Essa questão de incomodar o sistema, acaba por ter reflexos no teu redor, já que estás inserido num meio tão pequeno como é uma ilha, acaba por ter repercussões?
GM: Não, porque a sociedade em geral ainda vê o artista como uma pessoa louca. Dão-nos um certo desconto por assim dizer. Há certos trabalhos que já fiz como artista que certas pessoas vieram dar-me razão sobre a forma como os realizei. Eram cépticas à imagem, ou a mensagem que pretendia atingir e hoje em dia essas mesmas vozes deram-me razão quando mostrei alguns trabalhos.
Podes dar um exemplo?
GM: É um exemplo muito simples, havia uma obra que idealizei para a secretaria regional de turismo sobre a queda da igreja católica, de como não soube adaptar-se aos dias que vivemos hoje, fiz uma peça forte que era jesus cristo numa cruz, num avião num plano descendente. O que se vê não é novidade, é pedofilia e é a exploração da ignorância da população, Fátima que é outra aparição absurda, eu interrogo-me porque não houve mais aparições? Eu acho que é tudo um capitalismo selvagem até por parte da igreja. O que é curioso é que algumas pessoas que conhecem o meu trabalho e são até católicos conservadores condenaram essa obra na altura e agora vêm dizer que tinha razão. Fiz essa representação sobre um caso que aconteceu na ilha, já para não falar do padre Frederico.
Das várias vertentes artísticas onde te moves, desde a fotografia, a escultura e a pintura, qual é que sentes que é o teu meio natural?
GM: O meu meio natural é complicado de dizer, eu não vejo os meios para atingir fins ao nível artístico. A mim não me interessa se é pintura, escultura ou desenho, se são palavras, o meu interesse como artista é que as pessoas tenham mais sensibilidade e pensem mais na vida. É como um católico que reza todos os dias, eu tive uma educação ao contrário, os meus pais por dia falavam sobre vários assuntos, é isso que tento fazer nesta nossa sociedade.
Falando das tuas recentes obras de arte, neste momento estas a desenvolver um conjunto de peças digamos suínas, como pretendes contextualiza-las?
GM: Para já hoje em dia vivemos numa sociedade porca, eu faço parte dela, todos fazemos. Depois o porco tem várias interpretações, às vezes rio-me destas associações protectoras de animais, porque tem pena dos cães e dos gatos, mas eles comem carne de porco e de vaca, são animais que muitas vezes são mortos de forma brutal e as pessoas tendem a esquecer isso. Considero que é uma hipocrisia o trabalho dessas instituições. Outra das vertentes desta temática é o actual panorama político e social onde vivemos. Políticos empresários, monopolizadores do sistema, que fazem o que querem, seja nesta ilha, em Portugal, seja onde for e até tem uma conotação europeia, utilizo a porca da Merkel. Eu gosto também de ler, li a revolta dos porcos de George Orwell e há o Bordalo Pinheiro, que foi um homem muito ligado a caricatura, que identifica a política como a porca, no fundo era a porca da política. Depois como convivi com outro artista de realismo abstracto, é espanhol mas trabalha em Nova Iorque, José Luís Cerzo, com quem tive uma aprendizagem muito profunda com matérias-primas químicas, como as resinas e os silicones e então comecei a pegar em cabeças de porcos e transforma-los em hiper-realismo, comecei a pegar corpos de pessoas e transforma-los em porcos.
Neste momento estas também em paralelo a desenvolver um projecto de cerâmica.
GM: O artista pelo menos na minha cabeça está sempre a fluir a 2000 mil a hora, e o que mais se vê hoje em dia é que somos bombardeados por instituições de caridade a pedirem trabalhos dos artistas para serem leiloados, mas o que se passa é que as pessoas não entendem uma coisa, a arte é como outra profissão qualquer, tem de ser paga. Então este projecto europeu da cerâmica, que ganhámos através do programa juventude em acção, e entretanto investi algum capital, por isso, visa vender algumas peças minhas assinadas e de outros artistas para serem comercializadas no mercado. Isto porque, os artistas têm de ganhar dinheiro como outra pessoa qualquer. Tem de ser sustentável. Todos temos gastos, precisámos de comer como outra pessoa qualquer. A arte não é um brinquedo, é uma profissão e tem um sentido muito forte na vida das pessoas. Não misturo o artesanato com a arte, mas ela tem de ser paga. As pessoas têm de se habituar a pagar as peças. O mal quer na Madeira, quer fora da ilha, é que foram habituadas a aceder à cultura de borla e não pode acontecer mais isso, o artista tem de ganhar dinheiro como outra pessoa qualquer.
Voltando um pouco atrás, referiste parcerias que já tiveste com outros artistas, porque é essencial para ti ter essa experiência? Necessitas de um olhar crítico ao que fazes, ou é uma forma de te nutrires para teres outro tipo de perspectiva, ou outros olhares?
GM: Os artistas têm de conviver uns com os outros. É claro que não vou conviver com quem não me interessa. As pessoas pensam que é tudo muito bonito, que temos que identificar-nos com o trabalho dos outros, mas o que se passa é que há pessoas que trabalham e outras que brincam no mundo artístico. Eu prefiro juntar-me com artistas com quem me identifico, com quem trabalho a sério, que possuem um percurso artístico e que defendem a arte como um filho. Já trabalhei com vários, desde Cristina Ataíde, Miguel Palmas, ou Marcos Fagundes, que são conceituados no mundo das artes e eu aprendo muito com eles, mexendo em novos materiais, novos conceitos, mas sempre com a minha ideologia política, que tanto pode ser mais satírica, ou mais poética, ou mais abstracta, ou mais realista, todos os artistas tem uma identidade. Essa identidade custa a encontrar, os primeiros anos do nosso percurso artístico é um processo demorado e difícil.
Então qual é a tua identidade como artista neste momento?
GM: Acabo por ser mais um revolucionário, não radical. As pessoas acham que é incomodativo, às vezes, deixa de ser óbvio, torna-se cada vez mais subtil. Se estiverem com atenção, o meu trabalho incomoda a alma.
Muitas das tuas obras possuem elementos orgânicos, o que te atrai neste tipo de matéria e o que trazem para as tuas obras?
GM: Eu uso esses materiais porque adoro o sangue, podem-me chamar psicopata.
Mas, o que te atrai é a cor, ou quando oxida tem um determinado tom?
GM: O que me atrai é a realidade. No fundo somos sangue. No passado, os artistas usavam os pigmentos da terra, a parte orgânica, desde o sangue, os pigmentos nos óleos que se desfaziam e utilizam-nos nos seus trabalhos. Acho que isso é essencial, eu trabalhei com um artista que a determinado ponto me disse: Gonçalo, a arte é fácil, nós é que a complicámos. Neste momento movo-me por esse conceito, tento ser mais bruto, no passado procurava mais a perfeição, identifico-me com esta noção do não complicar, mas tento sempre levar a minha água ao moinho.
Há algum artista com quem tu ainda não tenhas trabalhado, mas gostavas?
GM: Há vários, no sentido de partilhar experiências durante algum tempo. Gostava de trabalhar com o Ron Mueck, mas não partilho com ele a mesma visão, contudo há certos artistas alemães com quem gostava de trabalhar.
A ilha limita ou não?
GM: Sim, um artista que pretenda ter uma carreira nas artes, claro, que a ilha limita, se quer crescer enquanto nome no exterior. Tem de estar sempre a viajar de um lado para outro, de país em país, estar em exposições e bienais, tem de sair. A ilha é pequena e limitada, os espaços dignos de exposições são muito poucos e já lá estive de uma forma ou outra. Agora, apresento a minha obra em sítios díspares da chamada galeria, ou cento das artes.
Tens uma exposição patente neste momento, é a duas velocidades, fala-me um pouco sobre ela.
GM: As duas velocidades são uma parceria com o Miguel Palma, que é um artista que admiro. Na altura, ele precisava de outro artista que entende-se o seu método de trabalho, os mecanismos que utiliza e os materiais. E foi ter com ele a Lisboa e resultou. O trabalho Iceberg tem um conceito engraçado.
Duas velocidades, dois artistas com visões diferentes é isso?
GM: Não, duas velocidades têm a ver com uma mistura de arte contemporânea e o Max Römer foram buscar todas as suas obras e em paralelo foram buscar artistas de arte contemporânea.