraçada que foi: nunca imaginei com o meu currículo, acabar num museu e eu repliquei: peça de museu. Eu quis a Guida Scarlatty para pousar para mim. Exuberante, muito maquilhada. Se fosse um travesti mais novo, conseguia perfeitamente, por outro lado, queria homenagear uma personalidade nacional e internacional. E o próprio travesti é uma figura em desuso e isso se calhar requeria a presença de uma pessoa com calibre, conhecidíssima. Os mais novos já ouviram falar dela, mas não sabem quem é. Depois começam a interessar-se pela figura, pelo historial.

O título “steak, drawings and other stories”, porque?

MFV: Tudo isto são pequenas histórias, porque são a ilustração dos textos. Os desenhos estão presentes, porque é uma característica minha e os steaks é dar carne as figuras, o trazer a Guida Scarlatty, tudo isto tem muita presença física e isso interessava-me.

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