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Os sonhos de sofia

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Ela é uma cidadã do mundo que quase por acaso nasceu portuguesa. Escreve por um impulso interior que a levou a criar uma das curtas-metragens em competição no Funchal Internacional Film Festival’11. Sofia Caessa é também a mente por detrás do projecto little film academy. Venha daí conhece-la.

O que te levou a escolher o tema do “Should the wife confess”?

Sofia Caessa: Estava a trabalhar para uma revista, onde escrevia artigos sobre casais multi-culturais, eram pessoas que não conseguiam comunicar muito bem verbalmente. Tinham uma barreira linguística, conseguiam faze-lo de outra forma. Escolhiam a cidade de Bruxelas porque era território neutro e assim conseguiam uma forma de comunicar e de se entenderem. Eu sempre gostei muito de outras culturas e fiquei entusiasmada com essa ideia. Eu fui para esta cidade com o meu companheiro, dois portugueses nesta cidade, não é nada de invulgar. Comecei a pensar na comunicação entre duas pessoas, ela é baseada em quê? Na língua? Em comunicar e falar as mesmas palavras? Ou tem a ver com uma comunicação interior?

Mas no filme focas esse fosso cultural, essa diferença que os separa?

SC: Não isso fica em aberto. Nem se percebe, porque o personagem masculino, o marido, fala um pouco, mas não suficiente para se saber se são do mesmo país, da mesma cultura ou se são opostos. A ideia é que sendo do mesmo país, da mesma cultura, ou falando a mesma língua, se a comunicação interior não estiver presente, não há nada, não interessa usar as mesmas palavras, as mesmas expressões, se não houver essa ligação. Sem comunicação não há nada, foi daí que surgiu a ideia. Tenho a tendência de escrever coisas mais cómicas, mais irónicas. Esta curta tem esse vertente, um lado mais irónico.

Quando idealizastes este filme, o conceito era produzir uma curta-metragem?

SC: A ideia foi e talvez ainda seja fazer parte de uma trilogia sobre comunicação entre casais. Esta é a primeira, que é falta de comunicação. A segunda seria infidelidade e a terceira seria resignação. É a evolução de uma relação ao longo do tempo. Este primeiro filme tem um casal com 30 anos, o segundo seria de 50 anos e o terceiro seria de 70 aos 80 anos. Sigo o percurso cronológico dos casais. Essa seria a ideia e a intenção, mas quando não se tem financiamento, fica tudo em stand-by.

Achas que é essa a realidade do cinema actual português ou mais europeu?

SC: Eu não conheço muito bem a realidade em termos de financiamento para jovens cineastas. Sei como consegui produzir a minha curta. Eu quis faze-la. Era importante para mim levar o projecto em diante. Na altura estava a trabalhar para uma revista e entrevistei, o François Schuiten, ele desenha graphic novels, em português creio que se intitulam “ cidades obscuras”, foi falar com ele, porque renovou uma casa de Victor Horta, um arquitecto belga e transformou-a num museu, mas também numa espécie de casa cultura, com concertos, exposições, etc. A casa Autrique situa-se num bairro menos bom da cidade de Bruxelas, menos visitado pela comunidade internacional. Como a revista estava direccionada para esse tipo de público, eles queriam dar mais destaque a sítios que fossem interessantes e fora dos bairros mais populares e turísticos, onde as pessoas por norma circulam. Eu fui entrevista-lo e no final perguntei-lhe se eles aceitavam projectos. Ele disse que sim, bastava enviar o dossier e era avaliado. Na semana seguinte enviei os documentos a pedir que nos cedessem o espaço para as filmagens. Passados poucas semanas tivemos o aval para usufruir da casa. É um edifício lindíssimo, inspirado em art noveau ao nosso dispor. Não aproveitar isso seria crime. Na altura também estava em contacto com o director de fotografia e produtor, também ele português, que tinha muito equipamento. Ele precisava de uma longa-metragem escrita em inglês e assim fizemos uma troca de serviços. Eu e o Bernardo Camisão escrevemos um guião e ele em troca, cedeu-me o material e no final foi co-produtor.

No processo acabas sendo a actriz, como é que isso acontece?

SC: Não sei. O personagem masculino foi inspirado levemente num amigo meu de Bruxelas, ele é o Great Gatsby, mexe-se de uma forma elegante e achei que ele tinha de ser o actor do filme. Não tinha experiência nenhuma, mas eu entendi que ele tinha de dar vida a aquele personagem. Eu e o realizador achámos que fazia sentido. Como em Bruxelas não há muitos actores anglófonos, ficámos num dilema e o realizador achou que fazia sentido que eu fizesse parte do filme.

Bem, tu a conhecias melhor do que ninguém.

SC: Sim e eu já estava muito envolvida e foi um processo muito natural. Não foi uma escolha, foi acontecendo. Foi um processo muito orgânico. Só o rapaz faz de marido, porque tem de ser e eu faço de esposa. Não sei se fazer de mulher foi a melhor opção, eu estava muito envolvida com o filme.

Estiveste envolvida em todos os processos deste filme. Produzistes, escrevestes e actuastes, o que gostas mais de fazer?

SC: Gosto mais de escrever. Gosto de desenvolver personagens. Também gosto da parte de produção. De certa forma é criar. Não tem que ser um trabalho administrativo, é muito criativo, transformar um guião em algo palpável. São páginas e torna-las num filme. Acho que é bastante criativo, não encaro como uma actividade chata. É bom juntar as pessoas certas para um projecto. De facto, prefiro escrever, embora seja uma actividade bastante solitária e a produção envolve trabalhar em equipa. São duas áreas distintas.

E como actriz?

SC: Gosto bastante. Mas, não é de todo um objectivo meu, não é uma necessidade. Preciso mesmo de escrever em vez de representar.

Referistes que pretendes fazer a segunda e terceira parte deste projecto.

SC: Primeiro tenho que encontrar um novo realizador. Tentar procurar parcerias. Um produtor e financiamento, esses são os primeiros passos.

Quando escreves um guião pensas em português, ou na língua que vais escrever?

SC: Eu em geral escrevo em inglês. O que em Portugal é um problema.

Porquê?

SC: Porque deveria estar direccionada para a língua portuguesa e não estou. Em termos de diálogo escrevo em inglês.

Mas, tens algo em mãos neste momento?

SC: Ando escrevendo. Mas, nada que se adeqúe ao universo português, porque são textos muitos anglo-saxónicos. Com seis anos fui para Holanda e frequentei uma escola americana, onde aprendi a ler e escrever em inglês. Os meus amigos eram provenientes de outras culturas. Não sabia o que era ter um amigo português. O ser portuguesa. Em casa não havia muitas referências em termos culturais, não havia música, nem a comida portuguesa.

Então, como é que falas tão bem português?

SC: Voltámos para Portugal. Vivi em Lisboa durante dez anos e depois fui para os EUA estudar.

Sentes-te portuguesa?

SC: Durante muito tempo tive problemas de identidade. Perguntavam-me sempre, mas és de onde, eu dizia que vinha de Portugal. Sim, mas nasceste aonde? Lisboa. Então a tua mãe é de onde? Lisboa. Então deves ser do norte com esse sotaque. (risos) Eu acho que tem a ver com facto dos dois pais serem portugueses, cria uma certa confusão nas pessoas. Se a mãe, ou o pai fossem de outra nacionalidade fazia mais sentido. Mas, o problema é ter dois pais portugueses e esta rapariga não fala bem português? Não entende calão? E não percebia, ainda hoje há coisas que dizem que não entendo.

Em que contexto crias o little film academy?

SC: Também foi em Bruxelas. Comecei por dar formação em teatro e escrita. Depois criei uma em cinema com o Bernardo Camisão. Adoro trabalhar com crianças. Foi uma semana intensiva tínhamos quatro grupos, dos cinco anos aos14 anos, no final da semana elas foram-se embora e eu senti que foi pouco. Foi giro, fizeram o filme e eles gostaram. Foi um processo muito engraçado, mas não podia ser só assim. O trabalho que eles fizeram foi muito bom, consegui fazer isso com mais tempo e desenvolveu-se mesmo. Acho que é muito positivo para as crianças.

Cá tivestes muitas crianças?

SC: Sim, mas isso teve ver com a organização. Estive a implementar a mesma ideia em Lisboa e vamos ver como corre. Estou habituada a trabalhar com uma maior dinâmica, como em Bruxelas, em que se pega no telefone, peço para usar o espaço, vamos colaborar e fazer uma parceria? As coisas funcionam de uma forma mais célere.

Esbarrastes com a burocracia?

SC: Sim, em Lisboa tem que se falar com o supervisor, marcar uma reunião, isso desencoraja muito. Não me sinto segura para tomar uma atitude mais arrojada ao ponto de alugar um espaço, tenho que ir com calma e deixar as coisas acontecer. Não foi o caso do FIFF’11, foi fantástico o acolhimento da iniciativa. Foi mesmo muito produtivo.

http://shouldthewifeconfess.com/

http://www.littlefilmacademy.com/

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