Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

O renascentista

Escrito por 

 

João Fino foi músico, encenador de teatro, actor e actualmente debruça-se sobre a pintura que é uma das suas grandes paixões. As suas composições debruçam-se sobre a pintura figurativa que se inspiram nas múltiplas experiências de vida.

Pelo que vi pela tua biografia és quase um homem do renascimento, já fostes actor, encenador, músico, criaste cenários para teatro e agora dedicaste à pintura.
João Fino:Fascina-me a aprendizagem, a evolução, o desafio da resolução de problemas. A pintura é talvez a maior e mais bela das equações para mim.
Quando terminei o liceu na área de desenho, o meu percurso desviou-se e manteve-se assim, múltiplo, durante 15 anos. Por curiosidade e por sobrevivência. Por paixão ou teimosia. Mas sempre senti que as artes estão interligadas, antes ainda de perceber esse pensamento. O que se aprende numa transporta para a seguinte. Se sou melhor músico, serei melhor actor, melhor encenador, melhor pintor por consequência. O ritmo as noções de espaço de profundidade, do sentimento, da musicalidade nas palavras, das texturas nos sons ou no óleo, as diferentes camadas de uma personagem de uma musica ou de uma pintura, tudo se move no mesmo sentido. O que a pintura me ensina, é a sintetizar, a simplificar. Mas ainda estou a aprender. No entanto, é sem dúvida, o espaço onde me sinto mais confortável, adoro a solidão que me proporciona o pintar. Faz com que aprecie mais a presença de pessoas depois.

Mas, sempre foi esse teu objectivo, ser pintor a tempo inteiro?
JF: A pintura ainda é recente. Ainda me faz ajoelhar. A cada visita, como uma raínha. Foi um longo percurso mas sinto que nela me encontrei finalmente, cheguei a casa. Surgiu a oportunidade de me focar num só rumo. Mas desde sempre que os meus cadernos de encenação e os apontamentos do tempo da academia estão cheios de desenhos. Sempre desenhei, penso melhor enquanto desenho. A criação de imagens em palco, pelo corpo dos actores ou nas letras de músicas sempre me acompanhou. Rouge, a minha peça musical, o meu barco pirata, era montra disso, todas as minhas peças sempre tiveram uma componente visual muito forte. Hoje graças ao investimento de pessoas que acreditaram no meu trabalho pude finalmente focar-me em ser apenas um. E isso dá-me muito prazer. Hoje aplico tudo o que trago comigo ao meu trabalho. Quero ser conhecido como Fino, o pintor, sim.

As áreas onde te moves acabam por influênciar a tua obra, já que notei que tu fazes muita pintura figurativa.
JF: Sim. Fascina-me muito o dramatismo do rosto e a expressão do olhar e do corpo. Acho que ainda sou encenador nesse sentido. Enceno personagens que crio, moldo-lhes uma voz que transmita sentimento.Também a música é uma presença importante, o ritmo a percussão, a melodia. As cores são notas, as pinceladas ritmam a imagem, dão-lhe uma base para ter voz. No futuro possivelmente o figurativo vai-se diluir, ao não ser que pretenda abordar essa linha de forma muito objectiva. Como seria uma exposição sobre teatro.

Até porque muita das tuas temáticas tem a ver com o teatro.
JF: O teatro é uma presença incontornável, nasci do palco. Os meus trabalhos nesta fase ainda reflectem isso. Adoro máscara, a expressão do rosto, adoro registar o sentimento, a força e a luz que o teatro ensina. A forma como pinto transporta todo o modo como criava em palco. Instinto primeiro, sempre, depois a razão a aprimorar essa base. O início das minhas pinturas é a fase mais pura e honesta do meu trabalho. Mas também sou um fã da estrutura e do primor, por isso gosto de conduzir esse instinto a um resultado mais talhado. Quero no futuro fazer uma exposição inteiramente dedicada a esse universo, ao teatro.

Como artista a solo qual foi a tua primeira exposição e o que reflectiu?
JF: O título da minha primeira exposição a solo, "Intro”, de introdução, foi a chegada ao meu percurso definitivo, o de pintor. Depois de alguns tempo a trabalhar só com comissões quis apresentar o meu trabalho a um publico mais amplo. Quis também fazer a ponte, unificar o meu passado e o meu presente debaixo do mesmo tecto. Foi esse o motif. A primeira obra na exposição era um painel de cerca de 30 azulejos, um reflexo desse percurso, com memórias de espectáculos onde actuei, personagens que criei, que encenei, ou pessoas e momentos que influenciaram o meu crescimento. Foi também uma montra de diversos temas que me fascinam, a máscara, o teatro, a figura feminina, algum surrealismo e o reflexo de 4 meses muito intensos que ressoam já como um sonho, onde o verão passou pela minha janela mas deixou imagens.
Intro fez também uma homenagem à cidade que me acolheu, o Porto, e onde fiz todo o trabalho para a exposição. Seis das obras de "intro” foram para os Estados Unidos, duas delas paisagens do Porto. Pessoas que quiseram levar um pouco da cidade com eles também. Isso orgulha-me muito. Foi também o tempo de procurar conforto no meu registo, de procurar um traço que me identifique. Daqui parto para o resto de mim.

Quero abordar a forma como pintas, o teu traço especificamente, acho as que as pinceladas são urgentes, tem muita energia, são fortes e muito rápidos. Lembra-me do o Van Gohg e nota-se o cuidado com a luz.
JF: Dos impressionistas e pós impressionistas aprendi o instinto como forma de pintar. Soa-me mais honesto. Não me comove a pincelada demasiado polida. Gosto de marcas de cicatrizes. Urgente é a palavra. O meu trabalho mais honesto está na agilidade do pensamento, nessas pinceladas rápidas e instintivas. Numa vontade grande de comunicar sem filtros. O meu trabalho em azulejo é o que mais se aproxima dessa urgência, como querendo capturar, um momento que nunca está presente, sempre em movimento fugindo para o futuro e para o passado. A dimensão do azulejo é perfeita, sintetiza-me. "Intro” tinha telas de grandes dimensões. “Cosmos” por exemplo tem 1.87x4.90m. Nos intervalo destas telas volto sempre aos azulejos pelo prazer que dá trabalhar a agilidade e a simplicidade nas pinceladas. Ainda não consigo transpôr isso completamente para telas de grandes dimensões, para a gestualidade mais ampla. É isso que busco. Urgente também pelo tempo que sinto ter de recuperar, de aprender. Pelo muito que quero ainda fazer.

Vamos falar um pouco sobre o teu processo criativo, primeiro tens uma ideia e depois rapidamente fazes um esboço, ou há uma análise profunda de luz, da temática e depois é que desenhas?
JF: Gosto de esboçar ideias, se estou a trabalhar em comissões gosto de as mostrar aos meus clientes, de conversar com eles se possível, de conhecer a pessoa que vai receber um trabalho em casa. Gosto muito de ter temas, gosto de marginar as minhas ideias para depois poder fluir dentro dessas margens. Gosto de levar o esboço até onde sinto que basta. Muitas vezes basta muito pouco. Até porque a tela continua a ser rainha, é nela que se dita o percurso desse esboço, que evolui sempre, se perde e se encontra, o temperamento do óleo é quem comanda a dança. Faço pesquisa, perco-me no trabalho de outros, gosto de fotografar de aprender a compôr melhor, recolho ideias, sonho os temas, imagino-lhes a luz. Mas deixo quase tudo para a tela. Trabalho muito rápido nos primeiros gestos, depois a meio do percurso, deixo espaço para reflectir, ver o que quero mudar, a meio afasto-me, sento-me, viro as telas à parede, começo outras, pego-lhes uma semana depois, com novo olhar. Se estiver bem o olhar não acusa. Tenho o canto da porta do estúdio com marcas de tinta porque é aí que me encosto a ver. Gosto também de trabalhar algumas telas ao mesmo tempo, para deixar respirar o trabalho. O meu maior aprendizado nesta fase foi saber parar. Ainda crio por excesso por vezes, do caos à ordem mas aprendi a subtrair, a deixar actuar. Coisas do palco também.

Utilizas a aguarela, a tinta a óleo e ainda técnicas digitais. Qual é o teu meio preferido?
JF: Utilizo a aguarela em viagem, porque é facilmente portátil. Viajo o mais possível com a minha esposa e levo sempre aguarelas comigo, para registo de paisagens, de ideias. Para experimentar. É um elemento muito feminino, mais delicado, requer leveza, cuidado, balanceia-me o traço, o lado masculino. Ainda sujo muito, mas gosto de criar pelo erro. Gosto da mancha, de criar pela sugestão de formas.
O meu meio favorito é o óleo definitivamente, explosivo como contido, intenso como delicado, é um meio muito completo e vivo, existe uma ligação com o passado. Mas aplico muito do que aprendo na aguarela ao óleo, gosto do glazing, de criar texturas e véus por cima das pinceladas ou nas primeiras camadas do trabalho, na primeira camada. Um dia hei-de ter coragem para deixar o trabalho nessa primeira fase, que é onde ainda acho que é mais interessante e que só chega ao publico em pequenas passagens da tela. Depois o digital, porque sou um filho da era embrionária dos comutadores com os spectrums e os primeiros macs. Vermeer tinha a caixa de espelhos, aproximava-o do modelo e da luz, acho nesse sentido o computador uma ferramenta muito útil. Mas mesmo nos meus trabalhos assumidamente mais digitais existe sempre uma base real de desenho ou aguarela. Depois gosto de ver onde posso levar essa imagem com o computador. No entanto, na pintura não existe control z, por isso é uma forma de poder experimentar ideias, atalhar tempo, ver mudanças cromáticas, reflectir na luz. Mas não me deslumbro, não faço nada no computador que não sinta honestamente que consiga fazer na tela. E depois consigo conciliar tudo em alguns trabalhos, como é o livro para infância que ilustrei, onde os elementos de teatro, aguarela, óleo e digital se conjugam harmoniosamente. e onde a encenação esteve mais um vez presente. Pedi a um amigo para criar 20 acções para a personagem de uma menina e depois com esses desenhos criei todo o palco para ela, através das expressões imaginei e ilustrei o mundo à volta dela. O resultado será publicado em breve.

E quando aparece a frustração?
JF: Sendo autodidacta na pintura como na música, aprendi por tentativa erro, pela observação. A frustração foi uma constante durante muito tempo. Destruí muitas telas, repintei outras tantas, ainda erro, mas cada vez menos, espero. A frustração desapareceu, deu lugar à noção de que cada pintura será sempre uma viajem, de que haverá sempre altos e baixos. Penso que todos pintores sentem isso, por mais anos de experiência que tenham. Com tempo, aprendi a reconhecer isso e a deixar respirar, a não massacrar o trabalho e cometo menos erros. Outra coisa que trouxe comigo do teatro, da arte do clown, foi a de transformar o erro, em o assumir como algo positivo, em reconhecer isso como possibilidade para fazer a ideia crescer. A pintura, a arte, é um entidade viva, metáfora de vida, não pretende ser perfeita mas quer evoluir.

Fala-me um pouco sobre a tua próxima exposição em 2016. Qual é o fio condutor dessa mostra?
JF: Tenho 4 exposições para 2016. Vou expor já em meados de Fevereiro no Majestic no Porto, na sala de exposições que o espaço tem. Será uma exposição bem mais intimista que Intro, onde exporei maioritariamente azulejos de 24x24 cm. Quero registar mais do Porto, fascina-me a cidade. Quero levar ao espaço do "Majestic" alguma da sua própria elegância, mas quero também convidar a rua a entrar. O Porto tem imagens que me fascinam pelo seu temperamento medieval. Quero convidar esses dois portos, que são parte do mesmo, a coexistir. Fascina-me a elegância do espaço, do existir dessa época, das formas femininas a verticalidade dos homens, a arte nova, mas fascina-me também o drama e a curvatura das figuras de rua, dos loucos, dos mendigos, dos vendedores. Quero fazer uma registo muito rápido em azulejo de algumas dessas imagens e terei algumas paisagens do porto, porque é um universo infinito, um puzzle de cores e linhas formes e disformes. É uma cidade com muita personalidade. Ao mesmo tempo tenho comissões para pintar, encomendas para o estrangeiro também, e estou a preparar um projecto muito especial daqui dos Estados Unidos, que não posso ainda revelar mas que tem como base o mito de Dionísio e o vinho do Porto que irei começar assim que aterre em Portugal. Tenho também possibilidade de expor em Paris e estou já a desenvolver os esboços para esse projecto. Vai ser um ano muito preenchido.

http://joaofino.com/

Deixe um comentário

Certifique-se que coloca as informações (*) requerido onde indicado. Código HTML não é permitido.

FaLang translation system by Faboba

Eventos