
A Junta de Freguesia de Machico é actualmente um dos locais mas emblemáticos para o conhecimento da arqueologia da expansão em Portugal, pela sua riqueza em termos de espólio histórico que agora foi tornado a público, pelo descobrimento das ossadas de uma das primeiras povoadoras da ilha. Um achado de grande importância em termos de antropologia biológica, que nos é explicado, pelo biólogo do Centro Estudos Além Mar, Rafael Nunes. Afinal quem era esta mulher, apelidada de Ana D'Arfet?
Qual é a importância deste achado?
Rafael Nunes: É muito importante porque se acreditam que estes restos mortais mais antigos datados até o momento da Região Autónoma da Madeira. Pelos dados arqueológicos estes achados datam do século XV, que a par com uns vestígios também encontrados na rua da carreira, no Funchal, tornam-nos nos mais antigos, ou seja, remontam ao tempo dos descobridores da ilha. Poderá ser o indício de um primeiro povoamento proveniente do continente, a primeira geração.
Não confirma a lenda de Machim e de Ana D'Arfet?
RN: Não, a lenda surge no imaginário madeirense e é intrínseca na mente das populações de Machico, mas não passa disso, uma lenda. Não se pode especular que este seja um achado que confirme essa história, por dois motivos, alegadamente Ana D'Arfet foi sepultada em Machico e estes ossos não e supostamente os jovens amantes chegaram a ilha no século XII e estes vestígios são do século XV. Esta é apenas uma analogia a suposta dama que chegou primeiro a esta ilha.
Qual foi o seu contributo?
RN: Depois ter havido uma escavação onde foram encontrados dados arqueológicos tanto de animais como humanos, estivemos a preparar e estudar os vestígios que agora estão em exposição. Maioritariamente a fazer anatomia comparada, relacionámos as ossadas com o modelo anatómico e estudamos os fragmentos que ali estão, os tarsos, os metatarsos e as falanges.
E o maxilar?
RN: Sim, o maxilar e a mandibula são os vestígios mais importantes, porque dum fragmento tão pequeno conseguimos retirar a maior parte da informação possível. Nomeadamente, conseguimos determinar o sexo, através da sua morfologia conseguimos descortinar que era feminino, determinámos a idade, pelo desgaste do dente, aproximada de 35 anos idade. Conseguimos também determinar algumas doenças, a mais relevante é a hipoplasia do esmalte dentário, é uma doença que ocorre devido a uma carência nutritiva durante o desenvolvimento do dente, estes dados podem ajudar a compreender o seu estrato social. Uma pessoa que tem este tipo de desordem odontológico normalmente provém de um grupo socioeconómico mais baixo, mais pobre.
O fémur que tipo de informações pode veicular?
RN: Esta fractura poderá ter ocorrido por causa de um elemento externo ao osso, pode ter sido provocado pela queda de uma árvore, ou algo que o fracturou na altura em que já estava sepultado, debaixo da terra. Também se colocou a hipótese se terá acontecido na hora da morte, porque a fractura não esta regenerada.
É post-mortem?
RN: Poderá ser peri-mortem. Se tivesse sido causado pela árvore seria então post-mortem. Mas, poderemos pensar mediante os vestígios que foram encontrados num local extremamente pantanoso, lamacento, com pedras de grande dimensão que se trata de um aluvião. Pensámos que a senhora foi arrastada pela força da terra e da água e terá fracturado a perna na hora da morte.
Chegaram também a essa conclusão baseada no facto de não haver vestígios de um acto funerário?
RN: Sim, eu não estive presente na altura da escavação, mas pelos dados arqueológicos fornecidos, os vestígios não se encontravam numa posição que sugerissem um acto funerário, não estava numa posição fúnebre, portanto pudemos verificar que neste caso houve uma morte acidental e em última analogia houve um arrastamento devido a uma calamidade natural.