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A mutante

Escrito por 

Rita Ribeiro é uma das actrizes mais consagradas do panorama nacional. É corajosa, destemida e ousada, a prova está na peça de teatro "Gisberta". Um novo desafio que confirma o seu grande talento e suas as múltiplas valências como actriz, com uma já longa e assinalável carreira no mundo do espectáculo.

Referiu em mais do que uma ocasião que dedicou muito da sua vida ao teatro e menos à sua vida privada, de alguma forma se arrepende de não ter acompanhado melhor a sua família?
Rita Ribeiro: Não, não estou nada arrependida.


Mas, em que esta fase espiritual contribui para a sua vida?
RR: É uma fase que já vem de há muito tempo. Tem quase 20 anos, desde os meus 40 anos de idade, eu já tenho 58, até porque a vida é espiritual e só tive uma tomada de consciência disso a partir de uma determinada altura da minha vida. Fui avó muito cedo, aos 39 anos e aí é que percebi que ainda há bocado era uma miúda, também perdi o meu pai nessa altura e tudo isso foi muito forte. Quando se perde um progenitor fica-se muito distante da infância, ao mesmo estava perto e era já avó. Isso foi muito marcante, não por ter pensado que perdi tempo, não foi isso, foi a vontade de recuperar esse mesmo tempo. Eu fazia teatro há vinte dois anos seguidos, todas as noites e gostava de ter tido mais filhos, de ter vivido mais. Quem faz teatro vive em torno disso, quase que se dorme e descansa para fazer teatro á noite. A vida torna-se diferente.


Por isso falei em arrependimento.
RR: Não, não há arrependimento. Eu gosto muito de viver, de repente pensei: já passou esse tempo todo e só fiz isto, não é arrependimento, é uma observação, é tomar consciência de... E aí tentei arrepiar caminho e tentei voltar ao princípio. Nessa altura, já trabalhava há mais de 20 anos com o Filipe La Féria, isso também fez parte dessa mudança na minha vida. Depois foi mãe, após ter sido avó e aí estive um ano sem fazer teatro. Dediquei-me a minha filha mais nova, porque eu tento que o teatro não seja uma paixão, mas é, não quero ser dependente dele, nem de nada. Gosto de ser uma pessoa livre e independente. Acho que as paixões criam dependência, por isso, por exemplo, este projecto para mim, deixa-me tempo para respirar, estou na Madeira 4 dias e depois vou para os Açores. Dá tempo para ter vida pessoal. Eu sou filha de actores, a minha mãe que ainda é viva, foi sempre dependente do teatro, a sua felicidade dependia se havia ou não um espectáculo. Isso deu-me um exemplo de vida muito grande, mas há mais coisas para além disso, por exemplo, a nossa vida pessoal e a própria vida tem muito mais coisas encantadoras para disfrutar, então isso fez-me acordar para outras realidades. Passei a ter outra percepção, mas não estou nada arrependida de ter feito nada do que fiz. Nada. Nada. Se calhar voltaria a fazer a mesma coisa, foi acima de tudo um processo de crescimento. É um caminho que se vai fazendo. Gosto de fazer itinerância, tenho alma de saltimbanco, de andar com a casa às costas, de fazer teatro aqui e ali, ver outras pessoas, outros sítios e outros públicos. Cada lugar tem características diferentes e isso ajuda-nos a abrir os horizontes.


Então em 40 anos de carreira no teatro, o que acha que mudou em Portugal, de positivo e negativo?
RR: Não consigo ver as coisas dessa forma, na minha maneira de viver, eu naturalizo muito as coisas, é o que é. Estamos a viver uma fase de transmutação ao nível humano, histórico e cultural, não é só Portugal. Somos todos seres humanos e temos de nos saber adaptar a esta maneira de viver. Se calhar é uma nova oportunidade que o mundo está a dar-nos neste momento, provavelmente é a ocasião de mudar de paradigma , de viver e partilhar as coisas. Eu sempre ouvi falar em crise desde que nasci. O teatro sempre esteve em crise, na minha casa sempre se falou disso, nada para mim é novo. Eu nunca tive subsídio de férias, ou de natal, ou fundo de desemprego, não me toca em relação ao que as pessoas se queixam. Sempre ousei na minha vida e voltei imensas vezes ao começo. Este espectáculo é uma prova disso sai da minha zona de conforto. Fui fazer uma peça com quinze minutos, no teatro rápido, em pequenas salas, onde quase estamos ao colo do público, depois de ter feito as maiores salas de espectáculo do país. Tive medo, todos temos, mas é inerente á vida, avancei e ganhei. Quando estávamos no teatro rápido eu e o Eduardo, foi uma parceria, não tivemos à noção da importância deste projecto. Não o tivemos na altura em que começámos ensaiar, erámos movidos por muita paixão, porque é apaixonante o tema, o texto é maravilhoso, porque consigo conciliar a minha função de actriz com a humanitária. Nesta peça sinto que não sou só actriz, como também acordo as consciências das pessoas para a sua humanidade. Isso é importantíssimo, não sinto que estou a fazer uma coisa leviana.

 

Vamos falar da "Gisberta", quais foram os desafios desta personagem?
RR: A minha visão é da minha mãe da Gisberta. O que estou a representar aqui tem a ver muito com o amor incondicional que se consegue ter e outras vezes não. Mas, se há amor incondicional é o amor de mãe, contudo há muitas mulheres que não conseguem tê-lo, por variadíssimos motivos, pelas pressões da sociedade, da educação, por causa dos preconceitos, pelo estigma e discriminação. Esta peça fala disso tudo, não fala só da "Gisberta" a transsexual que foi assassinada em 2006 no Porto, mas sim, de nós aceitarmos as pessoas com as suas diferenças, com as suas escolhas, mesmo sendo uma mãe. Fala-se de amor, dos relacionamentos, do tempo às vezes que perdemos na vida por não conseguir dizer que amamos as pessoas, mesmo sendo como são. É fundamentalmente sobre isso que a peça fala.

 


O desafio daquela mãe é tentar perceber aquele filho?
RR: Sim, tentar amá-lo, mesmo deixando de ser o menino dela. E isso é a vida toda. Ela arrepende-se por nunca ter conseguido tratá-lo por Gisberta.


É também uma chamada de atenção, uma mensagem universal?
RR: Sim, claro que é. Completamente. É uma mãe do mundo, não apenas da Gisberta, mas é qualquer mãe com um filho diferente. Também é um bocadinho honrar todas as Gisbertas do mundo.


A Rita Ribeiro sempre fez muito teatro, mas pouca televisão.
RR: Fiz muita televisão.


Mas, prefere sempre voltar aos palcos?
RR: Essa é o tipo de pergunta: qual é o filho que mais se gosta? Não há distinção. Adoro fazer televisão, porque a levo muito a sério.


Mas, recordo que na televisão aparecia sobretudo em peças de teatro e em algumas telenovelas.
RR: Sim, eu sempre fiz muita televisão. Nos últimos quinze anos fiz menos, porque em Portugal, mas não deve ser só aqui, os actores são muito rotulados. É actriz disto, ou aquilo, só faz comédia e musical, ou só faz revista e isso tem a ver com as discriminações que se fazem a todos os níveis. Este também é um grande desafio. Sonhei muito fazer este género de teatro, porque já estava cansada das pessoas me rotularem, um actor quando é actor é versátil, faz tudo, é só receber um papel e vestir a pele da personagem. Eu não gosto muito de rótulos.


Qual é mensagem que daria aos jovens que se querem lançar no teatro?
RR: Que sejam determinados nos seus sonhos. É como os índios, a que dançar até que chova, se for muito complicado e houver muitos obstáculos, provavelmente devem ser artistas de outra maneira, numa outra vertente. Eu dei aulas, tive uma escola de teatro, era um curso pós-laboral e havia pessoas de todas as idades, mas muitas vezes dizia aos meus alunos: não fiquem convencidos que vão ser todos actores. Contudo, há uma coisa que se aprende quando se esta no teatro é a ser melhor pessoa, é terapêutico e aprendemos muito sobre nós próprios. Acho que isso é a única coisa que andámos a fazer na vida a aprender algo sobre nós. O teatro é uma escola básica para a vida. Os seus princípios são os da vida: saber respirar, saber concentrar-se e saber descontrair.

 

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