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A flor das desertas

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Rosa Pires é uma das biólogas ao serviço da reserva natural das ilhas desertas. Um dos seus objectivos e dos seus colegas de serviço é monitorizar e acompanhar as diversas espécies que residem neste conjunto ilhas, com destaque para a freira do Bugio, as cagarras e o lobo-marinho e estuda ainda a sustentabilidade e evolução dos fundos marinhos.

Em que ano começou a trabalhar no parque natural das ilhas Desertas?

Rosa Pires: Comecei a trabalhar aqui em 1993, na altura vim fazer um estágio de final de curso na área de biologia marinha sobre o lobo-marinho.

Nessa altura a colónia de lobos-marinhos era muito pequena.

RP: Sim, a colónia já estava em recuperação, havia 5 anos de trabalho desenvolvido nesse campo, mas 1988 estava estimada entre 6 a 8 animais apenas. Neste momento tem vindo a reproduzir-se, há entre 1 a 3 nascimentos por ano, a população anda a volta dos 40 animais distribuídos entre a reserva das Desertas e a Madeira. Na ilha, já temos conhecimento de que se reproduzem também. Neste momento temos camaras que disparam de hora a hora e se houver lobos-marinhos apanha-os. Depois a partir dessas imagens tentámos identifica-los, ver que tipo de comportamento que tem entre si, se há crias e obtemos assim muita informação que nós vai ajudar a conhecer melhor o comportamento desta espécie.

Na zona de Santa Cruz verifica-se o aparecimento de um macho enorme assim como de outros espécimens em outras áreas da ilha. Os pescadores andam a queixar-se que os animais furam os covos

RP: Os pescadores não andam muito contentes com os lobos-marinhos por causa dos covos. É uma situação complicada, tudo bem estamos a preservar uma espécie, mas não podemos desprezar os pescadores. Aqui, o problema é que se há alguém que pode fazer a diferença não é o lobo-marinho, já que este é um animal selvagem, mas sim o homem. Se eu estou a pescar num sítio onde aparecem sistematicamente lobos-marinhos se calhar vou faze-lo num outro sitio para que os animais não se habituem a ir aos covos. Mas, nem todos os pescadores estão dispostos a mudar, porque dizem que aquela é a sua zona e não vão mudar.

Mas, não se poderia alterar os materiais usados na construção dos covos para evitar esse tipo de situações?

RP: Sim, eu sei por exemplo, que os covos, no Caniçal, têm um sistema que evita que os lobos-marinhos os possam rebentar e comer o peixe. Isto passa pela atitude do pescador e se pretende fazer esse investimento ou não. Se os pescadores viessem até nós no sentido de pedir apoio se calhar fazíamos um esforço nesse sentido, mas por vezes o que acontece é que há um conflito e a comunicação torna-se difícil. Há uns anos atrás contactámos os pescadores e oferecemos redes para repor a parte dos covos destruídos, mas os pescadores entenderam que em parte a situação era da nossa responsabilidade, quando não é assim. Nós podemos sensibilizar e apoiar até determinado ponto, mas a minha posição é tentar fazer a diferença, no entanto é complicado. Quando há conservação da natureza e o homem a ser prejudicado, tem de haver uma sensatez de ambas as partes, não do lobo-marinho, que é um ser irracional.

Mas, as suas funções não passam apenas pela conservação e monitorização desta espécie.

RP: As minhas funções abrangem não só a conservação do lobo-marinho da Madeira e estou ligada a área da parte mar do parque. Dou pareceres sobre a fauna marinha e tenho um trabalho na reserva que passa pela recepção de visitantes. No parque somos muito polivalentes, temos uma função, mas acabámos por fazer um pouco o trabalho de equipa.

Falando um pouco sobre o trabalho que tem desenvolvido no mar, referiu que há anos não havia quase peixes nenhuns e o panorama actual é diferente, porque a reserva tem um cariz muito especial.

RP: Esta reserva na minha perspectiva acabou por ser muito bem-feita, porque antes de ser estabelecida teve a preocupação de informar as pessoas que utilizavam esta área para pesca da necessidade de criar uma reserva e preparou os pescadores neste âmbito e quando se classificou estas ilhas há uma parte da área protegida onde ainda é permitido pesca. Antes pescavam com redes de emalhar que tinham um grande problema que era arrastava tudo, é tão fina que tudo o que vem a rede é peixe. Inclusive não tem a capacidade de fazer a selecção do peixe, por exemplo, as espécies de menor dimensão ficavam presas, não fazia essa selecção e usavam a bomba. Ou seja, agora os pescadores beneficiam deste espaço e foi possível passar a haver uma renovação dos stocks dos recursos piscícolas que antes estavam sob exploradas. Com a criação da reserva os pescadores puderem voltar a pescar de uma forma sustentada.

Actualmente os pescadores com licença têm redes especiais para evitar esse tipo de situações?

RP: As redes de emalhar foram proibidas no Arquipélago da Madeira, os pescadores que aqui vêm pescam a linha, os tunídeos são pescados de salto e vara e usa-se a rede apenas para capturar isco vivo, apanham muito peixe, mas são de menor dimensão, não permitem grandes capturas, apenas de peixes numa área localizada e não representam um problema muito grande para as espécies.

Tem-se falado muito, fruto do aquecimento global, do aparecimento de novas espécies nas águas do arquipélago. Verifica isso também nas Desertas?

RP: É assim, eu acho que não tem havido estudos continuados para podermos chegar a essa conclusão. Tem aparecido espécies que não são comuns, ou até o são, mas as pessoas não estavam habituadas a vê-las, estou a lembrar-me do exemplo das águas vivas na costa da Madeira, que quando apareceram as pessoas começaram a dizer que era derivado ao aquecimento global, mas não há estudos ou seguimentos que permitam chegar a essa conclusão. Se calhar havia episodicamente o aparecimento de grandes quantidades de águas vivas, mas não havia um registo. Nas Selvagens temos visto que há anos que aparece muito peixe, outros nem por isso, mas é difícil relacionar com o aquecimento global, poderá ser ou não.

Tem feito um levantamento sobre a fauna terrestre da reserva?

RP: O levantamento esta feito e temos identificado as espécies que existem aqui nas ilhas, normalmente quando faço acompanhamentos de grupos falo das que são mais representativas, nessas há uma monitorização nomeadamente as aves marinhas, como é o caso da Freira do Bugio, que faz ninho só numa zona onde a terra é mais fofa. Há um trabalho de monitorização que implica a visitação regular dos ninhos para ver se tem ovo, faz-se um acompanhamento do pinto que permite ver se as crias estão a crescer ou diminuir. Neste momento, os colegas detectaram que há menos juvenis do que em relação ao ano passado, mas em termos globais o crescimento ou não é algo que é normal. Há anos em que é muito e outros menos, é flutuante e não tem uma causa directa, se houver são naturais e só ao longo do tempo é que poderemos chegar a uma conclusão.

Depois temos as cagarras.

RP: As cagarras fazem ninhos em zonas onde hajam buracos, no meio da rocha e geralmente em áreas mais próximas do mar, ao contrário da Freira que faz ninho no topo do Bugio, aqui na doca toda esta zona esta coberta de ninhos de cagarra. As populações mantém-se estáveis.

Fala-se muito das tarântulas da Madeira, que ninguém as vê.

RP: É uma tarântula que ninguém vê, porque reside no topo da deserta grande que se chama o vale da Castanheira, e se quisermos ir lá tínhamos de caminhar cerca de 3 horas. É endémica da ilha grande, só vive mesmo ali. É venenosa, um dos guardas da natureza já foi picado por uma delas e ficou com o braço muito inchado, mas ele era pessoa jovem e resistente.

Poderá matar então?

RP: Sim, se a pessoa for mais frágil e que não chegue a tempo ao hospital poderá ter um efeito mais negativo. O que vale é que essas pessoas não conseguem chegar ao topo da montanha. No entanto, se fossemos ao Vale da Castanheira não veríamos esta tarântula, porque durante o dia elas ficam debaixo de pedras, tem hábitos nocturnos, só durante a noite é que saem para se alimentar e comem lagartixas e insectos.

Há um clima especial no topo que permite a proliferação da espécie?

RP: Nós pensámos que sim, há um microclima que é específico e faz com que se concentrem ali, fizeram uma estimativa e acho que rondam os 200 animais.

Em termos de flora, embora seja protegida verifico espécies que não deviam fazer parte da paisagem, como por exemplo, figueiras. São espécies que se desenvolveram à custa das pessoas, ou as sementes viajaram com o vento?

RP: Antes de ser reserva havia grupos de pessoas e pescadores que vinham aqui, vinham a terra e matavam as cagarras, havia também famílias que faziam piqueniques e tinham o hábito de plantar, no caso estas figueiras para fazer sombra. No caso desta árvore de fruto, felizmente como não é invasora deixámos ficar. No entanto, tivemos durante anos uma planta a qual tivemos de fazer a erradicação com o objectivo de criar espaço para as espécies mais importantes que aqui existem.

Outro trabalho de erradicação que se tem feito concerne as cabras, o isolamento geográfico não propiciou uma nova espécie em termos genéticos?

RP: Não houve tempo para isso, isso geralmente ocorre quando as condições são completamente diferentes daquelas que teriam na Madeira. Aqui são diferentes, mas não o suficiente e não houve tempo em termos de alterações genéticas. 500 anos não é muita coisa, teria de ter mais tempo.

Então tem mesmo de ser eliminadas deste ecossistema?

RP: Sim, porque elas comem tudo, como podemos ver este espaço em torno do edifício, a que chamávamos de jardim, podemos apreciar que em grande parte da vegetação restam talos e antes havia tufos de vegetação densa e bonita que foi desaparecendo.

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