Este meio inspira-te?
SC: sim, numas coisas. As pessoas dizem-me que deveria viajar para ver outras realidades. Não é ainda minha principal preocupação. Já tive trabalhos que foram apresentados fora do nosso paÃs, expus já na Bélgica e outros paÃses. Participei nas 24 horas de banda desenhada, apenas pelo gosto e foi a primeira vez, arrastar os outros também é fazer. Quando sentes que estás a ser útil na área só podes ter duas posturas, uma que és um invejoso e só queres para ti e tudo resto que aparece é um entrave. Ou, és uma pessoa solidária, aberta, espontânea e trazes os outros contigo. Eu sou assim. Como professor, tenho muitas cabecinhas a minha responsabilidade e eles dizem-me, professor está feio. Eu digo, não está feio, está feito. Tu concluÃstes algo ao teu gosto, estas a gostar daquilo que fazes? Não o faças tendo em vista a minha aprovação, faz ao teu gosto. Os alunos limitam-se desta forma, porque querem agradar, e não se preocupam com aquilo que foi pedido. Será sempre fruto do raciocÃnio daquela pessoa. Temos que pensar de forma diferente. Se tiveres abertura para este tipo de pensamento, tudo é possÃvel. Até mesmo quando eu peço para pintarem em rosa e um aluno escolhe o azul, o que levou aquela cabeça a pensar daquela forma? E esta forma de questionamento é arte. A arte questiona. Porque dentro do classicismo apareceu uma outra corrente? O artista pensou e não têm noção do tempo. Há uma procura, não de si próprio, mas à volta, como em espiral. Têm um inicio e há um desenvolvimento e uma coordenada é sempre diferente da outra. A obra é isso mesmo.
Tens uma definição para a tua obra?
SC: Não ando a procura da definição. Se a eu encontrar algum dia, deixa de sê-lo. O ser humano tem a tendência de definir tudo, o que é lógico porque temos necessidade de organizar-nos. E esta comunicação que estamos a ter é uma organização de ideias, eu tenho que ter uma linguagem de forma que a mensagem passe. Se eu estou preocupado a definir aquilo que faço estou a criar travões, poderá não ser isso. Quando ponho um tÃtulo à s vezes limita a leitura, mas reforça por outro lado. Colocar o tÃtulo não é pensado, mas surge no percurso da obra e não estou preocupado em agradar este, ou aquele.
Como não tens uma definição para a tua obra isso permite-te uma maior liberdade no que concerne a escolha tão inusitada de materiais?
SC: A arte é um processo livre. É um processo porquê? Porque segue etapas, é livre porque surge sem te teres de preocupar com ela. Depois do seu aparecimento ela se pode tornar mais limitativa, ou mais adicionada, mas ela aparece com liberdade. Quando ela começa a entrar uma área com certos trâmites, pode ser condicionada de várias formas, pelo meio e pelas próprias pessoas.
Houve alguma vez um material que te decepcionou, deixou insatisfeito? Que a peça não foi aquilo que idealizastes?
SC: Ao nÃvel do material, nesse percurso a peça vai aparecendo. A insatisfação é própria das pessoas que fazem coisas. É própria dos artistas. Se há um trabalho em que existe uma parceria temos que ver que aquelas pessoas são outros mundos, outras maneiras ser e ver.
Nunca ficas insatisfeito?
SC: Não uso o nunca. Eu não fico insatisfeito, porque o material responde a ideia, pode ter sido trabalhado e no inicio até pode ter apresentado um efeito que não pretendia, depois de ver a reacção natural do material, é preciso aceita-lo. A sua reacção dá a resposta. Talvez seja o não procurar que é mais importante. Tenho uma peça na Galeria da Mouraria que, representa os dez anos deste espaço. Dentro da problemática da crise e do mundo, num paÃs que é Portugal, eu quis apresentar um trabalho que suscita-se a reflexão. E então desenvolvi a ideia de um sÃtio com cabides e uma tampa de sanita.
Há muitas coisas que deveriam ser comunicadas e não são. Comunicar a outro, o que a sociedade está a fazer. Eu sou crÃtico neste ponto, existe um determinado grupo que é alvo de interesse em detrimento do outro. Se for eles a fazerem divulgam, se forem outros, nem por isso. E não falo de mim. O crescimento das coisas depende do valor que lhe atribuÃmos. Se quero que uma planta cresça temos de rega-la. Se a valorizo, rego, senão deixo que a chuva se encarregue disso. Existem coisas a serem feitas, mas por causa de uma meia dúzia não se fala.
Então defendes que se fale de arte mesmo que ela seja má?
SC: Nós não temos uma noção de arte.
Mesmo quando olhas para uma peça e não faz qualquer sentido?
SC: O Durant é um artista que apresentou a suas fezes como algo que sai de dentro do artista e também foi questionado. Tirem-me esta coisa daqui! São estas coisas, estes pequenos alimentos que fazem com que arte subsista. Como suplementos. Há umas proteÃnas que aparecem e não sabemos qual vai ser a reacção que, vão criando-se, desenvolvendo-se. Se eu dizer, se gosto ou não gosto, isso é aplicar a minha realidade a aquilo que estou a ver.
Então o crÃtico de arte é alguém irrelevante?
SC: Temos crÃticos de arte, ou pessoas informadas da história da arte que aliados ao seu gosto e parecer profissional classificam coisas.
Tu, então consideras supérfluo o trabalho do crÃtico quando olha para uma peça e diz, isto não é arte?
SC: Não, mas ele têm esse tipo de informações, faz esse tipo de observações, chega a esse tipo de conclusões, devido as informações que tem. Dentro do seu tempo e da pessoa que é, da instituição que defende, eu posso olhar para uma obra e dizer que não é arte? Eu aceito é a manifestação do homem. É um pensamento que foi materializado. Eu posso questionar-me, poderá neste manancial de obras, de estilos, de tendências, o que poderei transmitir ao outro?
Dentro de uma leitura mais técnica, um risco numa tela, deve ir até a génese desse trabalho. Temos que ir as origens, como é que se pode classificar uma obra de arte? Com que parâmetros, com que conteúdos e com que leitura, o que me suscita como observador, entendido, como educador e investigador que classifica este risco de arte? Falta conhecimento as pessoas. Muitos deixam de fazer arte, porque acreditam no outro e não em si. Não é ser egocêntrico, é ser um espÃrito livre que falei a pouco. Surge a ideia, a materializou e à s vezes por estas informações, e a história da arte está cheia destes casos, se criaram roturas com os movimentos vigentes criando outras perguntas. Isto também é arte. É aquilo que faz o humano como ser? O artista como fazedor? E depois as obras que não eram entendidas na sua época passaram a ser valorizadas. Dá-mos até valor á mais. E aà chegamos a um ponto em que o artista tem de morrer para ser reconhecido. Enquanto ser vivo é apreciada por alguns, mas depois de morto é questionado e valorizado.
Tens um material preferido?
SC: Não a ideia é que escolhe material. Devias me perguntar, deixas as coisas assim ao acaso? E o que é o acaso? Não sabes? Mas é um conceito que alguém classificou. Também não sei o que é.
Então deixas tudo ao acaso?
SC: Se aparece uma luz no meu pensamento e eu registo, é por si só um processo. E o acaso é o aparecimento daquela luz.
O objectivo final da arte não é ser apreciada pelo público, porque sem ele a arte não existe?
SC: Faz parte do final do processo, tenho a ideia, passo a materializa-la e apresento-a ao público, se vai ser apreciada implica uma atenção e estar atento. Ela existe mesmo sem essa atenção. Não sei, isto é outra dimensão, será que considero ser obra de arte sem haver público? Eu sou público? Existe o triângulo de público, obra e artista e podes inverter os vértices e terás sempre arte. Talvez a minha procura seja essa fazer coisas e apresenta-las.
Há algum artista que admires em particular?
SC: Pela pertinência, pelo arriscar, pelo quebrar estruturas, o Duchant. Ele nunca se preocupou se aquilo seria arte, penso eu na minha visão simples. Talvez seja arte por causa disso.
Achas que a arte deve ser guardada em museus?
SC: Qual é a finalidade da obra? Que tenha uma durabilidade e passar para o mais público possÃvel. A obra artÃstica de várias épocas nestes espaços tem mais uma função didáctica. É uma obra que já passou por várias gerações, doutro tipo de pessoas e gentes. É bom ter noção desses tempos, porque é esse conhecimento que vai fazer entender, porque está aqui e o que faço no momento. Um conceito que explorei foi as tradições, se não houvesse registo havia muita informação que não tinha. Ou teria de imaginar sem esse conhecimento, mas isso era descobrir a pólvora. A arte é imagens em acção. Talvez se falássemos com os artistas que já morreram e se os questionássemos sobre a sua obra, na escultura, na pintura, talvez eles dissessem isso mesmo, que a minha preocupação não era ser reconhecido pelo mundo inteiro. Não estou preocupado com rótulos. Rótulos são para contentores e caixas. É uma forma de organização como sociedade para nos entendermos.