
A comuna teatro de pesquisa está a comemorar os seus quase 40 anos de existência, o que os torna uma referência de peso no panorama do teatro nacional. Um trabalho em prol da cultura que tem dado a conhecer a dramaturgia portuguesa e internacional e contribuído decisivamente na formação de novos actores. Carlos Paulo, um dos fundadores e um dos motores desta companhia, fala sobre este percurso colectivo, a sua carreira e a nova peça actualmente em cena “ a controvérsia de Valladolid”.
O que tem sido estes quase 40 anos da Comuna?
Carlos Paulo: Foi um sonho na altura, porque nos criámos a Comuna para termos nas nossas mãos os nossos destino, fazermos o teatro que queríamos e gostávamos. Vivíamos no fascismo e tínhamos a censura. Quisemos fazer um coletivo de actores e a visão era criar novos públicos, criar dramaturgia portuguesa, internacional e em espaços novos. Ser também um grupo de itinerância. Conseguimos fazer tudo isso. Temos uma casa em Lisboa, com quatro salas, viajámos por todo o território nacional e já estivemos em 18 países do mundo inteiro. Outra componente do nosso trabalho é a formação de novos actores. Vemos esses artistas na televisão, posso falar do José Pedro Gomes, da Rita Salema e do Armindo Gonçalves que começaram todos na Comuna, foi a sua casa-mãe e para nós tudo isso é motivo de orgulho. É um espaço de crescimento, é como a casa dos pais, quando estamos prontos fazemó-nos à vida. E é assim que nos temos mantido, esta peça tem gente muito nova e outros mais antigos e a Comuna é isso mesmo, nunca é como há quarenta anos. Estamos disponíveis e atentos às mudanças para podermos responder. O teatro é isso.
Como actor e formador o que nota de diferente nestas novas gerações de novos artistas em relação a sua?
CP: Hoje o que é diferente, é que tudo é aparentemente mais fácil, mas apenas na aparência. A televisão criou um mercado que permite um mais fácil acesso aos actores, mas é falso, é descartável, utilizam-nos duas ou três vezes, depois são caras conhecidas, abandonam-nos, deixam-nos. Existe uma lacuna de formação básica, depois são miúdos com 17,18 anos que ficam encandeados, aparecem nas revistas e de repente aos vinte e poucos anos põem-nos de lado e eles não percebem nada. No nosso tempo, nos subíamos em escadinha, peça à peça, espectáculo à espectáculo, conquistando o nosso espaço e o nosso sítio. É aí que tenho pena deles, porque depois não há estruturas para os acompanhar nesse sentido, para criar novas companhias, novos grupos para aproveitar as experiências que eles já têm. Hoje, essencialmente no teatro, o que tem acontecido é vermos gente formada no conservatório, ou com formação básica, para não sofrerem este lado que chamo de descartável, que é muito fácil. Ganhasse muito menos do que no meu tempo. Eu deixei de fazer televisão há dez anos, porque acho que a qualidade baixou muito e que a exploração é muito grande. Prefiro o teatro, porque não engano ninguém, faço as peças de que gosto e de que não tenho vergonha. Mas, eu entendo que um jovem se sinta deslumbrado por este mundo, é uma forma de aparecer. Depois não há uma continuidade desse trabalho, bem pelo contrário. Depois vemos nas revistas, os casos terríveis de alguns.
Neste longo percurso o público português também mudou?
CP: Mudou. Antes havia um público muito fidelizado ao teatro, que foi desaparecendo. A televisão começou a ter muita força, os vídeos, o próprio cinema tem muita gente. Agora, há muito público novo no teatro, esta cheio de gente jovem, porque nos temos uma vantagem em relação a estes meios de que falei, é que não descartável na internet. Eles ou vêm ao espectáculo, ou não vêm. Pronto, o teatro tem isso, como a malta nova tem muita vontade de conhecer e aparecer, nos ao fim destes quarenta anos, a Comuna tem muito público jovem. Depois, vivemos num mundo com tanta tecnologia que eles ficam encantados com este contacto entre nós e eles. O estarmos juntos fechados numa sala, uma, ou duas horas todos juntos e isso é muito bonito. Acredito no futuro do teatro, porque tem a ver com o encontro. Nós estamos a viver uma época é que precisámos de nos descobrir, olhos nos olhos, conversar e falar.
Esta nova peça que está em cena, o que tem de particular, que faça esta interligação com a comemoração dos 40 anos da Comuna?
CP: A peça foi escolhida, porque é um grande texto. Nós sempre escolhemos tendo em consideração o que queremos dizer as pessoas neste momento? Nestes tempos da globalização e nestes últimos anos com o que tem acontecido no mundo, com uma guerra de religiões, de raças e esta peça “A controvérsia de Valladolid” é sobre um facto histórico, quando os espanhóis conquistaram as Américas e se deparam com uma raça nova que eram os índios. O Vaticano promoveu um encontro em Espanha, trazendo um casal de indígenas para demonstrar que eram pessoas como as outras. Portugal é um país de misturas, um país mulato, tem africanos, indianos, todo o tipo de gente e olhámos para o outro como? Onde começa o racismo? É ignóbil? É de pele? A peça é uma reflexão sobre isso, sobre o outro e a forma como encarámos a sua cultura. É muito forte e muito bonita e que era um tema muito bom para pensar.
O medo do desconhecido?
CP: Exactamente. Na colonização esqueceram-se disso, tudo o que é troca económica é encontro entre pessoas e com gente muito diversa. Estamos a falar da China e de como olhamos para esse outro. Compreendemos? É uma mera relação económica? Onde nos aceitámos? Quando nos abrimos? O teatro contribui com isso, para nos ajudar a reflectir.
Falando um pouco do seu percurso profissional, referiu anteriormente que deixou a televisão, mas não o cinema. Com frequência vejo o seu trabalho na grande tela.
CP: Mas lá está no cinema eu escolho as coisas que quero fazer. Tenho 3 filmes e fi-los porque falam de uma realidade próxima. Um deles foi sobre o Henrique Galvão. Vou fazer um sobre o Aristides de Sousa Mendes e um terceiro sobre o assassinato de Humberto Delgado, porque finalmente o cinema português esta a tratar de temas recentes, nossos, para compreendemo-nos hoje. As gerações mais novas aprendem que houve factos da história recente que ajudam a compreender, o porque se calhar de estamos a sofrer alguns desentendimentos, contrariedades e problemas. O cinema é uma janela e gosto muito de o fazer.
Afirma-se com frequência que o cinema português não é bom, porque os argumentos são fracos, concorda com esta afirmação?
CP: Depende, também existem filmes americanos maus. O problema com o cinema português é que é menos, isso torna-o mais visível e por isso é mais fácil apontar o dedo, mas existem filmes muito bons. Ainda há pouco tempo, um jovem cineasta português ganhou um prémio da crítica do festival internacional de cinema de Berlim. É preciso ter cuidado com esse tipo de afirmações, porque se um jovem ganha um prémio num certame tão exigente é porque o filme tem de ter qualidade. Não se pode misturar tudo, como a produção nacional é pequena, notam-se mais as fragilidades, é normal. Há muito filme mau. O cinema tem uma coisa que é vai-se ver uma longa-metragem muito má americana, sai-se de lá e pensa-se foi um barrete, mas depois vamos ver outra coisa. No cinema português criou-se essa imagem, mas não é verdade. Existem filmes bons e maus como é normal.
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