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O fazedor de coisas

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É um provocador na forma como aborda a arte. Mas, não gosta de rótulos, o que pretende é criar leituras diferentes através das peças que expõe. É um experimentalista de materiais. O seu nome é Sílvio Cró, o senhor que se segue…

Verifico que arriscas muito no tipo de arte que fazes, utilizas materiais pouco usuais no teu trabalho, como por exemplo a silicone. É uma decisão consciente?

Sílvio Cró: É verdade. Aquilo que faço não tenho pretensão de fazer como obra de arte, mas faço como fruto de uma ideia. Uma ideia que traz uma mensagem, que têm um conteúdo, que eu quero de uma forma pertinente ou não, directa ou não, de passar ao outro. A arte é isso mesmo. Quando faço um trabalho não quero guarda-lo para mim, se o pretender guardar, claro que o deixo num caderno, ou numa folha. Deixo um registo basicamente e não parto para a prática. O que faz com que a arte seja um pouco egoísta ao não passa-la para o público. Para mim, vejo a arte egoísta, quando tenho uma ideia, registo essa ideia e guardo para mim só. Desde o momento que a materializo e passo cá para fora automaticamente ela não é só minha, alguém já a viu e já fez um comentário positivo ou negativo, cada um tem a sua maneira de comunicar, não se pode agradar a todos. E a arte não é agradar. Quando é feita para o agrado, entra numa fase de degradação, porque ela não desempenha o seu papel e fica condicionada. Eu sou professor, costumo dizer que é o meu ganha-pão, eu tenho um ordenado no final do mês, é natural que uma pessoa que quer viver da arte, enveredar por esta área vão aparecer outros obstáculos. A própria pessoa pode facilitar esses entraves, porque se sou uma pessoa que tenho a arte como a forma de ganhar a vida, tenho um público e que dou-me ao luxo de fazer o que gosto e eles aceitam, se eu ganho com isso, estou a aliar um gosto, uma personalidade e um agradar o outro, sem desagradar a minha pessoa, aquilo que estou a passar é fruto daquilo que quero fazer. Matematicamente estou aliar o meu trabalho e o público gosta de vê-lo.

Mas, é arte quando o artista cria e ninguém gosta ou entende? Continua a ser arte mesmo que a mensagem não passe para o público?

Sílvio Cró: A mensagem passa sempre para o público de uma forma directa ou indirecta. Quer agrade ou não. Eu sou das artes plásticas, mas vou dar um exemplo sobre a música. Eu tenho o gosto de cantar, eu posso faze-lo em casa, eu posso gravar a minha canção e guarda-la. Desde que decida coloca-la numa rede social, alguém vai ouvi-la, nem que mais não seja por que está lá, já não é minha, faz parte de um manancial de realidades. Agora se eu guardar para mim, ninguém ouviu. Para o artista, ou do fazedor de coisas é o mesmo. Se mostro a alguém que me é mais próximo, ou se passar cá para fora numa rede social mais ampla, naturalmente eu vou agradar ou desagradar. A mensagem passa, logo é arte. É o meu prazer de fazer as coisas que provoca no outro, ou não, o prazer de aceita-las.

Mesmo que não provoque qualquer prazer ou lhe seja indiferente ainda é arte?

Sílvio Cró: Aí está, quando se rompe com estruturas, rompemos com uma dialéctica que foi instituída e que todos nós falamos do mesmo modo. Se eu utilizar uma linguagem que está fora dos padrões pré-estabelecidos, automaticamente o que acontece? Ou vou ser ouvido porque é diferente, porque querem aprender, querem saber até onde esta diferença vai. Ou então simplesmente ignoram. O ignorar, também é uma forma de não valorizar. Nos meios pequenos, e isto é um meio pequeno, eu grito aqui, e nem todos ouvem, mas as pessoas mais próximas sabem quem gritou, porque ouviram. Logo passam a mensagem que ouviram uma grito. E questionam a pessoa: porque deste grito? As perguntas que surgem desse gesto, também se aplicam a arte. Como quando questionou a pouco o porque de eu usava um material tão inusual como o silicone numa pintura. Eu queria dar-lhe uma outra plasticidade, a arte é isso, arriscar com ideias e formas. Eu estou a reforça-la, devido ao material que estou a usar e só por si aquele material têm uma informação. Tudo o que faço transmite informação. O material pode até não estar inserido naquele contexto e é aí que esta a piada. Há uma intenção técnica também. O saber fazer, usar um método ir por esta via e não ao contrário, haver uma sequência. Os métodos são isso mesmo. As pessoas também, através de diferentes etapas podem chegar a determinado fim. Se ao longo dessas etapas, eu rompo o estabelecido e introduzo um material ou técnica pouco adequada, mas adequada ao procedimento, automaticamente isso cria um observar, um público, mesmo aquele que ignora teve de observar para chegar a essa conclusão. Não somos alheios as nossas vontades. Eu posso não ter vontade de ver, mas posso opinar sobre aquilo que vi e dizer que não gosto. Podem enviar uma informação que não estavam à espera, mas entrei em contacto com essa pessoa. A realidade visual é isso mesmo.

O facto de seres ilhéu limita-te como artista? Tendo estudado cá e sendo aqui neste espaço geográfico que desenvolves o teu trabalho, isso de alguma forma limita?

SC: O limite é criado pelas próprias pessoas. O estar dentro de um quarto, o limite já está implícito. A internet passa facilmente essa mensagem, mesmo sendo tímido e não querendo me expor, mas de uma forma própria passo a informação que pretendo sobre o meu trabalho lá para fora. Eu uso o facebook para passar certas mensagens e obras que, no meu entender interessam ser divulgadas. As pessoas nestas redes sociais estão mais interessadas e activas e vão ver o que é. Não são limitativos, a internet veio a ajudar nesse sentido.

Sim, mas antes do facebook, antes sequer de a internet ser usada como ferramenta de promoção, não te sentiste limitado?

SC: Talvez porque nunca segui coisa nenhuma, acabou por não me criar limites. Nem nunca tive essa ideia. Quando digo que o limite está dentro de ti, é porque tu crias esses limites e as tuas lacunas. As pessoas apenas fazem parte da tua vida para sedimentar o teu percurso. Umas vão facilitar esse trilho e vão-te dar a mão, outras não. E dentro desta estrada que se chama viver, há muitos trilhos, as vezes arriscas e não sabes para onde vás. Desde que me conheço que fui sempre assim. Sempre fui visto pela crítica como um artista diferente, a questão da diferença sempre me acompanhou. Já em pequeno, no jardim-de-infância, eu desenhava e as pessoas comentavam e nunca estava preocupado com isso. A minha única preocupação é fazer. O trabalho só aparece se alguém o faz. E nunca me questionei pelos mesmos motivos, se este espaço da ilha é limitativo. Tudo bem se eu for para outro ambiente e tenho que me inserir. Logo vou conhecer pessoas, mas até elas me podem criar limites ou contrições que eu pensava que a ilha me estava a provocar. O meio influencia muito a pessoa e eu conheço este.

Este meio inspira-te?

SC: sim, numas coisas. As pessoas dizem-me que deveria viajar para ver outras realidades. Não é ainda minha principal preocupação. Já tive trabalhos que foram apresentados fora do nosso país, expus já na Bélgica e outros países. Participei nas 24 horas de banda desenhada, apenas pelo gosto e foi a primeira vez, arrastar os outros também é fazer. Quando sentes que estás a ser útil na área só podes ter duas posturas, uma que és um invejoso e só queres para ti e tudo resto que aparece é um entrave. Ou, és uma pessoa solidária, aberta, espontânea e trazes os outros contigo. Eu sou assim. Como professor, tenho muitas cabecinhas a minha responsabilidade e eles dizem-me, professor está feio. Eu digo, não está feio, está feito. Tu concluístes algo ao teu gosto, estas a gostar daquilo que fazes? Não o faças tendo em vista a minha aprovação, faz ao teu gosto. Os alunos limitam-se desta forma, porque querem agradar, e não se preocupam com aquilo que foi pedido. Será sempre fruto do raciocínio daquela pessoa. Temos que pensar de forma diferente. Se tiveres abertura para este tipo de pensamento, tudo é possível. Até mesmo quando eu peço para pintarem em rosa e um aluno escolhe o azul, o que levou aquela cabeça a pensar daquela forma? E esta forma de questionamento é arte. A arte questiona. Porque dentro do classicismo apareceu uma outra corrente? O artista pensou e não têm noção do tempo. Há uma procura, não de si próprio, mas à volta, como em espiral. Têm um inicio e há um desenvolvimento e uma coordenada é sempre diferente da outra. A obra é isso mesmo.

Tens uma definição para a tua obra?

SC: Não ando a procura da definição. Se a eu encontrar algum dia, deixa de sê-lo. O ser humano tem a tendência de definir tudo, o que é lógico porque temos necessidade de organizar-nos. E esta comunicação que estamos a ter é uma organização de ideias, eu tenho que ter uma linguagem de forma que a mensagem passe. Se eu estou preocupado a definir aquilo que faço estou a criar travões, poderá não ser isso. Quando ponho um título às vezes limita a leitura, mas reforça por outro lado. Colocar o título não é pensado, mas surge no percurso da obra e não estou preocupado em agradar este, ou aquele.

Como não tens uma definição para a tua obra isso permite-te uma maior liberdade no que concerne a escolha tão inusitada de materiais?

SC: A arte é um processo livre. É um processo porquê? Porque segue etapas, é livre porque surge sem te teres de preocupar com ela. Depois do seu aparecimento ela se pode tornar mais limitativa, ou mais adicionada, mas ela aparece com liberdade. Quando ela começa a entrar uma área com certos trâmites, pode ser condicionada de várias formas, pelo meio e pelas próprias pessoas.

Houve alguma vez um material que te decepcionou, deixou insatisfeito? Que a peça não foi aquilo que idealizastes?

SC: Ao nível do material, nesse percurso a peça vai aparecendo. A insatisfação é própria das pessoas que fazem coisas. É própria dos artistas. Se há um trabalho em que existe uma parceria temos que ver que aquelas pessoas são outros mundos, outras maneiras ser e ver.

Nunca ficas insatisfeito?

SC: Não uso o nunca. Eu não fico insatisfeito, porque o material responde a ideia, pode ter sido trabalhado e no inicio até pode ter apresentado um efeito que não pretendia, depois de ver a reacção natural do material, é preciso aceita-lo. A sua reacção dá a resposta. Talvez seja o não procurar que é mais importante. Tenho uma peça na Galeria da Mouraria que, representa os dez anos deste espaço. Dentro da problemática da crise e do mundo, num país que é Portugal, eu quis apresentar um trabalho que suscita-se a reflexão. E então desenvolvi a ideia de um sítio com cabides e uma tampa de sanita.

Há muitas coisas que deveriam ser comunicadas e não são. Comunicar a outro, o que a sociedade está a fazer. Eu sou crítico neste ponto, existe um determinado grupo que é alvo de interesse em detrimento do outro. Se for eles a fazerem divulgam, se forem outros, nem por isso. E não falo de mim. O crescimento das coisas depende do valor que lhe atribuímos. Se quero que uma planta cresça temos de rega-la. Se a valorizo, rego, senão deixo que a chuva se encarregue disso. Existem coisas a serem feitas, mas por causa de uma meia dúzia não se fala.

Então defendes que se fale de arte mesmo que ela seja má?

SC: Nós não temos uma noção de arte.

Mesmo quando olhas para uma peça e não faz qualquer sentido?

SC: O Durant é um artista que apresentou a suas fezes como algo que sai de dentro do artista e também foi questionado. Tirem-me esta coisa daqui! São estas coisas, estes pequenos alimentos que fazem com que arte subsista. Como suplementos. Há umas proteínas que aparecem e não sabemos qual vai ser a reacção que, vão criando-se, desenvolvendo-se. Se eu dizer, se gosto ou não gosto, isso é aplicar a minha realidade a aquilo que estou a ver.

Então o crítico de arte é alguém irrelevante?

SC: Temos críticos de arte, ou pessoas informadas da história da arte que aliados ao seu gosto e parecer profissional classificam coisas.

Tu, então consideras supérfluo o trabalho do crítico quando olha para uma peça e diz, isto não é arte?

SC: Não, mas ele têm esse tipo de informações, faz esse tipo de observações, chega a esse tipo de conclusões, devido as informações que tem. Dentro do seu tempo e da pessoa que é, da instituição que defende, eu posso olhar para uma obra e dizer que não é arte? Eu aceito é a manifestação do homem. É um pensamento que foi materializado. Eu posso questionar-me, poderá neste manancial de obras, de estilos, de tendências, o que poderei transmitir ao outro?

Dentro de uma leitura mais técnica, um risco numa tela, deve ir até a génese desse trabalho. Temos que ir as origens, como é que se pode classificar uma obra de arte? Com que parâmetros, com que conteúdos e com que leitura, o que me suscita como observador, entendido, como educador e investigador que classifica este risco de arte? Falta conhecimento as pessoas. Muitos deixam de fazer arte, porque acreditam no outro e não em si. Não é ser egocêntrico, é ser um espírito livre que falei a pouco. Surge a ideia, a materializou e às vezes por estas informações, e a história da arte está cheia destes casos, se criaram roturas com os movimentos vigentes criando outras perguntas. Isto também é arte. É aquilo que faz o humano como ser? O artista como fazedor? E depois as obras que não eram entendidas na sua época passaram a ser valorizadas. Dá-mos até valor á mais. E aí chegamos a um ponto em que o artista tem de morrer para ser reconhecido. Enquanto ser vivo é apreciada por alguns, mas depois de morto é questionado e valorizado.

Tens um material preferido?

SC: Não a ideia é que escolhe material. Devias me perguntar, deixas as coisas assim ao acaso? E o que é o acaso? Não sabes? Mas é um conceito que alguém classificou. Também não sei o que é.

Então deixas tudo ao acaso?

SC: Se aparece uma luz no meu pensamento e eu registo, é por si só um processo. E o acaso é o aparecimento daquela luz.

O objectivo final da arte não é ser apreciada pelo público, porque sem ele a arte não existe?

SC: Faz parte do final do processo, tenho a ideia, passo a materializa-la e apresento-a ao público, se vai ser apreciada implica uma atenção e estar atento. Ela existe mesmo sem essa atenção. Não sei, isto é outra dimensão, será que considero ser obra de arte sem haver público? Eu sou público? Existe o triângulo de público, obra e artista e podes inverter os vértices e terás sempre arte. Talvez a minha procura seja essa fazer coisas e apresenta-las.

Há algum artista que admires em particular?

SC: Pela pertinência, pelo arriscar, pelo quebrar estruturas, o Duchant. Ele nunca se preocupou se aquilo seria arte, penso eu na minha visão simples. Talvez seja arte por causa disso.

Achas que a arte deve ser guardada em museus?

SC: Qual é a finalidade da obra? Que tenha uma durabilidade e passar para o mais público possível. A obra artística de várias épocas nestes espaços tem mais uma função didáctica. É uma obra que já passou por várias gerações, doutro tipo de pessoas e gentes. É bom ter noção desses tempos, porque é esse conhecimento que vai fazer entender, porque está aqui e o que faço no momento. Um conceito que explorei foi as tradições, se não houvesse registo havia muita informação que não tinha. Ou teria de imaginar sem esse conhecimento, mas isso era descobrir a pólvora. A arte é imagens em acção. Talvez se falássemos com os artistas que já morreram e se os questionássemos sobre a sua obra, na escultura, na pintura, talvez eles dissessem isso mesmo, que a minha preocupação não era ser reconhecido pelo mundo inteiro. Não estou preocupado com rótulos. Rótulos são para contentores e caixas. É uma forma de organização como sociedade para nos entendermos.

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