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Um regresso ao passado

Escrito por 

Hugo Reis nutre uma paixão pelos registos da ilha da Madeira. Possui uma colecção com 70 filmes que mostram o quotidiano dos ilhéus no século passado. Um espólio que pretende preservar e mostrar aos madeirenses.

Como surge está colecção?

Hugo Reis: Ninguém coleccionava filmes, eles estavam esquecidos. De imagens há muitas pessoas a coleccionar. Eu verifiquei, através da internet, que muitos particulares, alguns até comerciantes que tinham à venda este tipo de material, seja no ebay, seja em outros sites. E verifiquei que poderia adquirir estes filmes por quantias insignificantes, outros nem tanto, cheguei a pagar mil euros por cinco minutos de filme da Madeira, só para dar uma ideia. O facto que me levou a coleccionar filmes é por tratar-se de um tipo de registo de imagens em movimento da Madeira. Se tivermos em conta que a RTP Madeira só surgiu em 1972, para atrás não existe, o pouco que existe tem de ser preservado. Este tipo de filme degrada-se com facilidade se não for digitalizado para um suporte que o conserve, senão perde-se para sempre.

Digitalizou então todos os filmes que foi adquirindo ao longo do tempo?

HR: Todos não. Apenas 40% da colecção tenho ainda o restante por digitalizar. Tenho cerca de 70 filmes, entre celulóide, película e bobines. Muitas delas poderão até não ser exclusivamente imagens da Região, poderá ter Canárias e Marrocos, até porque eram registos feitos por turistas de passagem, alguns dos cruzeiros paravam cá e depois seguiam para outros destinos. É claro que filmavam um pouco a ilha e também os restantes locais. Ao adquirir estas imagens, tenho de comprar o filme todo, já que apenas uma secção é impossível devido a fragilidade e estado de degradação da própria fita. Esses filmes são rudimentares, alguns datam de 1920-30, tanto na parte de focagem como de exposição, não havia mecanismos automáticos, era tudo feito pelo operador da câmara. O processo de revelação era muito caro, também nessa altura. E muita pouca gente tinha acesso a esse tipo de equipamentos. Como deve imaginar as imagens da Madeira eram muito poucas e a maioria já se perdeu para sempre.

Porquê?

HR: Na maioria dos casos os herdeiros deitaram fora porque não tem qualquer interesse em ficar com eles, ou estavam já num tal estado de degradação que não tinham valor comercial.À partir do ano 1996, com o advento da internet, abriram-se várias portas que permitiram adquirir esses filmes, possibilitou que as pessoas em qualquer parte do mundo, em vez de os deitarem fora ponham à venda online. É claro, que o meu interesse é adquiri-los para os preservar e que outras pessoas os possam ver. Gerações de madeirenses que ainda não tinham sequer nascido.

Sempre teve esse interesse pelo coleccionismo?

HR: Eu colecciono tudo o que tem a ver com a Madeira, em termos de imagens. Também colecciono fotografias da ilha, deve ser a seguir dos Vicente’s, uma das maiores colecções particulares da Região. A maior parte das imagens são amadoras, ou seja, não provém de fotógrafos profissionais da altura, tipo Perestrelos, Camachos, etc. Isso quer dizer que eram tiradas por pessoas vulgares que passaram pela ilha. Se fossem deitadas para o lixo perdiam-se. Umas mostram o carro americano que existia naquele tempo e que pouca gente sabe que existiu. Não são as típicas fotografias de postais antigos que estamos habituados a ver. Vai mais além disso. O que me interessa é esse tipo de imagem amador, porque captam o que é mais significativo, são únicas. Se desaparecer, o negativo, ou o suporte selado, perderam-se para sempre.

 

 

Qual das imagens que adquiriu o surpreendeu mais?

HR: O que me interessa dessas imagens é ter cenas urbanas e rurais, os transportes e algumas tradições que já desapareceram. Carros antigos adoro isso. Há um excerto de meados dos anos 1950 com a piscina do Lido, é fantástico ver o antes, porque desde pequeno que frequento esse espaço e é interessante ver a evolução. É muito engraçado ver as caras e expressões das pessoas na altura, nunca se sabe, pode ser meu tio, meu avô ou até bisavô, acho isso emocionante. Da mesma forma que é interessante rever as tradições, aparecem os borracheiros, já ninguém transporta o vinho numa pele de cabra. Sei que se pode fazer uma encenação, mas isto era o nosso quotidiano há muitos anos atrás. Estou a falar de coisas reais e ver os nossos antepassados a trabalhar é fantástico. A cena da caça de baleia, não é que eu saiba a caça propriamente dita, mas tenho secções onde aparece um indivíduo a cortar a cabeça da baleia, é um pouco chocante, mas é a pura realidade a meados dos anos 80.

Como decorre o processo de preservação dos filmes?

HR: Os filmes têm de ser transportados para uma máquina apropriada que, a velocidades reduzidas vai digitalizando pouco a pouco. Aí podemos manipula-lo de diversas formas, corta-lo e edita-lo sem o danificar. Isso preocupa-me mais, tenho 60% da colecção que ainda esta por digitalizar, com cenas que devem ser muito interessantes, porque só consigo ver o inicio do filme, expondo o filme contra a luz e guardo. Por vezes adquiro filmes em caixas que têm uma etiqueta com a palavra Madeira e depois vêem-se a verificar que o interior não corresponde ao título, isso também já me aconteceu. A medida que o tempo passa, o filme vai-se degradando ainda mais, porque os químicos que foram aplicados vão reagindo entre si e oxidando, chegam a desintegrar-se com o tempo.

Alguma vez o contactaram no sentido de preservar essa colecção, ou vender?

HR: Nunca foi contactado. Mas, era interessante que uma instituição se interessa-se pelo assunto, na forma de apoio financeiro, para poder digitalizar o restante da colecção para ser mostrada ao público em geral. Eu já contactei algumas e nenhuma esteve interessada. Houve uma instituição que pretendia que fizesse a doação desse material, mas não me adiantaram mais. Eu não vou estar a adquirir filmes e depois nada se faz e este registo perde-se novamente e o meu esforço foi em vão. Tem de haver um tipo de apoio financeiro que me permita digitalizar o resto da colecção e eu prontifico-me a exibir os filmes gratuitamente à população. Tem de ser fazer alguma coisa, porque eu não disponho desses meios para digitalizar o resto da colecção, eu tenho enviado esses filmes para a Inglaterra, porque em Portugal é muito mais caro, repare são duzentos e cinquenta euros por minuto de filme. Existem outros meios mais económicos até caseiros de fazer essa transição, só que não tem qualidade.

Como se chegam a esses valores que transacciona por filme, por exemplo o mais caro?

HR: Trata-se de um filme de 1930, só tem no máximo 5 ou seis minutos, contudo, o resto era Marrocos. É uma raridade, não é usual nem sequer no ebay. O mais antigo que tenho é de 1924, é um filme de interessante, porque tem cenas urbanas da cidade do Funchal.

Alguns desses filmes têm som?

HR: Não, são todos mudos. O som que eu saiba aparece a partir dos anos 60. Só tenho filmes com banda sonora a partir dos anos 70, não há voz, nem sequer se pode dizer que é um documentário, era acompanhado por música de fundo. Eu tenho o cuidado de inserir som da própria época. Tive dificuldades em inserir nos filmes sons tipo gramofone, e que não tivesse direitos de autor. Consegui retirar alguns sons, nomeadamente da banda filarmónica da BBC, antes da primeira guerra mundial. Não vou escolher uma banda rock para um filme de 1927, temos de escolher uma banda sonora apropriada. A música também vai progredindo, acompanhando os tempos. A partir dos anos 60 a música é mais animada com maior qualidade. O som faz parte do conjunto de um regresso ao passado da nossa história. Na primeira sessão, com cerca de 100 pessoas, o mais curioso da reacção das pessoas foi levantaram-se ao mesmo tempo e aplaudirem, porque gostaram de ver esse regresso ao passado e rever a Madeira como era antigamente, apesar de ser um tipo de filme amador, com movimentos bruscos e certos planos com menos qualidade. E esses aplausos e esses elogios foram importantes. Continuo a coleccionar, mas já perdi alguns filmes para um coleccionador que vive no Canada, deve ser emigrante.

Em Canárias existe uma instituição, uma videoteca que diariamente procura na internet e através de outros meios, tipo feiras internacionais, vídeo, fotografia e filmes com imagens da ilha em diversos formatos, para a sua colecção. Eles têm um interesse enorme em conservar o que é deles. Na Madeira é o oposto, existem pessoas que não ligam nada. O madeirense só dá importância para aquilo que é novo. Eu já adquiri filmes de uma pessoa local que ia atira-los fora, e eu pedi-lhe que me oferece-se esse espólio. Um senhor sueco que vive em Canárias, esteve cá entre 1972-74, fez duas viagens com a família e filmou a estadia cá. São filmagens muito interessantes em super 8, captou zonas rurais, Porto Moniz, Calheta e Caniçal, localidades que raramente aparecem em imagens. Ele contactou-me através do meu website sobre fotografia para saber se eu queria receber duas bobines de filme sobre a Madeira. Eu respondi que sim e ele veio até a Região entregar-mas e até me ofereceu máquinas fotográficas e outros objectos antigos que também apreciei. Foi um gesto bonito. Quem me dera que as pessoas que tem filmes sobre a Madeira tivessem a mesma atitude. O problema esta aí era necessário uma entidade oficial que fizesse a recolha e preservação destes registos. O arquivo manifesta interesse neste tipo de imagens, mas fica à espera da doação, deviam fazer como em Canárias, procurar em todos os canais e meios disponíveis imagens, filmes e registos da ilha.

Vai continuar então a colecção?

HR: Vou continuar, mas depende do preço. Se atingirem valores elevados não posso e é aí que as entidades deviam intervir.

Como conserva se os filmes se com o tempo se vão deteriorando?

HR: Em casa tenho um desumidificador que retira a humidade. Estão bem protegidos de fontes de luz e calor, porque são três factores muito importantes. Também estão envolvidos num plásticos especial que os protegem dos insectos.

http://www.madeiraarchipelago.com/

http://www.fb.com/hugoreisphotography

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