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O simbolista

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De nacionalidade portuguesa, embora não o pareça, quer na linguagem, quer no nome, Hernando Urrutia tem tido um percurso artístico que está ligado ao principio das origens comunicativas do ser humano, aos símbolos. Um retrocesso as origens que renova constantemente na sua obra conceptual e que emerge como um novo conceito visual que depende da interpretação de cada um de nós.

Como se faz o artista?

Hernando Urrutia: Vem de uma procura intelectual. Eu era um professor universitário e foi convidado por uns antropólogos, sociólogos e geólogos para fazer investigação de campo na Amazónia. Queriam alguém com conhecimentos de desenho, queriam um artista para desenhar os objectos e elementos que faziam parte dessa pesquisa. Fui e fiquei apaixonado por essa investigação, por esse mundo diferente, longe do nosso conceito ocidental, que me fez reflexionar sobre os signos, de como se faziam os pictogramas, como ecoavam essas vozes e porque escreviam aquilo tudo.

A exposição retro é um retrocesso aos 26 anos de carreira? Porque quisestes fazer essa reflexão agora e como tudo começou?

HU: Sim, é um retrocesso de vinte e seis anos. Isto já vinha dos 20 anos de carreira, estive a preparar uma exposição na fortaleza de São Tiago, um projecto que não pode seguir em frente por falta de verbas. Só que entretanto, no aniversário dos vinte e cinco anos houve a possibilidade de fazer um catálogo de grande formato com uma editora do continente, mas devido as restrições inerentes à actual situação do país decidi fazer um trabalho mais modesto e simples, mas sem deixar passar a oportunidade. Por vezes, deixámos de fazer certas coisas e não o devemos fazer. Digamos que era uma divida que tinha com a galeria da mouraria, porque desde que cheguei, passados dois meses, já estava a expor graças ao Ricardo. Depois estive doente e tive muitos problemas e isto fez com tudo se atrasasse. Agora que estou melhor, decidi faze-lo, de forma modesta. Esta exposição tem um duplo sentido, é um retrocesso pela carreira e pela linguagem dos nossos antepassados. Os símbolos eram importantes, estavam nos paus, nas paredes, depois foram-se convertendo numa linguagem. Os signos surgem das vivências e dos estudos que fiz com etnias da América do Sul e também de origem africana. Tenho duas vertentes diferentes da percepção da linguagem do símbolo. Apesar de termos duas culturas no mesmo continente, as duas reportam diferentes aproximações dentro da temática do signo. Há diferentes épocas da humanidade e diferentes culturas que sempre tiveram presente o símbolo que representam sempre o mesmo, mesmo nas estruturas nórdicas, da América do sul e de África, o que acontece? O homem tem sempre as mesmas preocupações da vida, do comum, do que é natural e do céu. Todos são iguais em todas as partes, diferem é nos momentos, nos séculos. Esses signos são estudados porquê? O homem é o mesmo. O que me faz reflectir é como um homem de uma cultura específica seguem a mesma temática.

Também falas do indivisível. Esta abordagem vai ao encontro da tua arte conceptualista?

HU: Sim. Os símbolos dizem certas coisas e a única forma de representa-los é dessa forma. Não existe outro meio, o indivisível é o que não se pode traduzir em palavras, mas num signo que fala de muitas coisas ao mesmo tempo, que identifica simbologias e significâncias. O indivisível é praticamente a forma que um crítico muito importante encontrou de definir a minha obra. Representa aquilo de que não se pode falar, não se pode dizer. Esse é uma faceta do ser humano, uma emergência, o desejo de dizer o que não pode traduzir por palavras.

Estas obras representam um retrocesso, mas ao mesmo tempo simbolizam um avanço numa direcção.

HU: Sim, que é uma obra do presente, olhando para o passado e para o futuro. A obra é atemporal. Actualmente pode ser contemporânea, mas depende do contexto. Se vês esta obra numa caverna dizes que é antiquíssimo. Mas, se a olhas num outro posicionamento, dizes que é diferente e se encaras a obra no futuro afirmas que é muito contemporânea. A situação depende da temporalidade.

Então como defines o teu trabalho?

HU: Depende de quem a vê. As minhas peças não têm título. Eu deixo essa interpretação a cada um. O fundamento é o nível conceptual da minha obra, por isso nunca ponho títulos, porque acentuaria a minha simbologia. Quando olhámos para os signos destas diferentes culturas temos a tendência de adequa-lo a nossa, aos nossos estudos, a memória visual de cada um de nós. A forma como viveu. Há uma interpretação diferente para cada pessoa.

Queres que seja universal?

HU: Sim, é isso que quero. A obra é universal. O homem é igual em todas as partes. No momento em que apaixonei pelos símbolos, pelas culturas africanas, pela investigação que fiz das etnias na Amazónia, estudei esta temática durante anos e desenvolvi projectos universitários, só que de tanto escrever sobre o mesmo assunto, a minha obra artística que era outra foi-se alterando e a paixão pelos signos foi mais forte. Chegou o momento de desenvolver essa ideia, de volver atrás e experimentar. Passado um tempo um grupo de amigos me perguntou o que queria fazer com aquilo e deram a ideia de uma exposição. Ao princípio não me sentia preparado, mas apareceram no meu estúdio uns críticos de arte e galeristas que me convenceram a expor.

Foi aí que percebestes que eras um artista?

HU: Não, eu estou a fazer o meu percurso desde o ano de 1986. Só que a minha obra era diferente, não apareciam os símbolos, estes só aparecem na década de noventa. Já nessa altura sabia que era artista, só que estava mais voltado para a parte mais intelectual das belas artes. Os símbolos arrastaram-me e estou sempre encontrando diversas formas de chegar até elas. As obras, então, deixam de ser do artista depois de se venderem, ou irem para um museu. Eu sou o autor, mas a obra não é minha, as pessoas fazem o que querem com ela. Acho que a partir dali todo o artista tem de ter consciência que no momento em que a faz, a obra deixa de ser sua, faz parte da cultura, do povo e de toda a gente.

www.artistasdomundo.com/hernandomejia

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