
Ao princípio o Luís Ismael só sabia que queria fazer cinema. Depois engendrou uma história com quatro personagens surreais que ainda não sabem o que é a internet, ou os telemóveis. A partir, o que era para ser um pequeno filme, expandiu-se para os lados e tornou-se num fenómeno de bilheteira no nosso país. Onze anos depois e com uma terceira sequela final do “balas e bolinhos” prevista para o final do ano, este jovem realizador sente que parte da sua missão está cumprida, fez os portugueses rirem-se e irem até o cinema.
Quando estrearam o “balas e bolinhos” tiveste a noção que ia ser um sucesso?
Luís Ismael: Eu vou-te dizer uma coisa, quando fiz o balas1, o cinema português era residual, notava-se que o povo português não ligava a nada. Eu nunca tive a expectativa de fazer essa ligação. O que eu queria era fazer um filme. O “balas e bolinhos” foi essa experiência. Vamos lá ver se consigo fazer um filme com poucos recursos, ou quase nulos. Parti para a produção sem qualquer expectativa, nem sequer pensei em salas para o colocar. O que eu queria não era a barragem, mas ver a água a passar. E com o filme pronto, tentámos coloca-lo no Fantasporto, conseguimos e pensámos assim, pronto morreu aqui e acabou. Contudo, apareceu a oportunidade de mostra-lo na SIC Radical e aí notámos mais envolvimento. A internet permitiu-nos também ter mais feedback, mas nunca pensei que fosse atingir o sucesso que conseguiu e estar ao alcance das pessoas que o seguem e falam dele. Mas, fico satisfeito porque é um filme português, embora haja ainda quem considere o cinema em Portugal como sendo uma arte menor. Ainda é muito fácil “bater” no cinema nacional. Eu também tinha pena que não houvesse essa ligação com o público. O cinema inglês, italiano e americano têm heróis e eles que atraem os adolescentes ao cinema e criam o hábito de ver filmes. Cá não há um cinema informal, divertido. É sempre muito sério e quando aparecem comédias são poucas. Nesse âmbito o que me interessa é criar produtos que levem as pessoas até o cinema e mais tarde criar a apetência de ver qualquer filme mais dramático.
Após o sucesso do primeiro, decidistes iniciar a produção do “balas e bolinhos 2”, uma sequela do mesmo filme, algo que também nunca antes tinha sido feito em Portugal. Tomastes conhecimento disso na altura?
LI: Nós descobrimos isso quando o segundo estava praticamente pronto. Questionei-me na altura se de facto existia alguma sequela e verifiquei que não, com grande pena minha mais uma vez, em pleno século XXI ainda não existia nada no género no cinema português. O porquê de um segundo? Porque basicamente, nós os quatro queríamos repetir a experiência e estar todos juntos, mas teria que haver uma história engraçada. Lá a encontrámos e a partir daí começamos logo a filmar.
Nesta sequela houve uma diferença, a Lusomundo que se comprometeu a distribuir pelas várias salas de cinema nacional.
LI: Sim, mas antes disso, andámos cinco meses à procura de uma distribuidora. Começámos pelas empresas pequeninas. Pensámos que por ser um filme português, com uma linguagem dura, começávamos pelas pequenas distribuidoras porque tem mentes mais abertas. E foi precisamente o contrário. Estranhamente. Durante esse período houve até um desânimo geral, tínhamos a certeza de que não colocávamos o filme e foi a precisamente a Lusomundo que o decidiu distribuir. Foi um dos momentos mais inacreditáveis da minha vida profissional. Depois foi um fenómeno de público em apenas cinco salas, porque só havia cinco cópias e todo esse processo foi fantástico. Eu sempre achei que o balas era um filme divertido, sem preconceitos e totalmente louco e que não quer ser politicamente correcto. É um filme honesto, porque é assim que as pessoas falam e dá-mos aquilo que o público quer. Eu produzo, faço e depois o público é que decide. E esse é a missão do balas. O que é mau? Vamos fazer pior. Abanar um pouco as consciências. É preciso acrescentar que nós também não nós levámos muito à sério. Brincamos com a nossa portugalidade. Temos coisas boas, mas também más. É necessário brincar com esses conceitos, mas não deixa de ser uma comédia ligeira para as pessoas se divertirem.
Neste terceiro e último capítulo o que vais fazer de diferente? Têm que haver uma evolução, ou não?
LI: As pessoas notaram que do primeiro para o segundo o argumento era melhor. Vou fazer agora um curto parêntesis se me permites, o balas 1 era para ter sido uma curta-metragem. A ideia era uns amigos à volta de uma mesa a falar barbaridades. Só que gostei tanto das personagens que acabou crescendo para os lados. O que prometo no terceiro? Prometo, mais diversidade mais acção, mais aventura, mais loucura e acima de tudo um filme mais cinematográfico com mais personagens. Muitos mais cenários. É um filme que vem por um ponto final na saga. É quase como uma grande festa de despedida e esperámos que, as pessoas ao entrar para sala do cinema vão estar ali duas horas a dar umas gargalhadas. É também um agradecimento ao público que sempre nos apoiou e têm acreditado em nós e isto é muito importante, não nós esqueceram ao fim de sete anos. É isso que o “balas e bolinhos” é. Aquele grupo de pessoas que se juntam em grupo para assistir ao filme e divertir-se. Não algo para se ver sozinho, potencia a companhia.
Falemos do cinema português. Agora passados sete anos, achas que houve uma evolução, o aparecimento de jovens cineastas está a potenciar um fenómeno diferente?
LI: Existe algo que considero muito importante em relação aos novos cineastas tendo em consideração o público que é o benefício da dúvida. Se conseguimos conquistar esse espaço junto dos portugueses isso será excelente. Gostaria que chegasse ao ponto, de que quando estão na dúvida quanto à escolha do filme, prefiram a cinematografia nacional. Por norma, as pessoas não pensam muito e automaticamente rejeitam o nosso cinema. Se conseguirmos que o público experimente, ouse ver, poderemos assim conquistar essa confiança e só esse passo já é importante. Temos de ter histórias que reflictam o seu quotidiano. Falar como eles falam e deixar de caracterizar os portugueses como pessoas que comem ao pequeno-almoço croissants e tem laranjas na mesa. Costumo dizer na brincadeira quando vejo esse tipo de cenas, quem é a mente doente que se levanta às cinco da manhã para laminar fruta? Em que zona de Portugal alguém toma esses pequenos-almoços? Quero que haja essa ligação com o público. Que eles se revejam neles. Que riam, que chorem, mas em português. Já temos uma lição no nosso país, as telenovelas conquistaram esse espaço.
Recentemente o New York Times defendia que em Portugal se está a fazer um cinema inovador. Concordas com isso?
LI: Para inovar precisas de público e pessoas a investir nele. É nesse perspectiva que vejo tudo. Tu para teres uma indústria a trabalhar precisas de ter pessoas a pagar bilhetes. Eu não sou muito favorável ao subsídio-dependência, acho importante o governo ter programas de apoio ao cinema, mas não acho que deva ser o Estado a financiar os filmes. Se dão dinheiro a um cineasta, porque é que ele depois se vai preocupar com o público? Se está pago à partida para que me vou preocupar em ter pessoas na sala de cinema? Não há risco. As pessoas jogam pelo seguro. Se tem cem, gastam cem. E nessa perspectiva temos que acreditar que vêm aí uma nova geração de cineastas, não na perspectiva de que é bom, ou mau. O que é tem de ser diferente. Eu defenso isso há vários anos. Todo o tipo de cinema. Drama, romance, acção e comédia. Temos de alargar o nosso leque. Histórias em português sobre os portugueses. Fazer co-produções com o Brasil e com Angola. Criar filmes sobre a nossa história, temos tantos episódios épicos e não fazemos nada. Era giro fazer um filme sobre os descobrimentos. Nós quase não temos orgulho daquilo que somos e do que fizemos. Os americanos têm muito orgulho do seu país porquê? Eles exorcizam tudo através do cinema desde o inicio da conquista até os períodos mais negros da sua história como nação. Nós também poderíamos fazer isso.
Tens uma produtora, depois do balas que pensas fazer?
LI: Gostava de continuar a fazer cinema.
Mas, algo diferente?
LI: Sim, claro. E desta feita só como realizador. Só entrei como actor no balas, porque na altura não encontrei ninguém e dei digamos assim o corpo ao manifesto. Quero fazer outro tipo de coisas, com outro tipo de cenários que a mim me agrada. E sentir que com o balas deixo algo que fez as pessoas se rirem um bocadinho. O que mais me orgulha é que se eu desaparecer a minha filha de nove anos vai meter o DVD na televisão e vai rir-se das parvoíces do pai.
Gostastes da experiencia como actor?
LI: Sim, gostei muito. Vi o que era estar do outro lado. As limitações. Aprendi a respeitar o limite físico das pessoas, porque por norma eu empenho-me à exaustão. Realizar e actuar ao mesmo tempo levou-me a um quase um esgotamento e compreendi os meus limites físicos, que pensei que não só tinha. Precisei de fazer uma pausa e agora tenho uma outra perspectiva das coisas.