Foi para o Brasil com um convite para fazer um espectáculo.
GS: Foi para o Brasil em 2001, ia ficar por 3 meses e acabei por ficar 10 anos.
Porquê decidiu ficar tanto tempo?
GS: Fiquei porque não só gostaram da Guida, como eu também adorei a vida no Rio de Janeiro. Diga o que disserem do Brasil e dos brasileiros, isso é como os portugueses, há os bons e há os maus. Só não fiquei lá por causa da minha mãe, ela tem 93 anos e não queria dar-lhe o desgosto de ficar lá. Eu vinha todos os anos, no mês de Agosto. Ela chegou a ir lá cinco vezes, de dois em dois anos, no verão do Brasil, porque em Portugal era inverno, mas com a idade que tem já não aguenta mais as viagens. No ano passado teve um pequeno achaque, isso assustou-me muito e resolvi numa semana vir-me embora.
Notou alguma diferença ente o Portugal de 2001 e o actual, ano nível artístico?
GS: Ainda falando do Brasil, a vida lá é mais fácil, há menos dificuldades do que no nosso país. Eu costumo dizer: m… por m…, antes o Brasil que é quente. Eu gosto muito de calor e por isso resolvi lá viver tanto tempo. Eu fazia os meus espectáculos em português. Não se pode imitar os brasileiros.
Mas, eles dizem que não nos entendem.
GS: Percebem lindamente. Eu acho que a realidade cultural de Portugal não passa para o Brasil. Eles ainda vêem-nos como padeiros, merceeiros e carpinteiros. Nós, por outro lado, só vemos a realidade das favelas. Mas, entendem-nos perfeitamente. Eles usam muito o gerúndio e aí pode haver uma falha na comunicação. É como o dialecto dos Açores, do Minho e do Algarve, há expressões que os lisboetas não entendem. A realidade de ambos países, por culpa dos governos, nunca foi transmitida. Enviámos para lá os artistas de topo e cá vemos artistas como o Teló, que não é a realidade artística do Brasil. Em termos de teatro, eu devo dizer que só vi bons espectáculos em Londres, Nova Iorque e São Paulo. O melhor teatro do mundo esta nestas três cidades. O melhor em termos de língua portuguesa é em São Paulo, que é grande capital cultural do Brasil. Há de tudo, teatro experimental, musicais, etc. Vi grandes peças de teatro. Assisti uma montagem magnífica da tragédia de dona Inês de Castro, do autor, o judeu, António Manuel da Silva. Eu ia predisposto para desdenhar o espectáculo, pensei que atrevimento! Sai de lá envergonhado de mim próprio. Eles tinham uma produção esmagadora. No final, como eu era artista e eles sabiam, fui até aos camarins cumprimenta-los e realmente reparei que o guarda-roupa era sumptuoso. Eu perguntei onde tinham arranjado esses tecidos, eles disseram-me que o director de guarda-roupa veio até a Europa fazer uma busca de tecidos de época, levou as fotografias e uma fábrica brasileira confeccionou todos os tecidos para a peça. Isto é extremamente importante em termos culturais.
Eles conseguem ser autossustentáveis?
GS: Sim, tem sempre muito público e o teatro é enorme. A peça teve imenso sucesso no Rio de Janeiro que é uma cidade que não é muito cultural em termos de teatro. No Brasil, eles valorizam muito a cultura. Quer música, quer na representação, são espantosos e o público vai, essa é a grande vantagem. Perguntava-me a pouco o que notei em dez anos, achei que culturalmente estamos na miséria. Em Lisboa, há teatros a fechar sem público. Há actores sem trabalho a fazer workshops para sobreviver e o governo continua a fingir que esta atento, mas só deve estar preocupado com a tróica e mais nada.
Nos seus espectáculos notou isso? Ou o seu público voltou?
GS: Notei que estavam à minha espera. Durante uma semana os espectáculos esgotaram e estou a falar de plateias com quinhentos lugares. Reparei que o nome não foi esquecido, embora eu nunca tivesse pensado em voltar para Lisboa e só não consegui que a minha mãe lá ficasse, porque ela é portuguesa. Alguém tinha que dar o braço a torcer, só podia ser eu, mudei mesmo tudo para cá. O meu público não é dos vinte anos, é dos 45 anos e ou com mais idade, que tem poder de compra. Os jovens redescobrem um personagem que desconheciam. O meu travesti é diferente de todos os outros, porque foi o único actor que assumi verbalmente o dialogo com o espectador. A maior parte dos transformistas fazem playback. Em 1975/76/77 foi um modelo que resultou, mas depois esgotou. Eu escrevo minhas próprias rábulas e se não peço alguém para o fazer. Neste momento estou a ensaiar uma peça escrita por mim, que penso apresentar em Outubro ou Novembro.
Mas, é a Guida sozinha em palco?
GS: Não. Vou estar em palco com outro colega transformista. É a história de duas ex-amigas, com os seus problemas e o seu passado. Em princípio será no teatro Mário Viegas, ou no teatro Oeiras, mas estava mais inclinado para o primeiro espaço, cujo director de quem eu gosto muito, é madeirense, o Juvenal Garcês.