Em relação à sociedade tendo em conta a tua experiência, achas que houve uma evolução ou não?
IP: Houve uma evolução. Notámos teoricamente que as pessoas têm uma maior preocupação e consciencialização para as questões ambientais. Na prática há também uma evolução. Não tanto como a desejada. Quer da parte do cidadão comum, quer das entidades governamentais. Acho que existe muito trabalho por fazer. Creio mesmo que vamos regredir nesse sentido, devido as limitações económicas, as prioridades das pessoas vão ser novamente alteradas e as questões ambientais passarão a ser transitárias. Nomeadamente, deitando o lixo nas encostas. São situações que podem vir a ocorrer. Acredito que houve uma evolução neste tempo todo, mas acho que irá a haver uma regressão.
Após a tragédia de 20 de Fevereiro, achas que as pessoas aprenderam?
IP: Algumas aprenderam. A grande lição que deveríamos ter tirado desse acontecimento não foi retirado e basta ver a atitude das entidades governamentais que continuam a fazer asneiras e continuam autistas em relação aos pareceres técnicos dos ambientalistas e acho que os governantes nada aprenderam. No que concerne, a população em geral, acho que sim, alguns tiveram uma consciencialização da pior forma possível. Outros porque ficaram sensibilizados pelo sofrimento de pessoas que conheciam, e por isso terão mais cuidado em algumas situações. Mas, o grande passo terá de ser dado pelas instituições ligadas ao ordenamento do território e tal não acontece.
Ao encarar as montanha verificámos uma vasta desertificação, qual é o impacto em termos ambientais? Tendo em conta a orografia da ilha.
IP: A erosão das nossas serras e a retirada das árvores resultante dos incêndios florestais que ocorreram há dois anos foram extremamente graves, porque se ocorrer uma grande chuvada haverá o deslizamento de materiais. Ao nível de impacto ambiental, porque não existe uma floresta para segurar os solos, que ajude a fixar a água, há um desequilíbrio do habitat, da nossa biodiversidade e do clima. Como sabemos quando temos florestas as condições climáticas seguem um caminho, não havendo árvores o cenário é outro. Acho que mais vez que, é necessário dar um grande passo que é educar, que é praticar. Essencialmente no que diz respeito à vigilância dos fogos florestais, as entidades responsáveis tem de faze-lo e chamar também os cidadãos para essa tarefa, para que não ocorram mais incêndios na floresta que é tão importante para a retenção dos materiais e da água. O objectivo é que a encosta não sofra de uma erosão maior. Deveria haver também uma maior número de acções ambientais nas escolas, em que um grupo cada x semanas ia até a serra plantar árvores.
Mas, a Quercus fez alguma vez propostas nesse sentido?
IP: Sim, a associação já se manifestou junto das escolas nesse sentido. Não recentemente. O que se verifica é que as instituições cada vez se fecham mais e a Quercus nunca é ouvida. No continente, há uma visão e acção completamente diferente, em que as entidades chamam-nos para ajudar a resolver um conjunto de situações. Na ilha tudo funciona ao contrário, as entidades tendem a afastar-nos, não querem saber. Acho que com a ajuda dos técnicos que temos na associação podíamos ser uma mais-valia em termos ambientas.
Em termos de futuro, o que desejas para a Quercus nos próximos anos?
IP: Eu gostaria que a Quercus cresce-se em termos de voluntariado, nós temos uma equipa, mas não é tudo. Para além disso, gostaríamos que se iniciassem algumas soluções ambientais, nomeadamente para o aterro do Funchal, no que diz respeito ao ordenamento do território que continua a ser um desastre na Madeira, a reflorestação e a recolha selectiva para a qual estamos a reunir imensos esforços. No Funchal podemos dizer que se trabalha bem, nos concelhos mais rurais não é esse o caso. Nunca se encontram ecopontos em número suficiente e a recolha selectiva é deficitária. Nesse campo temos de batalhar mais para que seja alterada essa situação.
Achas que a legislação que concerne os planos directórios municipais deveria ser modificada? Porque conseguiu-se ao longo dos anos, alterar zonas de terrenos agrícolas para áreas com índices de construção.
IP: Eu acho que a lei deveria ser mais rigorosa, porque o enquadramento jurídico tem itens à parte que permite esse tipo de situações. A partir do momento em que se elabora um plano que foi a discussão e que se aprova, não deveria ser mexido até uma nova revisão. Mas, o que se verifica é o contrário e nesse campo a lei deveria ser mais implacável, por exemplo, aplicar coimas mais elevadas no sentido de demover quem não cumprisse com os planos directores, mas o que se vê é que as zonas naturais são asfixiadas com construções e inclusive os leitos das ribeiras são tapados.
Continuas então a defender a ideia de corredores verdes ao longo das ribeiras?
IP: O maior exemplo nesta matéria pode ser visto viajando por alguns países da Europa, para perceber que isso ocorre. As margens das ribeiras são respeitadas, estão desocupadas. Cá é tudo ao contrário, fazemos o máximo que podemos. Tapamos por cima, não respeitamos os leitos que a longo de décadas tem um fio de água, mas que necessitam de espaço de vez em quando, nisso a nossa história é flagrante, porque se as tivermos ocupadas isso trará diversos problemas. Eu costumo dar o exemplo dos nossos antepassados, se repararmos as construções das casas não ocorriam junto das ribeiras. Geralmente, construíam nas encostas. O que vemos actualmente é o oposto, devido a uma grande falta de planeamento estamos a encher as margens que deviam ser ocupadas apenas por espaços verdes.