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Bernardo, o renascentista

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Bernardo Nascimento escreveu, realizou e produziu um pequeno filme que reflecte as suas raízes insulares. North Atlantic é a singela história de dois homens que não se conhecem, eles próprios ilhas em si mesmos, isolados do mundo, com o oceano como único ponto de ligação. Um universo que versa as influências das suas origens e que venceu o seu 10º prémio, na categoria de curtas-metragens, no Funchal International Film Festival.

Este é o teu primeiro trabalho cinematográfico. Gostaria de saber se o ser ilhéu teve influência na escolha do tema?

Bernardo Nascimento: Teve toda a influência. O guião tem por base eventos reais a partir dos quais criei uma história. Li algo semelhante que se passou nos Açores - foi mais um dos muitos artigos que eu guardei a pensar que um dia daria um filme -  e a poesia do encontro entre aqueles dois homens seduziu-me. Na altura, até estava a trabalhar noutro guião mas descobri uma solução para filmar os planos do avião e isso entusiasmou-me. Fiquei a pensar nisso e mais tarde enquanto tocava guitarra sozinho decidi que o filme teria música, o que na história original não acontece. Portanto, foi uma notícia do jornal, a ideia da animação para os planos exteriores e o meu background como músico, ou seja, juntei estes elementos todos, depois fiz mais pesquisa, encontrando várias histórias semelhantes e usei elementos de várias tentando preservar a poesia do encontro. A intenção não foi documentar uma história concreta.

E onde encontrámos o factor ilha?

BN: Há uma identificação geográfica entre as personagens. Um é ilhéu e outro provém de uma vila piscatória na Escócia. Há um identidade geográfica em todos nós, que é em mim muito importante, não falo do aspecto socio-cultural, falo mesmo da nossa relação com a natureza, neste caso com o mar, que é difícil de explicar, inclusivamente a mim próprio. Esta história tinha esse aspecto que me seduzia, ecoava em mim. A história é sobre a solidão, o isolamento das personagens. Os homens enquanto ilhas eles próprios. É um paralelismo entre os isolamentos antropológico e o geográfico se quiseres. Tem a ver com as minhas raízes, e foi ainda a oportunidade de fazer um filme falado em português e inglês. Sempre fui “muito emigrante”, vivo em Londres há sete anos e foi lá que consegui meios para fazer este filme, pelo que foi interessante encontrar uma história entre um português e um escocês e que fosse bilingue.

Como é que se consegue por em marcha um projecto desta natureza?

BN: Quando tive a ideia da música, escrevi o script de um dia para outro. Foi muito rápido, depois concorri para um subsídio para guião em Londres, ganhei, recebi cerca de 3 mil euros, que é muito pouco dinheiro mas serviu como arranque…

A ideia inicial foi sempre ser uma curta-metragem?

BN: Sim, foi sempre esse o objectivo. Eu sabia que queria fazer uma curta-metragem, porque era mais controlável, mais barata e serviria como cartão da visita para uma longa-metragem, que é o que quero mesmo fazer. Consegui esse financiamento e com muita ajuda de amigos arrancámos para a produção. Trabalhei na área durante dez anos, como assistente de realização, mas este era o primeiro trabalho criativo que assinava. O meu objectivo, mais do que venda era a exposição nos festivais e depois a venda para televisão, video on-demand, seja o que for. Ambas as coisas tem corrido muito bem.

Tens de facto colhido um enorme sucesso nos festivais e já ganhastes prémios. Isso surpreendeu-te?

BN: Com franqueza não (risos). O filme tem nove prémios, no total de 36 festivais onde foi apresentado. Quando cheguei ao fim do filme, estava  satisfeito. Tem muitas limitações técnicas, e sabia  que com pouco mais tempo e dinheiro, teria nas mãos o filme que queria mas tivemos os problemas decorrentes de qualquer produção com  falta de meios. Mesmo assim, do ponto de vista narrativo e estético, estava bastante satisfeito com o resultado. Quando isso acontece, não esperava nada, mas estava optimista, porque o sou por natureza. Trabalhei muito até o acabar. Escrevi-o num dia, filmei-o num dia e meio mas depois demorei um ano e meio para acabá-lo.

Editar e adicionar a música?

BN: Sim, e diálogos adicionais, efeitos especiais, correcção de cor, etc. Isso levou muito tempo, mas significou que tive tempo para amadurecer a minha relação com o filme. Ainda sou muito crítico quando o vejo mas atendendo às circunstâncias que tivemos, fiquei satisfeito. Estava optimista e o sentimento cresceu quando o filme foi seleccionado para o London Film Festival. Foi a primeira vez que o exibi e logo numa sala com mil pessoas. Correu tão bem, que pensei: bom, o que queria passar passou. Depois os júris dos festivais podem gostar mais ou menos. É um filme muito simples, de alguma forma clássico, não tem grandes inovações, ou melhor, podia ter sido feito há dez, ou vinte anos atrás. É uma história contada de uma forma linear. Há festivais que não estão interessados nisso, querem temas mais actuais, politicamente relevantes ou querem filmes que tenham uma proposta estética mais arrojada, e isso eu percebo. Bom, mas começou bem, foi convidado para outros festivais, nomeadamente nos EUA, e esses foram um trampolim. Quando o filme foi escolhido para o festival de Tóquio senti que a escala era maior ainda, porque pelos vistos funcionava fora de um mercado anglófono.

Teria sido possível fazer este filme em Portugal?

BN: Penso que sim, estou seguro que sim. Mas em Londres há uma espécie de energia, muita gente a fazer coisas novas e essa atmosfera ajuda e motiva. Essa é a talvez a diferença entre cá e Londres. Espero fazer mais filmes, aqui ou na China e hei-de os fazer onde houver financiamento.

Vamos agora falar de outra faceta tua, o teu trabalho com dois grandes cineastas portugueses, José Fonseca e Costa e Manuel de Oliveira. Qual é a diferença mais marcantes, em termos de método, entre os dois?

BN: Para além do estilo e da mensagem dos seus filmes, no “fazer”, a grande diferença entre Fonseca e Costa e o Oliveira é que o primeiro investe mais no trabalho com os actores do que o segundo, Isto não significa que o trabalho de um seja melhor do que outro, são diferentes. É também verdade que  trabalhei para eles numa fase bastante inicial da minha carreira e tinha tudo para aprender. Vindo de um curso de História, aprendi muito com ambos mas não seria capaz de dizer que os meus objectivos como realizador sejam de alguma forma uma reflexão daquilo que aprendi com eles.

Quais foram os filmes em que participastes com o Fonseca e Costa e Oliveira respectivamente?

BN: O “Fascínio” foi uma adaptação de um romance de um escritor brasileiro, (Tabajara Ruas) e com o Oliveira, trabalhei no “V Império”, um filme sobre Dom Sebastião. Aprendi observando atentamente a técnica de ambos mas a verdade é que são estilos muito diferentes e não consigo, nem conseguirei nunca dizer como influenciaram a minha forma de fazer cinema. Eu falei muito com o Manuel sobre o tempo e o movimento dentro do objecto cinematográfico e talez por isso só mexa a câmara, faça um novo ângulo, quando exista um motivo muito forte. Mas este é um aspecto que pode vir a mudar. Por agora, não me identifico com uma linguagem com muitos ângulos de câmara, mas bom…depende muito do que estás a fazer e o que quero fazer agora tem um tempo relativamente lento e uns planos que não são forçosamente dinâmicos. O meu plano tem que enaltecer aquilo que a minha personagem está a fazer. Eu sinto necessidade de ter um controle muito grande sobre o filme, e a partir do momento em que ponho a câmara ali, só porque faz um plano “bonito” abre-se um precedente perigoso. Gosto de um cinema espartano, com pouca gordura., enxuto, esta lá aquilo que tem que estar, sem flores, não sei se me faço entender. Eu gostaria de conseguir fazer filmes com essa simplicidade.

Quais são as tuas referencias cinematográficas?

BN: Muitas. Se tiver mesmo de dizer algumas, o Malik, o Bergman, o Billy Wilder, o Kurosawa, todo realizadores porque quem nutro um enorme respeito, mas não há de maneira nenhuma um ou dois que sejam mais importantes.

Falámos destes projectos mas sei que tens outros em andamento.

BN: Este projecto abriu-me muitas portas, o que me permitiu escrever um guião para uma longa-metragem que quero fazer e entretanto surgiu um convite para realizar uma curta-metragem na Madeira. Correndo tudo bem venho cá filmar no próximo ano, enquanto o outro projecto está em preparação.

Qual é o tema que vais abordar desta vez?

BN: Não te posso dizer ou então teria que te matar e a entrevista não saía (risos). Mas posso adiantar que o mar volta a ser muito importante. Não será sobre o tecido social actual da ilha, porque não estou interessado em fazer um filme sobre isso, mas vai usar o drama da nossa paisagem e mais não digo. A longa-metragem passa-se numa pequena cidade escocesa perto do mar (outra vez!) onde também existem uns campos de golfe -não é tão diferente assim da Madeira- e é um ritual de passagem de quatro adolescentes na última semana de verão, antes de começarem a faculdade, ou a trabalhar. É um guião original de um escritor escocês, com quem estou agora a trabalhar.

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