Abordando a tua actividade como crítico de cinema, tu apontas como um dos problemas do cinema português a escassez de promoção.
JVM: É um problema crónico do cinema português, embora agora esteja melhor, porque já existem produtores que tem esse tipo de preocupação. Mas, normalmente como os orçamentos dos filmes são muito baixos, esquecem-se sempre da rubrica de promoção, que é fundamental para que cheguem ao grande público.
Mas, esse é que o problema essencial?
JVM: Eu acho que há alguns estigmas em relação ao cinema português. Alguns realizadores criaram essa ideia de que o cinema português é aborrecido e maçador, que é feito por uma elite. Mas, não é verdade, há uma série de filmes que passam despercebidos para a grande maioria do espectadores e que pecam por falta de promoção dos produtores e da distribuição. Aliás são estes últimos que estão encarregues de faze-los chegar ao público e na maioria dos casos os filmes permanecem em sala apenas durante uma semana. O que eu falo sobre os filmes portugueses é que há pouca preocupação em relação aos aspectos gráficos e de imagem, os próprios trailers nem sempre são os mais adequados, não são feitos por pessoas especializadas em marketing e publicidade, muitas vezes são feitos pelo produtor ou pelo realizador e nem sempre são a melhor oferta e que chama muito à atenção do público.
Fala-se também que uma das grandes falhas do cinema português é a pouca consistência dos argumentos dos filmes, que motiva muitas das queixas.
JVM: Em parte tem alguma razão, costumo dizer que somos um país de poetas, não somos uma nação de contadores de histórias. Acho que já existem bons argumentos, há mesmo uma tentativa de criar uma escola de argumentistas, aliás já existe, principalmente na televisão. Existem boas histórias e contextos para conta-las no cinema português, mas esse é um dos estigmas que o público tem em relação ao cinema. Temos boa literatura e às vezes o cinema peca por não adaptar romances portugueses, alguns até contemporâneos.
A nova geração de cineastas portugueses tem procurado expressar-se através do cinema digital, em particular através de curtas-metragens, eles têm qualidade?
JVM: Há, tanto é assim que fiz um documentário sobre isso que se chama “geração curtas” que parte dessa premissa, que esta ligada ao festival de curtas de Vila do Conde, que este ano comemorou os seus vinte anos de edição. Existe uma geração de realizadores que ao contrário da anterior se lançou de cabeça para as curtas-metragens. O que acontecia antes na única escola de cinema do país, a escola superior de teatro e cinema do conservatório nacional, é que os finalistas faziam um percurso que era o mais convencional. Os alunos acabam os seus cursos nas diversas áreas e iam trabalhar como assistentes dos grandes realizadores que já estavam em produção, como se faziam poucos filmes portugueses, eles ficavam um pouco encalhados e não se desenvolviam. Creio que essa geração que são conhecidos e reconhecidos internacionalmente como o Miguel Gomes, ou o João Pedro Rodrigues criaram um núcleo, agora se calhar há mais do que uma geração. Se falarmos do João Salavisa já estamos a abordar outra estética e ele é dez anos mais novo. Digamos que eles criaram um tipo de progressão que abriu portas a outros caminhos, nomeadamente na longa-metragem.
O Instituto de Cinema e Audiovisual (ICA) é um obstáculo nesse percurso?
JVM: Não, é um organismo público que distribui financiamentos ao cinema.
Sim, mas existem muitas criticas dentro do sector que veiculam que o ICA esta sempre a financiar os mesmos.
JVM: Bom, isso é uma falsa questão. Há uma lei do cinema que tem as suas regras. Esses regulamentos obedecem a concursos para cada uma das áreas, desde as curtas-metragens, aos documentários, passando pelos realizadores consagrados. Essas decisões dependem de um colégio de jurados que são escolhidos, são pessoas honestas e sérias, que procuram fazer o seu trabalho o melhor possível em função do que lhes é exigido. O ICA é um mal necessário, tem de haver alguém numa instituição pública que vá gerindo esses apoios ao cinema.
São os mais jovens que se queixam mais.
JVM: Mas, os jovens são sempre os mais difíceis de lançar. Mas, existe um concurso de longas-metragens ao qual as pessoas podem concorrer sem produtor, de primeiras obras. Agora, é evidente que o dinheiro é pouco e não chega para todos. Daí que acho, no que diz respeito as curtas-metragens, que as pessoas têm de lançar-se para a guerrilha. Para fazer bons filmes é preciso dinheiro, mas se calhar é mais fácil do ponto de vista técnico, existem câmaras digitais e computadores, fazer cinema de guerrilha. Tem de lançar-se para frente, quanto mais fizerem mais portas se abrem, também existem mais festivais de cinema, há mais montras para mostrar esse trabalho.
O mal do cinema nacional passa pelo facto de ser subsidiado?
JVM: Eu acho que não, não temos nem mercado, nem indústria. Acho que o cinema e o audiovisual em Portugal pode e deve ser uma actividade rentável como todas as outras, porque é uma indústria criativa, não só do ponto de vista do desenvolvimento, como das receitas, ao nível do produto interno bruto como afirmam os economistas. Acho que é uma falsa questão dizer que para se ter o verdadeiro cinema português, ele tem necessariamente de ser apoiado, porque não temos mercado. Há um limite em termos de bilheteira no território nacional e do português em termos do mundo, inclusive no Brasil, porque os filmes portugueses não são entendidos lá, tem de ser legendados. Os países africanos, as ex-colónias, por outro lado, tem outras prioridades que não passam pelas artes e assim continuámos a viver num mercado limitado, qualquer filme que se faça partindo do princípio que os filmes tem uma produção própria e um orçamento, na melhor ou pior das hipóteses fica por volta dos 500 mil euros no mínimo, é impossível fazer um com menos dinheiro. O cinema é uma arte colectiva que precisa pagar muita gente, mas é possível fazer coisas, com os actuais meios digitais, projectos mais pequenos, mais experimentais, é necessário correr riscos e seguir em frente. É preciso dar a volta a crise.
Em relação a sua actividade como crítico de cinema é uma profissão em vias de extinção?
JVM: Como o jornalismo, eu digo isso, mas estou a brincar. Na verdade acho que estamos a procura de novos percursos e novos caminhos. Eu considero-me um produtor de conteúdos que vai desde a escrita até o audiovisual. Faço documentários para a RTP, como fiz a “geração curtas” e aí considero que é trabalho de jornalista. Agora, vai ter que ser em diversas plataformas como gosto de chamar, papel ou digital, ou no computador e o que vier por ai fora.
O jornalismo morreu então?
JVM: Não, se calhar o jornalismo da sua forma mais convencional vai deixar de existir. Vai aparecer outra profissão que é essa, produtor de conteúdos. Mas, eu costumo dizer que quando termos uma carteira profissional é como ser médico, é-se jornalista para toda a vida.
http://oglobo.globo.com/cultura/logo-apresenta-pai-que-a-crise-5541174