Agora já não, há mais colecionadores?
FR: Existem algumas pessoas que também vão as feiras, da Vandoma, da ladra, as mais típicas, vão lá vender.
Tem ideia de quantos azulejos possui na sua colecção?
FR: Não sei, tenho uma garagem cheia, desde azulejos do século XVI até os mais recentes, de tudo. Não os vendo. Já sei até como quero por tudo aquilo e tenho comprado em função disso. Quatro azulejos, dois motivos diferentes, oito do mesmo, montados em lados opostos, um dia monto tudo na minha casa (risos).
Notou que as temáticas e os desenhos mudaram ao longo dos séculos? Que houve motivos que desapareceram e outros se mantiveram no tempo?
FR: Todos os azulejos expostos aqui foram resultado de uma pesquisa a partir dos mais antigos. Excepto a pintura em azulejo, que é um conceito mais recente. Eu tenho vários pintores que trabalham para mim para vender, mas estas peças não fazem parte da minha colecção. É algo que estou a começar. No atelier tenho artistas portugueses e estrangeiros, nomeadamente polacos e checos. Eles vêm para aqui aprender. São de belas artes na sua maioria, porque as fábricas não o permitem. Eu deixo qualquer pessoa pintar pelo menos meia dúzia de azulejos, mesmo que não tenha jeito nenhum e dou-lhos no fim. Não me custa nada. Ficam com esse conhecimento.Todas as réplicas que tenho são os chamados azulejos de fachada que se vê na cidade, no Porto.
Os mais tradicionais são mais procurados em contraponto aos mais recentes?
FR: Sim, porque eles, os turistas, vêm os azulejos nas casas quando andam pela cidade, fotografam-nos, chegam aqui veem-nos numa peça e compram. Apetece leva-lo.
Para além do artesanato, dos azulejos, tem outras peças mais tradicionais?
FR: Sim, as de ferro forjado, antigamente as pessoas gravavam certas peças e tenho algumas iguais as que se vem nos museus. É um artesanato mais regional, ainda existe um artesão que faz tudo á mão, grava com cravos, actualmente a maior parte solda o ferro.
Mas, os jovens artesãos não recuperam essas técnicas?
FR: Do ferro forjado não há ninguém. De azulejaria há muita gente como quem diz. É um interesse que esta a começar. Agora não há trabalho, eles têm de ganhar a vida e vão ganhando um certo gosto por estas artes. Os pintores que tenho a trabalhar comigo, vieram para aprender, ver como o faço e depois criam. Os jovens têm cursos de pintura, de escultura, mas não tem ainda um gosto pessoal definido, isso vai acontecendo aos poucos e eu deixo-os ir, seguir o seu caminho. O meu gosto pessoal no que se refere aos azulejos não é o mais importante, em termos de vendas. Eles são novos, tem ideias diferentes e isso também vende. Eu tento aproveitar essas novas gerações. Gosto que façam o que gostam e às vezes o que gosto também (risos).
Também tem outras peças que diferem muito do restante espólio, esta espécie de quadros, o que são?
FR: São os registos. Serviam para assinalar datas significativas, importantes. Casamentos, baptizados, mortes, para o culto de um determinado santo. Ou seja, eram incluídos nesses quadros, motivos e alusões ao tema. O registo com a figura do santo de culto pessoal, por exemplo, podia ser feito com fios de prata que envolviam o arame em formato de flores, eram imensas horas para realizar estes pormenores. Também se bordava com fios de ouro e só se usava materiais antigos. Os bonecos que vemos em algumas destas peças eram feitas com pão, que depois eram pintados. Muitos pertenciam a famílias com brasão, um que recuperei da uma família de Guimarães, tinha o nome de todos os membros desde o tempo do visavô. As assinaturas são dos próprios, mal aprendem a escrever são colocados no registo, espetados numa fitinha com uma agulha. É uma arte em vias de extinção. No total existem no máximo dez pessoas a faze-los ao nível nacional. Eu estava incluído nesse grupo, mas agora já não os faço. Nos Açores, há duas pessoas, mas os registos lá são diferentes, são feitos com flores secas. Esta arte só existia, por norma, onde houvesse conventos.
Onde encontram os materiais?
FR: Compro dos padres, os paramentos que já não usavam. Nas joalharias, nas lojas de antiguidade, nas feiras de velharias, nos estofadores, estes últimos desmontam cadeiras antigas com veludos com mais de 150 anos de existência, esse é que fica mais bonito e eu comprava mesmo que estivesse roto, depois cortava e aplicava. Nas festas do interior, eu via nas varandas das casas uma daquelas colchas mais antigas, eu ia lá oferecia dinheiro e isso dava para uns 100 registos ou mais. Tenho caixas, malas cheias. Eu fazia milhares, agora é que não. Há para todos os gostos, desde os que podem custar 1500 até os de cinco euros. Os da Nazaré, uma zona de pescadores, eram feitos com as pratas dos chocolates, com vidros partidos que eram cortados para inclui-lo no registo, tudo era aproveitado. Os registos mais ricos dependiam da região onde eram feitos. Normalmente, os mais elaborados eram onde estavam os grandes conventos, em Coimbra, em Guimarães, em Braga e no Porto. As freiras ofereciam-nos as pessoas ricas, aos nobres que davam pipas de vinho, cereais ou outro tipo de oferendas aos conventos. Era uma forma de agradecimento, já que, não tinham dinheiro, em troca criavam os registos. Imagine, vinte freiras em volta de uma mesa a elaborar os vários motivos, era uma espécie de linha de montagem. Os registos mais bonitos que existem em Portugal, eu tenho alguns, são de um valor incalculável por causa do trabalho manual que envolvem, mas alguns podem ser vistos em Guimarães, no museu de São Torcato. Existem também no Porto, não estão á vista, podemos aprecia-los nas sacristias, nos quartos dos padres, em solários mais antigos que ainda os possuem. Uma pousada em Santa Marinha, em Guimarães, que foi um antigo convento, tem um registo em cada quarto.
Como surgiu esse gosto por fazer registos?
FR: Quando abri a minha primeira loja de artesanato em Guimarães. Gostava de arte religiosa, comecei a ver, achei que conseguia fazer e aprendi com artesãos que se dedicavam a esta arte. Depois pesquisei por mim próprio, falava com os padres, uma pessoa ao embrenhar-se em algo por gosto descobre tudo. Nem tudo o que esta nos registos foi eu que fiz. Eu não sei bordar, fazia o desenho e mandava bordar no tecido que queria. Nada se faz sozinho.
Depois parou, porquê?
FR: Não se pode fazer tudo. Isso foi um interesse que tive, durante 10 anos, chegou uma certa altura que me cansei. O minha paixão actual é a azulejaria, já tenho algum conhecimento que adquiri com a minha colecção, eu não os fazia, agora estou a cria-los, mas este é também um processo longo de aprendizagem.