Essa é a família directa, fora os que a chamam de tia e mãe, ao todo quantas pessoas ela ajudou a trazer ao mundo?
MJC: Toda a gente diz por volta das 300 a 400 pessoas. Ela era chamada sempre e no documentário ela diz que nenhum menino morreu, excepto uma criança que nasceu praticamente morta e ela mesmo assim vestiu o bebé e foi dá-lo à mãe.
Eles não acharam estranho que pessoas vindas de Portugal quisessem fazer um filme sobre a tia Paula?
MJC: Bastante gente perguntou, porque quisemos fazer um filme, vir até cá e vindos de tão longe e de um país tão distante. Outros diziam, vieram com a Bella, que queria muito que se fizesse um filme sobre a tia Paula, aliás, ela já tinha convidado uns italianos que a filmaram, mas nunca revelaram o filme e as pessoas ficaram muito aborrecidas. Nós fomos tratados como família, fomos até as suas casas e como era o São João, dançámos forro, foi tudo uma grande festa.
E para a Maria João o que ficou deste trabalho depois das filmagens e da edição?
MJC: Para mim foi uma honra conhecer uma pessoa tão habilidosa, tão cheia de vida, tão cantadeira, tão roçadeira como ela diz. É uma personagem que qualquer um de nós gostaria de conhecer. Ela é um símbolo de força de vida e energia, é inexplicável, com 102 anos. No filme ela canta, dança, reza, é uma pessoa encantadora, ao mesmo tempo, muito simples e muito sábia. Depois ela tem muito de Garcia Marquês, aquela ideia do inimaginável e imaginável, embora todos nós pensámos que o maravilhoso e o sobrenatural não existem, esta cá na terra. E nesta comunidade que é muito próxima de Salvador da Baía, porque o Brasil é muito grande, duas horas de estrada é muito perto, ainda existe a cana-de-açucar, o anánas, tem os Kilombos, os antigos refúgios dos escravos, que ainda hoje persistem com os descendentes dos escravos que fugiram dos senhores brancos.
Ela, a tia Paula, ainda hoje continua a fazer partos? Não?
MJC: Não, hoje as pessoas, ou os seus próprios filhos, todos se voluntariam para a tratar. Portanto, ela é uma senhora que já se levanta com dificuldade e tem de ser ajudada. Na semana que fomos até lá, um dos filhos mais novos, que tem 65 anos, a levantou, a lavou, vestiu, deu-lhe de comer e colocou-a num sofá junto de uma porta, sem porta, ou seja, só tem a cercadura e a tia Paula esta lá sentada, do lado direito tem algumas fotografias de família, do lado esquerdo tem uma série de imagens religiosas e à frente ela vê as pessoas que vão para roça e vai falando, vai trocando umas palavras e toda a gente vai chamando: Oh, tia Paula, como vai? Ela é uma pessoa que não esta sozinha. E dali do seu sofá, ela vê tudo.
Daí os sem anos de solidão. Ela nunca esteve só.
MJC: Exactamente. Este documentário da tia Paula foi o único que foi ao Festin (Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa).
Qual foi o feedback que receberam do filme?
MJC: No Festin gostaram muito. Entretanto, enviámos o documentário para a comunidade e a tia Paula foi a convidada de honra, recebemos fotografias dela a ver-se, foi o perfeito de Irará, o padre da localidade e toda a comunidade ficou muito orgulhosa, porque ninguém tinha feito um filme sobre eles. E curiosamente, nós quisemos levar um pouco de poesia ao filme e convidámos um amigo nosso, daqui de Paços de Arcos, brasileiro para entrar no filme. Portanto ele diz algumas palavras e fala da tia Paula como se a conhecesse e foi muito engraçado porque quando mostraram o filme na comunidade toda a gente se perguntou: Mas, quem é esse? Ele fala dela como se a conhecesse. (risos)