Os desenhos do Bruno é um projecto que surgiu por necessidade, mas que resulta de uma paixão pelo cartoon de Bruno Prates. Uma iniciativa que não se limita as caricaturas, mas que se estende aos mais jovens, através de um projecto no pré-escolar que pretende promover a criatividade, através desta forma de arte e no futuro uma academia do desenho para todos.
O que te levou a este projecto do Bruno e das suas caricaturas?
Bruno Prates: Este projecto de certa forma começa na infância, quando o meu pai me incentivava a desenhar num caderno o tio patinhas, ou o zé carioca, era assim que passávamos o tempo. Depois comecei a criar os meus próprios bonecos com a cabeça de um desenho animado, os pés e braços de outros, porque achava que era mais importante do que copiar os originais. Como treinava muito, comecei a ouvir que até desenhava bem e em 1997 experimentei enviar para um jornal de Alcobaça uns desenhos em tom mais crítico, a chamada tira humorística, o director gostou, publicou e aí começou à minha experiência em termos de imprensa. Por outro lado, também tinha o hábito de fazer desenhos para oferecer aos meus amigos, ou familiares numa festa de casamento, ou de aniversário e as pessoas começaram a encorajar-me a cobrar pelos desenhos, mas não o fazia, porque sou professor de educação visual e tecnológica desde 2003, se a minha profissão fosse desenhar cobrava dinheiro, mas eu faço isto por prazer. Em 2013 o Ministério de Educação entendeu que já não havia a necessidade de ter dois docentes por sala e passou apenas a ter um e muitos de nós professores dessa área ficámos desempregados e eu tive de arranjar uma alternativa à escola e das muitas coisas que podia fazer lembrei-me que as caricaturas era a única que dominava e comecei a publicar os meus trabalhos nas redes sociais e a receber encomendas.
Tu tens um personagem principal nas tuas caricaturas ou são apenas resultado das fotos que te enviam?
BP: São dois conceitos diferentes, eu tenho o cartoon por encomenda, em que as pessoas enviam a fotografia e eu faço o desenho e depois tenho a tira humorística para imprensa que faço desde sempre onde tenho uma personagem principal que é o Zé Povinho, é um desenho que nos representa a todos inspirado em Bordalo Pinheiro e essa sim é a minha personagem habitual.
Quando desenhas o cartoon por encomenda para além da foto, tu pedes um resumo da personalidade da pessoa que vais caricaturar ou nem por isso?
BP: Por norma peço a fotografia e um tema em que queiram ver a pessoa representada. Se for algo muito elaborado aumenta o preço, é consoante a complexidade do trabalho. Regra geral as pessoas dizem-me os gostos musicais dos visados para eu desenhar algo que tenha a ver com a música, ou se apreciam os computadores para ter um elemento associado à informática, ou as novas tecnológias. Por exemplo, há crianças que sonham ser astronautas, eu desenha-os dessa forma. Existem características que questiono ao cliente, se for apenas uma caricatura eu faço-a no estilo cómico e divertido que me caracteriza, se for uma empresa a fazer um pedido aí sim peço o “retrato” das várias personalidades, ou pessoas a representar. As caricaturas para as empresas é um projecto mais recente e menos consistente, nesse caso faço um cartoon baseado no que os colegas de trabalho reparam na pessoa visada, qual a ideia que tem dele.
Quais são as pessoas que te pedem cartoons? Já tens ideia de um cliente-alvo?
BP: Sim, já. Os desenhos do Bruno existem desde 2013 e nestes 3 anos de existência já consigo fazer essa classificação, maioritariamente são mulheres, entre uma faixa etária entre os 25 e 45 anos são as que me contratam, porquê? Não sei bem, elas pedem-me muitas caricaturas de crianças, dos maridos ou dos namorados para oferecer. Os homens são mais recatados ou desconfiados, também pedem, mas é mais ao nível empresarial. Nota-se isso particularmente no dia do pai, quando se aproxima da data tenho muitas encomendas, quando é o dia da mãe, quase não tenho pedidos.
Desvenda um pouco o que pretendes a longo-prazo que sejam os “desenhos do Bruno”?
BP: Como sou professor e dou formação tenho um projecto com o pré-escolar que tem como objectivo o desenvolvimento da criatividade a partir do cartoon. Este é um trabalho que pretendo desenvolver com as idades mais precoces e que já existe. Comecei o ano passado a apresentar a ideia e este ano já consegui implementá-lo em parceria com à Câmara Municipal das Caldas da Rainha. Outro dos objectivos é ir até as escolas abordar esta temática da caricatura, de explicar como dá para viver do desenho, depende da maneira como trabalhámos. A médio e longo-prazo que é para isso que estou a trabalhar, pretendo ajudar a criar uma academia do desenho na vertente cartoon e não tanto a expressão plástica, isto porque eu tenho muitas solicitações de workshops para adultos e por vezes não é fácil porque não tenho disponibilidade para tudo. Gostaria de disponibilizar uma academia onde se pudesse desenvolver este tipo de competências no desenho.
Já tiveste algum pedido de uma caricatura um tanto quanto estranha ou inusual?
BP: Tenho uma ou outra cliente que me pede para favorecer determinadas partes do corpo, falo dos genitais e essas situações deixa-me um tanto quanto embaraçado, embora seja tudo via internet e eu tenho manter ao máximo um certo distanciamento e respeito que é para não haver confusões. Depois tenho clientes muito bonitas e tento passar a mensagem que provavelmente vai ser difícil transpor isso para o desenho, porque é uma caricatura divertida.
Então é sempre dessa forma que são feitas as encomendas? Via internet? Nunca te encontras fisicamente com a pessoa para fazer um cartoon?
BP: Não, há poucas situações dessas, porque a caricatura é muito simplificada. É um desenho rápido, que não carece de uma análise in loco, através da fotografia consigo fazer o desenho, embora haja clientes que tenham essa ideia, mas eu explico sempre o processo, que é simples porque permite-me trabalhar a hora que eu quiser, vou gerindo o meu tempo de forma eficiente e consigo trabalhar desta forma.
Quanto tempo em média demoras para fazer uma caricatura?
BP: Primeiro, leio tudo o que as pessoas escrevem sobre a pessoa, desenho logo a caricatura numa folha a lápis, digitalizo, a seguir faço o vector no computador e pinto, no final mando aplicar em t-shirt, ou em canecas, ou molduras, mas também faço pinturas em paredes, por média demoro duas horas quando é uma pessoa. Continuo a desenhar a lápis para não perder essa hábito do desenho, gosto de desenhar e também porque a parte da digitalização é a mais aborrecida do trabalho. Passo o cartoon para o vector para se tornar mais fácil à sua aplicação noutros materiais. Quando faço o desenho envio uma prova para o cliente aprovar, se for aprovado de imediato fica tudo resolvido em duas horas, mas se não responder logo, ou for necessário alterar alguma coisa, que acontece algumas vezes, um trabalho pode demorar mais tempo. Existe também esta questão, a pessoa envia-me uma fotografia de que gostam muito e não uma mais fiel das suas feições, eu desenho a partir dessa imagem, depois a pessoa diz que não se parece com ela, porquê? Para aí o desenho é meu e +e a minha visão daquela pessoa, não reproduzo apenas o que elas querem, embora nem toda a gente seja fácil reproduzir.
O que torna uma pessoa mais difícil de desenhar que outras?
BP: É ser o mais normal possível. Se não tiver uma característica física que o realce como o nariz, os dentes, as orelhas, os olhos ou o cabelo, torna-se mais difícil porque é um rosto comum e tens de andar à procura de algo para não ficar igual a fotografia.(risos).
Novo guia que ajuda a promover turismo no Norte durante todo o ano.
“Aldeias de Portugal” é um novo guia para “combater a sazonalidade turística” e promover a “economia local” que o Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP) e a Associação de Turismo da Aldeia (ATA) lançam no final do mês de Março.
A publicação apresenta 80 aldeias de Portugal ao longo de cerca de 100 páginas e revela aqueles espaços rurais como um “produto turístico único e inimitável”, “personalizado” e que valoriza a “hospitalidade”, “lazer” e “tradições”, refere um comunicado do TPNP. “Este projeto é uma excelente aposta para combater a sazonalidade, aumentar a estada média e trazer valor acrescentado aos nossos parceiros públicos e privados, com a dinamização da economia local”, defende o presidente da instituição nortenha, Melchior Moreira.
Para Ana Paula Xavier, da ATA, as aldeias da região Norte apresentam locais “de uma beleza paisagística e riqueza arquitetónica memoráveis”. “Ao longo dos últimos dez anos, temos promovido um esforço importante no desenvolvimento integrado e sustentado do turismo nos territórios rurais, na valorização de recursos e produtos locais e na preservação da cultura e do património do mundo rural”, adiantou Ana Paula Xavier.
Com lusa
Dany Silva é um dos nomes incontornáveis da música cabo-verdiana em Portugal. O seu nome ficará para sempre associado à promoção de ritmos crioulos e da divulgação das mornas e coladeiras no nosso país, mas foi o tema “branco velho, tinto e jeropiga” que o tornou um artista imortal na memória dos portugueses.
Em 2012 gravou o álbum “amor em adjectivo”.
Dany Silva: Eu não gravei, participei nesse álbum, estou eu, o Vitorino e um cantor cubano. Neste trabalho participo com 3 ou 4 temas, a ideia era um criar um triângulo do Atlântico, Portugal, Cabo Verde e Cuba.
Dessa experiência que retirou? De certeza que houve uma troca de impressões sobre a música dos vossos respectivos países?
DS: O que acontece no caso do Vitorino é que ele faz música popular portuguesa, alentajana e não houve grande dificuldade, porque o conheço há vários anos e até conheço o irmão, o Janita Salomé. Em relação ao músico cubano, nos ouvimos muito este tipo de sonoridades em Cabo Verde, é uma música com ritmo e dançante e o cabo-verdiano, por natureza, gosta de festa. Neste disco deram-me 4 poemas para musicar e fizemos um espectáculo em Guimarães onde chegámos à conclusão, nos ensaios, que estávamos a seguir caminhos parecidos. Depois neste mundo global onde estámos a viver e ouvimos música de todo o lado, sobretudo, aquelas que gostámos, os poemas levaram-nos para esses lados, mas foi engraçado. Esse concerto foi gravado ao vivo e depois então editado em CD e foi um trabalho interessante, porque me deu muito prazer fazer.
O Danny Silva gosta muito de parcerias musicais. Porquê, buscar esse seu repertório detrás, que é extenso?
DS: Faço sobretudo quando são intérpretes que me agradam e as músicas também.
Na minha carreira tenho feito muitos duetos, não só em trabalhos meus, como eu prórprio apareci em discos dos outros. Normalmente, é uma forma de ganhar experiência e uma maneira diferente de mostrar um tema, eu componho uma canção e dá-me “gozo” ouvir outra pessoa a cantá-la. Eu escolho as pessoas, vejo como cantam e sentem a música, dá-me imenso prazer fazer esse tipo de experiências. Por norma, esses duetos tem saído com muita qualidade e não me lembro de nenhuma excepção.
Com mais de 40 anos de carreira, qual é ao se ver o seu trabalho discográfico que melhor o definia como músico?
DS: É difícil, porque todos os trabalhos, principalmente os que estão gravados, ou editados, tem a ver comigo. Há deles que marcaram a minha carreira, o primeiro disco que gravei em português, era um single, tive logo sorte, foi um sucesso enorme, que é “branco velho, tinto e jeropiga”. Foi um sucesso de vendas, mas não falo apenas disso, as pessoas vinham falar comigo, desde as mais novas, as mais velhas. Nestes quarenta anos, em todos os espectáculos que fiz, deixava esse tema para fim para ver se as pessoas o esqueciam, porque o toquei centenas de vezes, mas as pessoas pediam-mo sempre e não era só em Portugal, em Angola e Moçambique e fui convidado a tocar em França e outros países por conta desse tema. Nesse mesmo EP eu tinha uma tema muito ligado aos blues, era cantado em inglês, teve uma boa aceitação nesse meio, mas que não chega aos calcanhares de “branco velho, tinto e jeropiga” o que me proporcionou e me marcou imenso. Esse tema apareceu porque quando fiz o contacto com a editora, a Valetim de Carvalho que era mais poderosa da época em Portugal, foi na altura da explosão da música rock portuguesa, do Rui Veloso, dos GNR e dos Já fumega, eu estava preparado para fazer música cabo-verdiana, da minha terra, que na altura estava pouco divulgada e fazia parte do contrato cantar em português, porque era a onda. A partir daí nasceu a canção e só para acrescentar que mais tarde houve outro disco que me marcou, convenci a editora a gravar temas de raíz cabo-verdiana e cantadas em crioulo, foi o meu primeiro LP, chamado “Lua vagabunda” e onde esta incluída uma morna muito antiga, da ilha da Boavista, “a lua nhá testemunha” e esse tema deu-me um prazer enorme e quando as pessoas não cabo-verdianas começaram a ouvir, começaram a cantar e aceitá-la também. Como também a “crioula de São Bento” que é um tema mais africano, que tem um tom brejeiro, na altura essa zona de Lisboa chamavámos de zona libertada por causa dos restaurantes e tascas cabo-verdianas e é um tema que também faz parte deste meu percurso.
Existe algum projecto musical em mente, ou que não terminou e gostaria de gravar?
DS: Há muita coisa por fazer ainda, eu tenho 68 anos, mas ainda posso fazer muito mais, desde que tenha saúde. Eu tenho um projecto que comecei em 2007, são temas que não compus, que não gravei, mas são músicas que eu adoro, são de outras pessoas, são duetos, comecei a gravá-los e como não tinha uma editora a apoiar-me, realizei uma produção própria, com custos económicos que suportei eu próprio e com o apoio dos músicos que participaram. O material musical uns a gravaram por amor e carinho, ou paguei um terço do que deveria pagar de direitos de autor e este disco acabei de completá-lo há dois anos, depois disso, como não consigo ter por detrás uma máquina de marketing esta na gaveta. Já contactei várias editoras, mas não chegámos a acordo, não por questões económicas, eu quero que o álbum seja bem tratado ao nível da produção e quanto mais não seja, por respeito as pessoas que participaram nesse trabalho, a maior parte tem uma carreira feita em Portugal com muito sacrifício e não queria que esse disco aparecesse maltratado, desde uma capa condigna, a uma produção a condizer e uma distribuição aceitável, no país todo e a lusofónia, mas ainda não consegui uma editora que aceitasse estes termos e por isso tenho-o na gaveta, vou ouvindo-o de vez em quando, à espera que surja uma oportunidade, ou um patrocinador.
Tem um título esse trabalho discográfico?
DS: Não tem, mas podia chamá-lo de canções da minha vida em torno disso, porque eu quero que as pessoas percebam que são os temas de que mais gosto e que tenho “raiva” de não ter sido eu a compo-los, porque são lindos.
Actualmente as pessoas valorizam mais a música cabo-verdiana precisamente pelo trabalho desenvolvido pelo Dany, pelo Tito Paris, a Cesária Évora e outros nomes.
DS: Antes de mim, o Tito Paris começou a gravar porque tinha uma editora própria e passou pelo Senegal antes de chegar a Paris, mas houve outras pessoas antes dele que passaram despercebidas, porque havia um gueto dígamos assim. Àquela zona de São Bento era frequentada por quem esteve em Cabo-Verde, ou quem tivesse vindo de Angola também para ouvir música, mas as editoras não se interessavam muito. Por isso, é que o Bana abriu um bar, no largo do Rato, frequentado por africanos em geral e com o dinheiro que ia ganhando ia fazendo os seus discos, com uma editora dele que fazia a distribuição caseira, por intermédio de amigos, através de caixotes que eram levados até França para vender na colónia de emigrantes cabo-verdianos, depois ia fazendo segundas edições, mas ele gravou muito mais trabalhos em crioulo e lá esta ele não teve a divulgação que merecia.
Mas, quando se fala de música cabo-verdiana em Portugal o seu nome é sempre lembrado.
DS: Sim, é verdade. Quando eu gravei o single com dois temas, eu não podia fazer um concerto com duas canções, então o que fazia? Cantava música cabo-verdiana primeiro e depois pelo meio cantava um dos temas, mais coladeiras e mornas e depois a face b. Aproveitando o êxito de “branco velho, tinto e Jeropiga” eu ia divulgando a música de Cabo-Verde. Foi isso que marcou muito as pessoas ao fazerem críticas aos meus concertos, isso acabou por associar o meu nome a dos divulgadores da música cabo-verdiana. A música de Angola ouvia-se pouco, só se ouvia falar do duo “ouro negro”, era basicamente isso, depois mais tarde, após o 25 de Abril aparece um grande poeta e compositor angolano o Rui Midas, que gravou, mas como estava ligado ao MPLA foi encaminhado para o governo e muito raramente cantava. Nos últimos 10 anos a música angolana aparece com mais força graças ao Kuduro e o Kizomba, eu penso que isto aparece por detrás da grande divulgação que a música cabo-verdiana teve, em particular com a Cesária Évora. Depois há um outro fenónemo muito importante para a música de Angola e Cabo-Verde que foi o aparecimento do Zouk, a música das Antilhas que cantavam em crioulo.
As novas gerações ainda reconhecem esse legado.
DS: Em Cabo-verde a juventude é muito virada para as raízes. Gostam dos ritmos estrangeiros como o reggae e hip-hop, mas compõem em crioulo, não dispensam a sua morna genuína, ou a sua coladeira.
Então a música cabo-verdiana esta de boa saúde e recomenda-se.
DS: Esta de boa saúde e recomenda-se cada vez mais e com muito boa gente a cantar.
E os músicos portugueses são sensíveis a este tipo de sonoridade africana?
DS: O Vitorino, há uns anos, fez um novo álbum e gravou com a Joana Rosa. Até fizemos uma tradução em crioulo, eu fiz um dueto com o Tito Paris e a geração que aprecia música tradicional portuguesa, como o fado, começaram também a interessar-se pela sonoridade cabo-verdiana.
É mais uma viagem pelas belas paisagens do arquipélago da Madeira.
As origens das Fajãs remontam ao cessar da actividade vulcânica da ilha. Em termos geológicos resultam do desmoronamento de terras situadas a montante, ao longo da costa marítima, que se desagregraram das vertentes da montanha, sem qualquer aviso, ou possivel previsibilidade, simplesmente acontecem e tanto podem criar tractos de terreno de maior ou menor extensão, como podem pura e simplesmente desaparecer por arrastamento das terras pelas marés. É um evento da natureza que pode provocar ondas gigantes, devido ao colapso das encostas e segundo relatos populares que já se viram confrontados com esses actos pungentes naturais parecem autênticos terramotos, tal é a força do impacto da queda das terras no oceano.
Na Madeira ao longo da costa existem vários destes terrenos que desde o início da colonização da ilha foram utilizados pela população pela elevada fertilidade da terra e fácil acesso pelo mar. A Fajã dos padres é um desses exemplos, situada na costa sul, trata-se de uma área de terreno no fundo de um grande rocha colonizada pelos jesuitas que nele produziam todo o tipo de frutas, vegetais e ainda foram responsáveis pela plantação de uma mais famosas castas de vinho Madeira, a malvasia.
Desde o século XV até ao XVIII os padres e mais 50 habitantes que lhe deviam obediência foram responsáveis pela exportação de milhares de barris de vinho por toda à Europa, uma história de sucesso que terminou abruptamente quando o Marquês de Pombal decidiu extinguir à Companhia de Jesus e expulsou os jesuitas de todo o reino de Portugal. No caso das Fajã dos Padres os terrenos que se extendiam até o Campanário foram vendidos em leilão e a propriedade foi fragmentada.
Nos nossos dias a fajã é considerada um dos segredos mais bem guardados da ilha, do topo da elevada encosta são ainda visíveis os vestigíos da passagem dos jesuitas por esta zona, a capela onde se rezava pela salvação das almas, a adega onde se espremiam as uvas e algumas habitações dos antigos colonos, que na actualidade são alugadas aos turistas e locais.
Aviso à navegação, uma visita à Fajã dos Padres é toda uma aventura, acreditem, para aceder ao elevador panorâmico com vista para o oceano, é necessário descer cerca de 92 escadas, depois é uma viagem de quatro minutos, ao longo de uma encosta de 300 metros de altura na vertical que é de tirar o fôlego e não falo apenas do mar azul infinito que desfila em frente do nosso olhar. Mas, a odisseia não termina aí, já que é necessário calcorrear mais noventa e duas passadas na saída. Prometo que vale a pena o esforço, porque somos logo brindados com uma paisagem cravejada de diferentes variedades de árvores de frutas tropicais, são mais de 25 espécies, que são um dos mais belos cartão-de-visita desta área e ainda podem provar o famoso vinho malvasia que é produzido em menor escala. É um recanto para descobrir com calma, onde parece que o tempo parou, quase que isolado do mundo, onde só se ouve o bater das ondas no calhau... Bem, nem tudo é assim tão paradisíaco, existe wi-fi, um bar, praia e tem também disponível um teleférico para a delicia dos visitantes.
A curta-metragem de Marco Espírito Santo e Miguel Coimbra, venceu o prémio de melhor documentário no Festival de Cinema de Tampere.
"Blood Brothers" acompanha uma noite na vida dos Forcados Amadores de Montemor. De regresso à mais importante arena do país pela primeira vez após a morte do seu líder, estes forcados terão de demonstrar que o seu espírito vencedor ainda vive entre eles.
O filme, que ainda não teve estreia em Portugal, já passou por festivais de cinema no México, França, Espanha, Reino Unido, Eslováquia, Itália, Países Baixos, Coreia, Lituânia e Rússia.
O prémio foi atribuído pelo júri da competição internacional composto por Lauris Ābele (Letónia), E.G. Bailey (EUA), Tatu Pohjavirta (Filândia), Alina Rudnitskaya(Rússia) e Enrico Vannucci (Itália).
O Festival de Cinema de Tampere, um dos festivais de cinema mais antigos e de maior prestígio a nível internacional, é, todos os anos, o ponto de encontro de profissionais da indústria cinematográfica. A 46ª edição do festival decorreu entre os dias 9 e 13 de março naquela cidade finlandesa.
Filmes da Agência premiados na Monstra
A Monstra atribuiu à curta-metragem "Estilhaços" de José Miguel Ribeiro o Prémio de Melhor Curta-Metragem Portuguesa, o Prémio do Público e uma Menção Honrosa. O festival de animação lisboeta atribuiu também a "Amélia & Duarte", de Alice Guimarães e Mónica Santos, o Prémio SPA | Vasco Granja de Melhor Filme Português.
Já a produção da Curtas Metragens CRL, "Nossa Senhora da Apresentação", realizada por Abi Feijó, Alice Guimarães, Daniela Duarte e Laura Gonçalves, e o filme "Within", de Natália de Azevedo Andrade, foram distinguidos com menções honrosas.
Os filmes integram o catálogo da Agência da Curta Metragem. Criada em 1999 pela Curtas Metragens CRL, entidade que realiza há mais de duas décadas o Curtas Vila do Conde, Festival Internacional de Cinema, a ACC assume um papel de extrema importância na projeção internacional das curtas-metragens portuguesas, quer através de ações de promoção em diversos festivais de cinema, quer através da organização de programas especiais retrospetivos ou de iniciativas como O dia mais curto. Atualmente, o catálogo da Agência da Curta Metragem integra quase 400 filmes, de autores emergentes e de conceituados realizadores portugueses.
Eduardo Bragança é um artista plástico auto-didacta que pinta com alma. As suas obras são um reflexo das emoções que inundam, das pequenas coisas que embelezam o mundo e das pessoas que conhece ao longo desse percurso que o levou até ao Brasil.
Estiveste ligado à moda e depois mudaste de rumo para as artes plásticas, porquê essa mudança?
Eduardo Bragança: Apesar da minha formação ser de design de moda, eu fui convidado logo no fim do curso para fazer parte de uma equipa de design de calçado português e aceitei o desafio apesar de estar quase a mudar radicalmente de área, porque ainda assim o mercado da moda em Portugal era demasiado competitivo para a dimensão e espaço que o país tinha. Avancei com esse projecto e estive dois anos a trabalhar em calçado, nas minhas primeiras visitas pelo país em feiras, em museus e pelo mundo em busca de inspiração para uma linguagem visual encontrei na pintura esse meio. Com o tempo tornei-me um auto-didacta e criei a minha expressão artística de que sempre gostei, na arte encontrei esse objectivo de uma forma muito mais desprendida, sem aquela necessidade, aquela busca e procura competitiva de um resultado. A pintura trouxe-me um resultado mais altruísta e muito mais digno, essa busca também resultou de um desgaste em relação a uma área que é um meio muito podre, de que se vive muito da competição e passado um tempo já não gostava tanto como idealizava o que seria o meu percurso na moda.
É então que decides sair desse universo?
EB:Não, depois com essa experiência profissional passei do criador para o criativo numa empresa também ligada a moda, mas mais na parte do audiovisual, publicidade e anúncios na tv. Durante 4 anos esse foi o meu percurso empresarial, em ruptura com a empresa surgiu o intuito de tornar a pintura em algo mais sério, os meus amigos empurraram-me e estimularam a ideia de mostrar os trabalhos que fazia na garagem. Na primeira exposição que fiz vendi alguns quadros, mas só na seguinte vendi todos e como continuei a ter sucesso comecei a mostrar os meus trabalhos uma, ou duas vezes por ano.
Vamos abordar as tuas obras, há várias fases no teu trabalho, na primeira pintas as tuas emoções, foi uma busca interior neste primeiro processo?
EB: Foi sim, foi uma fase de descoberta. Numa altura em que quase rompi com as minhas ligações profissionais para me dedicar exclusivamente à pintura, falar disso foi um vínculo muito forte, abordei os valores humanos, coisas que simbolizavam mais do que o trabalho expressavam a busca de entendimento e relação e de amor entre as pessoas. Durante todos estes anos em que me fui descobrindo enquanto pintor, também fiz o mesmo em relação às relações humanas, fui-me vinculando mais aos temas pessoais e humanos que estão sempre presentes em todos os meus trabalhos, através de frases, ou pequenos poemas.
Outra das tuas inspirações já numa fase mais posterior, provém do exterior, quando começaste a viajar, fizestes imensos retratos de pessoas e até realizaste um projecto de vídeo arte, que é o “exploring emotions”. Fala-me dessa obra e de como começaste a explorar o vídeo que era uma área que ainda não tinhas explorado.
EB: Bem, foi em 2011 que decidi que o meu trabalho teria um salto, já que comecei a vender para a Grécia e a ver mais resultados. Pensei que se me voltasse para o exterior o meu trabalho teria um volte face diferente, uma outra contra-partida e isso seria positivo, porque quando vendi minhas obras em Atenas tive um retorno interessante. A partir daí houve um apelo para explorar um projecto mais num contexto fora do meu país e que me fez repensar o que estava a fazer, o que deveria realizar enquanto criador. Seria uma alternativa diferente e então decidi juntar uma das ferramentas que já conhecia que era a filmagem para idealizar um projecto também muito emocional, ligando pessoas e registando-as em filme após responderem a uma simples pergunta, de forma a que todos esses indivíduos estivessem presentes de uma maneira bonita, ou real. O meu objectivo era trazer esse conteúdo de cada viagem, descortinar as respostas e conteúdos das muitas pessoas que respondiam à minha pergunta e depois retratar tudo isso, esses esboços num só trabalho por cada país. O processo foi aleatório quer na escolha da pessoas, quer no teor das perguntas, porque tudo foi feito por mim andando pelas ruas da cidade durante horas até escolher esse álguem e estabelecer um diálogo, estar cinco minutos ou duas horas e isso trouxe-me um grande enriquecimento pessoal e profissional.
Agora tens um novo projecto em vídeo?
EB: Estou a fazer uma curta-metragem com uma actriz portuguesa e outra não actriz, estou a acabar este pequeno filme, porque envolve várias pessoas de vários países, a banda sonora é de Caetano Veloso e os restantes estão em Londres. Estou neste projecto há quase dois anos e espero este ano ter tudo finalizado. Não tenho como intuito profissionalizar-me nesta área, apenas quero dar a conhecer uma história feita por várias pessoas.
Mas, esta é uma nova fase do teu trabalho, os vídeos artísticos? Deixaste de parte a pintura de parte ou nem por isso?
EB: Não de forma alguma. Desde 2012 que faço viagens e faço a divulgação do meu nome, de passar a mensagem de quem sou e o que faço, mas de uma forma desprendida sem ter uma galeria por detrás ou um agente. Conheci muita gente nesta deambulações, dei-me a conhecer e isso sem dúvida abriu-me muitas portas, de uma forma mais profissional. Fui até o Brasil onde tive muito sucesso e arranjei cá uma agente que me apresentou uma galeria que assinou comigo em Curitiba, dessa relação profissional de alguns anos acabei por me ligar-me a ela de forma pessoal, mudei a minha vida radicalmente e só agora estou a acabar o meu estúdio cá. Como tudo isso demorou muito tempo, fiz uma paragem na pintura, tive de trazer todo o meu material, é uma logística complicada de Portugal até o Brasil e fui nessa paragem que estive concentrado na curta-metragem. No entanto, continuei a pintar bastante, mas nem sempre exponho, porque felizmente não sinto essa necessidade de mostrar e vendo na mesma, são dois a três trabalhos por mês e isso é uma média muito exigente para um artista, practicamente anula a necessidade de expor em detrimento de ter de vender.
O que inspira estes novos trabalhos?
EB: O que me inspira é essa ligação diversificada com as pessoas, com relações de diferentes estilos e em diversos países conhecendo directamente o meu cliente em que não faço a abordagem típica do artista que esta ligado à galeria e deixa que esta faça todo esse contacto. Sou uma espécie de one man show, tenho arquitectos de diversos pontos do mundo a quem vendo o meu trabalho, também através da minha página profissional, tenho pessoas a solicitar trabalhos e dessa forma obtenho uma grande diversidade de relações e experiências muito boas enquanto pessoa e artista. Eu tenho uma capacidade muito grande de trabalho, possuo muita sensibilidade e bom gosto e com isso tudo consigo sempre produzir novas obras. Posso acrescentar que um dos meus clientes convidou-me para apresentar um projecto em Macau, é um fotógrafo de moda e convidou-me para fazer uma intervenção plástica no seu estúdio, num das paredes, eu aceitei e fui uma relação gratificante. Este tipo de estímulos à criação surgem nas viagens, conhecendo novas gentes e inspirando-me com coisas bastante simples, naquilo que sinto. Aliás, no projecto “exploring emotions” eu senti uma transição muito grande com a chegada da crise à Portugal não ao nível financeiro, mas ao nível emocional e isso levou-me às ruas e às pessoas de uma forma mais instropectiva, será que não é mais importante dar menos valor as coisas de que não precisámos, mas ao próximo? Eu fui batendo nessa tecla e o meu trabalho reflecte esse mesmo assunto, mostrando a relação de amor entre duas pessoas, ou de entreajuda ao próximo, ou uma relação de caridade, sempre em torno disto, acho que esse é o meu cunho pessoal e ando sempre em volta desta temática. Há também tanto do simples que me inspira e por mais horrores que veja nas notícias, crio algo que é o contrário do que é noticiado. Agora, o Brasil passa por uma crise forte, como entrou em Portugal e sente-se isso, mas a energia deste povo, a felicidade, o carnaval, a cor e forma como encaram tudo isto é também uma fonte de inspiração e isso tudo modificou à minha pintura. Desde que cá estou não mostrei nada, mas os meus trabalhos estão mais vivos fruto de uma vida mais colorida no Brasil (risos).
Esse então é o teu novo projecto mostrar essa fase mais colorida da tua pintura?
EB: Sim, mas eu não lido muito bem em mostrar estes trabalhos. Eu tenho um projecto que esta a ser exposto no museu de arte contemporânea de Curitiba, esta ligado a uma instituição de solidaridade social. As minhas obras que estão lá expostas foram imprimidas em t-shirts para serem vendidas de forma a obter fundos. Outra exposição irá ter lugar no museu Guido Viaro que me propôs um espaço para mostrar os meus trabalhos, mas esta por agendar, porque a data depende de mim. Tenho andando a vender muitos trabalhos em papel, porque me tem pedido muito isso, as telas requerem uma logística muito grande, depois há um outro problema nas obras em tela que é o transporte, encare muito ao ponto de ser quase o preço da obra.
Nestas tuas últimas obras há muitas frases em francês.
EB: Tenho muitos clientes de Paris e por norma acabo por escrever algo que muitas vezes ajuda a identicar esse meu cliente e não só, porque mais do que essa ligação que tenho com esses países, trata-se de uma forma poética de expressar aquilo que senti de uma forma mais bela e não tão plana que outras palavras teriam, porque não tem essa sonoridade. Já usei italiano, português e só me recuso a utilizar línguas nórdicas, porque não faria sentido. Tenho clientes suecos, mas as frases acima de tudo reflectem este meu lado poético, gosto de falar e expressar-me nessas línguas, aprecio essa exploração fonética e de ver esse resultado no fim.
A tese de doutoramento de Tânia Barros, defendida na Universidade de Aveiro (UA) comprava e explica geneticamente a origem da expansão desta espécie animal pela Península Ibérica.
A descoberta científica desta jovem cientista portuguesa mereceu destaque e foi capa do mais recente número da revista Mammalian Biology por ter comprovado através de um estudo genético a origem da expansão do sacarrabos, já que era do conhecimento público que esta espécie não foi trazida para a Península Ibérica pelos árabes.
A ocorrência de sacarrabos na zona norte do país e não apenas na região sul, como era comum há algumas décadas, tem vindo a suscitar a curiosidade dos investigadores de ecologia animal sobre esta espécie que existe em África, no Médio Oriente e que, na Europa, só existe na Península Ibérica. Nesse sentido, investigadores da UA procederam ao estudo da genética populacional do sacarrabos de forma a clarificar, em termos evolutivos, quais as consequências dessa expansão.
Já eram conhecidos estudos que mostravam a origem norte-africana do sacarrabos ibérico e que não seria possível a espécie existir apenas a partir do período da presença árabe. Mas o trabalho agora publicado na Mammalian Biology, que mereceu fotografia de capa e teve por base a tese de doutoramento de Tânia Barros, com orientação do docente e investigador Carlos Fonseca, permitiu relacionar os padrões genéticos da espécie com a sua expansão registada na Península Ibérica.
A cientista demonstrou que a recente expansão do sacarrabos moldou os próprios padrões genéticos da espécie em Portugal, revelando que a população do espécimen do sul apresenta uma maior diversidade genética, resultados estes que são consentâneos com a sua presença num tempo mais longo nessa zona de Portugal. A espécie permaneceu durante um largo período de tempo na região sul da Península Ibérica, o que permitiu o aparecimento de nova informação genética nessa população, levando ao aumento da diversidade. Contrariamente, as populações de sacarrabos amostradas nas áreas do centro e norte do país, que correspondem a áreas recentemente colonizadas pela espécie, apresentam uma menor diversidade genética, panorama consentâneo com o padrão da expansão conhecida desta população.
Travessia há dezenas de milhar de anos
Adicionalmente, os resultados provenientes das análises genéticas demonstraram que a dispersão da espécie para zonas do centro e norte do país ocorreu a partir de várias “subpopulações-fonte” distribuídas pelo sul do território nacional, levando os investigadores a concluírem que, provavelmente, existem várias rotas de expansão da espécie, através das quais o sacarrabos colonizou os territórios do centro e do norte do país.
Com base em estúdios anteriores este pequeno mamífero terá passado do norte de África para a Península Ibérica durante um período da história da Terra em que a distância entre os dois territórios e o nível da água o permitia. Mais concretamente, durante o Pleistoceno Médio e o Pleistoceno Superior, de 2,5 milhões a 11,5 mil anos atrás, em que se sucederam várias glaciações.
A expansão na Península, nomeadamente em Portugal, terá sido favorecida pelas alterações climáticas e pelo abandono da atividade agrícola em certas zonas, com a consequente expansão do matagal. A taxa de reprodução elevada e uma alimentação variada, embora se saiba que o coelho tem um papel importante na dieta, também contribuem para o alargamento do padrão de distribuição geográfica da espécie.
Trata-se uma viagem no tempo pelo bairro dos pescadores em Câmara de Lobos.
A vida num ilhéu era como estar numa ilha dentro da ilha. Estávamos rodeados por um mar de gente que não deixava espaço para o sonho, ou a poesia. O quotidiano era feito de palavras ríspidas, de gritos, de choros e de risos e onde se tentava, sem sucesso, esconder um pouco a nossa própria miséria das restantes 4,999 mil almas que coabitavam num espaço tão exíguo que não era apenas de um, era de todos. As casas encavalitadas umas nas outras não deixam margem para a privacidade, ouvia-se até mais tímido dos suspiros, o relinchar das portas ressequidas pelo sal anunciavam o apelo do mar salgado que levava os homens todos os dias à procura de pão para encher a boca. A vida aqui tinha sempre um sabor agridoce, o mar generoso dava com fatura, mas não poucas vezes tirava tudo também, muitos pescadores jazem em sepulturas não marcada na profundeza azul das águas e não debaixo de um manto verde bendito em terra, deixando para atrás hordas de crianças famitas. A aguardente também ceifava vidas uns diziam que o mal branco afastava a fome, outros o frio e outros ainda justificavam-se afirmando que ajudava a esquecer a maldição de se nascer miserável, tudo servia como desculpa para o imperdoável, gastar as parcas economias em algo que não era essencial.
As mulheres carregadas pela dor de imediato preenchiam o vazio com um buliço diário ininterrrupto e repetitivo que imprimia a ideia de aparente normalidade. A luta pela sobrevivência começava assim logo pela entrada da madrugada, umas partiam em busca das roupas das mais ricas para lavar e secar no calhau, enquanto as crianças mais pequenas brincam nas orla baia, outras vendiam o peixe conquistado ao mar na lota, as restantes mais afortunadas eram prendadas na costura, ou bordavam para ganhar uns trocos essenciais para os seus e da comunidade, porque o que era para de uma, era também de todas, ninguém estava só, ou abandonado, partilhava-se tudo, onde comiam uns, comiam muitos mais.
O único dia de descanso até para os pescadores era o Domingo, nesse dia escorriam pelas ruelas estreitas do ilhéu corpos cobertos de fatos negros e vestidos escoaçantes sarapintados de cor em passadas suaves, porque a maioria vinha descalço, uns seguravam os sapatos bem próximo de si para não os estragar na descida, outros partilhavam o par antes de entrar na igreja. Os dias de maior excitação geral era quando havia relatos da bola no único rádio existente naquele rochedo quase negro, uma das poucas pequenas moradias albergava o dito cujo objecto de culto que era colocado estrategicamente na janela para que todos pudessem ouvir, pequenos tufos de gente amontoavam-se por todo o lado silenciosamente para ouvir o radialista anunciar os lances de perigo que iriam determinar o destino do jogo. Os golos eram comemorados com grande algazarra, claro esta, dependendo do clube que marcava e passado a quase hora e noventa minutos de um chorrilho frenético futebolístico, as pessoas deixavam-se ficar mais um bocadinho para ouvir a seguir a grande senhora, a Amália.
A felicidade também tinha o seu lugar no ilhéu, as moças jovens casadoiras como tinham pouco ou nada para um dote e muito menos dinheiro para a boda aproveitavam as madrugadoras missas do parto para casar com um vestido de cor garrida que elas mesmas faziam, ou mandavam confeccionar na modista, assim celebrava-se não só a vinda do menino Jesus, como a vida de um novo casal para o mundo até que a morte os separa-se. As crianças eram logo bem-vindas, porque o padre dizia sempre na missa “crescei e reproduzei-vós” e como na verdade, não havia muito mais para se entreter, nascia-se no ilhéu. A existência dura, penosa e com muitas bocas para alimentar lançou muitos homens, ao igual que milhares de outros madeirense, para a emigração à procura de uma vida melhor e como rota de fuga ao ultramar. Os jovens mancebos menos afortunados eram mobilizados para a guerra colonial e na ilha dentro da ilha mais uma vez a rádio teve um papel crucial, religiosamente mães, avós, tias, esposas e filhas juntavam-se para ouvir a lista dos prisioneiros ou os cercados, como diziam, numa ânsia contida envolta em lágrimas por um nome e a sua respectiva graduação militar, quando nada acontecia nem era bom, nem era mau, era apenas um sinal que as preces tinham sido ouvidas. A revolução de Abril, na longíqua capital também chegou à Câmara de Lobos, através da mesmas ondas hertzianas, criando uma enorme comoção que levou que os ânimos exaltaram-se e a esquadra de polícia local foi local invadida, ouviram-se alguns tiros e houve um certo pânico, mas nada de mais grave a relatar e foi assim que a liberdade chegou a estas paragens, depois basicamente a vida continuou no ilhéu sem grandes sobressaltos.
A chegada da CEE é que mudou tudo no rochedo. O presidente do governo regional, o Alberto João Jardim, decidiu relocalizar as famílias para as novas habitações sociais construídas para o efeito, era a Madeira nova como lhe chamavam e o bairro dos pescadores foi demolido, no dia 22 de junho de 2004. Actualmente, no topo há um jardim onde se pode dar largas ao olhar e contemplar uma paisagem de cortar a respiração, onde se insere a Associação de Desenvolvimento Comunitário de Câmara de Lobos, segundo a coordenadora, Dina Rodriguês, as actividades desta instituição ao nível sobretudo dos jovens procuram “ter algumas oficinas a funcionar, às sextas-feiras e aos sábados, também temos o viva talentos que é um projecto que temos vindo a aperfeiçoar, através da oficina de vídeo e fotografia, porque a ideia é desenvolver uma curta-metragem. Nos períodos de férias e de interrupção escolar também usufruem das instalações, da mesa de pingo pong, da televisão, video e jogos. No entanto, é um público-alvo muito difícil de conquistar, é muito instável, árduo de trabalhar, mas tem um enorme potencial. Os adolescentes tem mais liberdade, mas não sabem o que querem fazer com ela e é complicado motivá-los, a ideia é criar um espaço atractivo para eles. Os seniors, por outro lado, usufruem do grupo de vozes, tem passeios, ginástica e dança é um centro ocupacional normal. O que tentámos implementar é uma vertente intergeracional, misturar toda a gente e temos obtido resultados positivos, embora ao início gerou alguma confusão. Ao longo do tempo houve utentes que ficaram cativados com este tipo de intervenção social, outros nem por isso, como em tudo, ganhámos e perdemos, é um trabalho ao longo-prazo”. E ainda mantém 60 habitações nas suas reentrâncias cinzentas, mas o que ficou lá gravado foi a minha memória e de muitos que lá nasceram e viveram e que retornaram para dar de caras com uma airosa e turística Câmara de Lobos.
O relato é baseado nos vários depoimentos de ex-moradoras do ilhéu, a Maria Ferreira, Odete Rodrigues e Inocência Pestana a quem agradeço enormemente e que foram de certa ficcionados, através de voz de um único narrador.
Karyna Gomes é uma das novas vozes da música de Guiné-Bissau. Seu primeiro álbum, chamado Mindjer, é dedicado a todas as mulheres do seu país e embora tenha essa identidade africana bastante vincada, através da percursão e da voz, é um disco recheado de sonoridades quentes de outras paragens que a influenciaram ao longo da sua vida.
Decidiste dedicar este trabalho discográfico às mulheres, mas há todo um universo muito feminino nas tuas músicas, na Guiné-Bissau, a música começa com as mulheres? Falaste de um instrumento, a tina e o porquê das mulheres o usarem.
Karyna Gomes: A mulher esta muito na música na Guiné, desde o contexto mais étnico digamos assim, o pré-colonial, como num contexto já mais mestiço, pós-colonial. Ela esta presente em tudo, lidera associações, toma conta dos filhos, da casa, esta na agricultura, na pesca, no governo e é o sustentáculo das famílias guinienses. Elas andam quilómetros à procura de água, para irem ao mercado vender, fazem milagres e é tão difícil da vida de uma mulher guiniense, porque a tradição ainda a penaliza muito, é considerada um ser inferior, que tem de baixar a cabeça e servir o homem. Isso faz com que estas mulheres sejam verdadeiras heroínas, porque socialmente ainda sofrem com problemas muito sérios. Eu costumo dizer que o governo de qualidade esta nos lares guinienses, a mulher é o melhor exemplo de governação, porque faz mil coisas ao mesmo tempo e bem.
Então porque só escolheste esta altura para lançar este teu primeiro disco? Eu sei que só agora encontraste a editora na qual te sentes reflectida.
KG: Porque eu fui para o Brasil para fazer um curso, em 1996, em comunicação social, sou jornalista de formação e durante esse período fiz parte de um grupo de gospel e comecei a cantar. Costumo dizer que foi tirar um curso e que Deus mostrou-me o meu verdadeiro caminho, só que não foi fácil, ao voltar para a Guiné-Bissau foi trabalhar como jornalista na RTP, estive em rádios comunitárias como radialista e formadora, pelo meio tive uma filha e isso tornou tudo mais complicado, deixar a minha criança para correr atrás do sonho. Para conseguir o disco que queria teria de sair do meu país, bater nas portas das editoras e conseguir alguém que acredita-se no meu talento. Mas, o que aconteceu não foi isso, tive que trabalhar, fiz parte de instituições importantes, como a Unicef, mas depois achei que tinha de deixar isto de parte, não para sempre, porque continuo a fazer alguma coisa, mas decidi seguir o meu sonho, porque pensei que quanto mais adiava, lá para frente ia arrepender-me. Durante o tempo em que não gravei, pesquisei muito sobre a história da música da Guiné-Bissau, dos seus instrumentos, eu fiz muita investigação, neste momento estou a fazer um mestrado e falta-me a tese. Acho que o disco chegou no momento certo em termos de maturidade, em que tenho uma ideia clara, eu demoro para perceber como as coisas devem ser e o que devo fazer, agora sei mais o que quero fazer.
Qual foi a linha condutora para este álbum para além dos instrumentos? Eu apercebi-me de uma influência da música cubana com essa fluídez enorme.
KG: O meu disco tem muita influência cubana e vou explicar porquê, teve uma revolução que foi fortemente apoiada pelos cubanos e muitos foram para a Guiné e com eles veio a música. Eu nasci dois anos após a independência, os meus pais tinham muitos amigos cubanos que levavam a sua música, partilhavámos conversa e sonoridades. Para além disso, sou sobrinha de um dos grande ícones da música guiniensa que é o Micas Cabral, dos Tabanca Jazz, ele esteve em Cuba a estudar e quando voltou trouxe muito do “buena vista social clube” na altura em que eles nem sequer eram conhecidos. Eu bebi muito dessa fonte cubana, foi algo maravilhoso, depois, por ter estudado no Brasil também tive muita influência da música brasileira, mas ouvi mais gospel, mas antes sequer de ir para lá eu já ouvia Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Roberto Carlos e outras tantas estrelas.
És muito eclética no teu gosto musical e isso acaba por ter influência na música que fazes?
KG: Sim, sempre. É subconsciente.
Mas, começa como?
KG: Depende. Há dois dias lembrei-me de uma música que veio do nada, na cozinha, que é o meu lugar favorito, porque gosto de cozinhar. E de repente, a arrumar e limpar, paro, porque veio-me a melodia e vejo uma música inteira. Também é resultado das muitas coisas que ouvi, por vezes, é só melodia e depois vem a letra, ou vice-versa e quando vou arranjar os temas verifico que há muita coisa, esse tema de que falei relembra muito o afro-mandinga que é o estilo que inspirou o blues e tem muito de soul, portanto, quando vou ver, as minhas músicas são muito fundidas, a música que faço vai ao soul, ao R&B, ao brasileiro e é muito afro-cubana. Depois de ter gravado o álbum é que foi percebendo o quão grande é a influência da música cubana na minha vida e foi muito do facto de ser o som da minha infância, quando somos criança é quando parece que as coisas nos influenciam mais.
Também apelidas a tua música de urbana.
KG: Sim, porque eu sou de Bissau, sou africana urbana e não só, eu ouviu muita música tradicional e étnica, mas sobretudo da década de 60 o que se fazia na Guiné-Bissau era o que nos chamámos de música moderna guiniense. Eu pego nisso tudo e acrescento mais coisas, é por isso que a crítica portuguesa chama a minha música de nova música da Guiné-Bissau, porque não é uma sonoridade em estado puro, há um formato que se enquadra nessa estética que aparece no final da década de 50 e início dos anos 60 e que vai ser consolidado na década de 70 e 80 e que agora se esta a perder um pouco. Eu pego nisso, entretanto viajei muito, ouvi também muito jazz, cantei com uma formação jazzística e é incrível como tudo fica na nossa cabeça e quando vamos compôr tudo vem naturalmente. Não gosto de nada forçado, se me pedem para fazer uma música é mecânico, não é espontâneo.
Então pode-se dizer que a tua música é de fusão?
KG: Sim é a típica música de fusão. É para todos os ouvidos, porque qualquer pessoa se identifica com alguma coisa nos meus temas, por exemplo, estive num festival em que havia uns cubanos, eu tinha um percurssionista nas congas muito forte e eles no público ficaram maravilhados, disseram até que como anunciaram uma cantora da Guiné-Bissau que iam ouvir música africana, tem muito disso, mas há muito de cubano, até porque foram os nossos irmãos da luta.
Tu estas a promover este disco, mas já estas a preparar um segundo trabalho?
KG: Sim. Acho que a pesquisa de 2005 que foi quando comecei até 2015 são dez anos que dava para três álbums e se eu quisesse podia gravar já um segundo disco e ficar só à espera da momento certo para o lançamento.
Qual seria a diferença entre um e outro, já que fazem parte da mesma pesquisa?
KG: A diferença é mínima, a única certeza é que no meu próximo álbum não terei tanta coisa, porque neste disco quis mostrar de onde saí, que tenho uma raíz urbana que é música de repercursão, voz e tina, tenho dois temas de música moderna, da década 60 e canções minhas resultado dessa fusão. O meu segundo trabalho discográfico vai ter mais temas meus, vai manter a raíz que é tocar a tina, cantar ao vivo e a voz e a percursão. Vou manter esta sonoridade, porque me deu muito trabalho criar uma identidade, posso gravar um tema mais antigo, mas com uma outra roupagem. Acho que não vai haver diferença, se calhar mais composições minhas para o próximo álbum, com a minha forma de cantar, de estar na música e interpretar clássicos que é sempre um grande desafio e às vezes não é fácil, ao contrário dos temas que componho que são mais fáceis de cantar.
Uma iniciativa provocatória que estará patente nos Paços do Concelho, Praça do Município, em Lisboa dias 11, das 18h às 21h, 12 e 13 de Março, das 14h às 21h30.
Ao todo 20 actores e actrizes e 11 estilistas portugueses foram desafiados pelo encenador e figurinista João Telmo a explorar a temática da identidade. O resultado é uma exposição que mais do que uma iniciativa para angariar fundos que revertem à favor da Abraço é mais um motivo para explorar a temática do género nas sociedades contemporâneas. Um conceito artístico exploratório que, ao meu ver, vai ao encontro de uma tendência que já tem vindo a ser explorada pela moda mundial nestas últimas estações. E porquê se tornou tão importante contestar as normas estabelecidas em relação ao que é considerado femenino e masculino? Porque o conceito identitário que decidiu que o cor-de-rosa é para menina e o azul bebé é para rapaz tem vindo a ser cada vez mais posto em causa pela própria sociedade que o criou. A leitura que que fazemos desses códigos levanta imensas questões e discussões sobre a discriminação sexual e de como a sexualidade não é uma realidade que deve ser representada como imutável. Não deixa de ser irónico que sejam as marcas as mais atentas a estes fenómenos sociais e que acabem por ser pioneiras em matéria de igualdade do género, desde a Selfridge, a Toy R' Us , a Reebok e mais recentemente Zara, todas apostam nas chamadas colecções neutras e devo dizer que nesta matéria há opiniões para todos os gostos. Do meu ponto de vista este questionar das regras sobre a sexualidade faz parte das sociedades em constante evolução e frequentemente é necessário desconstruir os conceitos-base quando o objectivo é mudar mentalidades, nada é estanque, porque como dizia Lavoisier na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma e isto concerteza parece ser um dos sinais de transformação social que se espera dignifique no futuro a igualdade do género.
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