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As várias dimensões do contemporâneo

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Paulo David formula a arquitectura como um todo físico e pessoal que tem de ser alvo de contemplação e maturação. Um exercício por vezes difícil num mundo cada mais caótico, desumanizado e que se esquece do cerne de tudo, o homem na sua dimensão espacial e emocional.

É evidente a conotação das obras com as características geológicas da ilha, pelas grandes massas, pelos edifícios “fortaleza” moldados na rocha. No processo criativo de fazer arquitectura pode tornar-se um limite ou é sempre um desafio?

Paulo David: Pode ser uma coisa conjunta, isto é, pode ser uma limitação e simultaneamente um desafio que é o que torna o trabalho interessante e entusiasmante aliás. É uma condição com a qual temos que trabalhar como outra qualquer. Como temos que trabalhar com o suporte económico, como com o programa. A geologia é mais um combate a fazer que em alguns casos se torna uma forma de experiência e de motivação para realizar o próprio trabalho. Quase na génese do próprio edifício por vezes.

Disse-me que achava que o edifício da Casa das Mudas era hipócrita, porque não era feito em pedra, mas imitava…

Isso veio na sequencia de uma conversa de Souto Moura em que falava que o pai creio leccionava e que ensinava que a questão da hipocrisia. E tinha achado interessante o à vontade que é bastante conhecido no Eduardo e na forma de o fazer. Nestas palavras dele que, é bastante revelador e que desmancha muito os eventuais preconceitos que possam ter sobre o próprio arquitecto. Achei bastante entusiasmante. E que hoje em dia a arquitectura suporta muito essa questão da hipocrisia porque não constrói com a autenticidade com a relação tradicional que tínhamos sobre a matéria e sobre os materiais. E assume assim, alguns caso de placagens que é caso da Casa das Mudas, que não é pedra é um revestimento assumidamente com uma intenção textural e simultaneamente quase uma espécie de relação com a própria montanha e com o estriado das montanhas que de certa forma são humanizadas através das estruturas que os homens foram fazendo ao longo dos tempos, que é o caso dos socalcos. E aquelas estrias que o próprio desenho que a Casa das Mudas impõe é muito isso, é destas linhas que o nosso território tem nestas sequências de coreografias de linhas que são os socalcos que suportam estruturas agrícolas e edificadas que é o caso deste edifício. A pedra é mais um suporte no contexto.

Mas a arquitectura deve inserir-se totalmente na natureza é esse o objectivo final?

Neste caso foi. O Paulo Mendes da Rocha diz uma coisa que é a primeira das estruturas é a geografia. E aí começa logo a arquitectura. É onde começa essa relação sempre entre a natureza e o artifício. E tem sido essa a atitude exploratória do ateliê. Esta paisagem é intensa e temos uma relação com a natureza muito forte. Faço o exercício da contemplação desde muito pequeno. Eu tenho memória dos cinco, seis anos de visitar miradouros na ilha com os meus pais que me ensinaram desde muito cedo a contemplar. Levou-me a esta relação e este impacto com a natureza.

Quando aborda a sua arquitectura tendo em conta esse impacto e tendo que ter em consideração o que o cliente pretende como conjuga esses dois factores? O que eles pretendem e o que considera adequado para aquela orografia, para aquela zona e a sua dimensão.

É muito, muito raro. Tenho pouco controlo sobre isso. É muito raro que os clientes tenham um estudo profundo do programa. Á partida não há um investimento no programa. O que há é uma ideia do que se quer, daquilo que ser quer gastar, mas não há um aprofundamento. E isso vê-se de forma muito alargada em muitos dos casos, o não investimento no programa pode-se gerir. É curioso sentir que por vezes as obras são estimadas num determinado valor e depois tem um valor completamente oposto na sua conclusão. Uma das causas é essa ausência de investimento. As pessoas só se vão apercebendo, só vão maturando no programa após a obra estar concluída. O que torna por vezes difícil de responder com eficácia nos próprios edifícios. E o programa é uma componente da arquitectura e ela deve estar na preocupação dos arquitectos com um grande investimento, para além de outros efeitos. E a arquitectura transporta isso.

Actualmente no projecto que tem em mãos tem equacionado o impacto da felicidade num edifico. Trata-se de uma questão que nem sequer se aborda muito na arquitectura. Porque equaciona essa dimensão para um centro de apoio a terceira idade?

Foi de um livro que me comoveu muito que é do Valter Hugo Mãe que é a “máquina de fazer espanhóis” que aborda muito este tema. É o tema da felicidade e da terceira idade. É um tema fortíssimo e que espelha a nossa sociedade, como lidamos, como gerimos e como estamos disponíveis para gerir o prolongamento, a longevidade que as pessoas merecem ter. Ou daqueles que tiveram a felicidade de a ter. E como se desenha o nosso grande spectrum da coisa e como vamos fazer isso tudo embrulhados num pujar de legislação que é perfeitamente desconexa com a sociedade. E como vamos conseguir tudo isso entre as exigências funcionais que são entendíveis e compreensíveis, a legislação que é muito forte nesta matéria e as pessoas que vão lá viver. O ideal de um edifício desses seria o prolongamento da nossa continuidade com essas pessoas, com as da terceira idade. Possivelmente a nossa incapacidade de manter ou oferecer uns cuidados intensivos, ou à atenção desejada leva-nos a criar esses edifícios. Eles deviam ser um prolongamento do lar, da casa.

Mas, como isso se traduz em arquitectura? Uma área onde possam estar rodeados com os objectos do seu quotidiano é isso?

Exactamente. Para já poderem transportar as suas memórias e poderem estar familiarizadas com as espacialidades. É comum no nosso território que uma pessoa de idade hoje viva numa moradia. Eu vou transportar alguém de uma moradia para um edifício de dois a quatro pisos e com elevador, com rampas e com escadas que é tudo o que ela não fez. E como vou contrariar tudo isso? As exigências programáticas, a legislação e o estar a habitar. Portanto, para que ela não pense, e foi curiosa a visita que fizemos a um lar, uma dessas senhoras disse que isto é uma cadeia. A cadeia neste caso, é um distanciamento de tudo o que lhe era familiar e não propriamente do edifício onde se sente fisicamente prisioneira, do prédio e do próprio sistema de cuidados que ela paga, mas que perdeu no fundo. Como é que o arquitecto tem de desenhar isto? Estou mais preocupado com estas relações, nestas tais naturezas. No fundo é uma continuação de naturezas, o que me interessa é a continuação de paisagens físicas, pessoais e como as podemos desenhar. O arquitecto é cada vez mais assim, e a crise esta a ensinar-nos isto. Os arquitectos optaram por exercícios de grande exuberância e envergadura nos edifícios e estes facilmente distanciaram-se das pessoas, do homem. Há um espírito que o homem tem que retomar que é desenhar para o homem e como é que ele é hoje? E como vai ser o homem do amanhã? É também este um dos desafios da arquitectura.

E essa visão aplica-se ao nível nacional?

Sim. E vou falar do Japão, hoje a arquitectura que se prática neste país foi pelas fortíssimas correntes de crises económicas que o país teve. O Japão é hoje um teatro de experiências intenso devido a crise e as doutrinas que foram quebradas. E daí surgiu a maior liberdade possível no espaço físico.

Então concorda com a declaração de Souto Moura relativamente ao desaparecimento dos grandes nomes na arquitectura?

Eu penso que essa procura de uma arquitectura espectáculo que tem algumas dificuldades em investi-la penso que são deslocadas face a nossa situação económica.

Mas, esta a falar do caso de Portugal ou ao nível mundial?

Não, não mundial. Acho que Portugal não esta sozinho neste processo de atravessamento de repensar a sua estrutura e o seu modelo económico. A Europa toda. E alguns países não podem cair nesse sistema. É possível estruturar-se e repensar-se, possivelmente irão quebrar-se memórias. Como caíram no Japão, a sua estrutura física não é feita por uma memória evidente, por uma identidade. Ela é muito curta tem a ver com a nossa reflexão do ocidente e as relações efémeras. E com uma capacidade de transformação e de mudança muito grande, muito tolerante e visível. Isso torna-a bastante interessante.

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