Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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Borges, o pensador

Escrito por  yvette vieira fts Bárbara Fernandes

Paulo Borges é ensaísta e escritor tendo publicado diversos textos e livros sobre a espiritualidade, ética e religião, entre outros temas. É também professor no Departamento de Filosofia e investigador do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Preside o Círculo do Entre-Ser, é membro da Direcção da Associação Agostinho da Silva e da União Budista Portuguesa.

Vivemos num mundo cada vez mais laico, ou que professam outras religiões, mas apesar de tudo, ainda há espaço para os movimentos radicais. Como é que tal acontece?
Paulo Borges: Eu penso que é uma reacção à cultura laica, quando esta se torna agressiva o fenómeno religioso é natural que acabe por suscitar reacções também mais radicais, que é o que acontece nas sociedades contemporâneas. Este é um mundo que relativiza muito os valores, que recusa muitas vezes a espiritualidade, que é uma sociedade bastante materialista, isso acaba com gerar dois tipos de fenómenos, por um lado, uma grande inquietação espiritual nas sociedades contemporâneas, que procuram muitas vezes essa espiritualidades livre de dogmas e de doutrinas religiosas. Por outro lado, por parte de algumas culturas religiosas mais tradicionais, cria pessoas com tendências mais fundamentalistas, onde também há um fenómeno de agressividade e violência contra o mundo laico, que é o acontece com o fundamentalismo islâmico, que se auto-justifica, embora para mim não haja qualquer tipo de justificação, como estando a combater o mundo afastado de Deus e dos valores fundamentais.

Então, como se justifica que haja pessoas, e actualmente fala-se do movimento jihadista, que provém deste mundo laico, do ocidente, de uma cultura cristã, mas que aderem a esses movimentos radicais, quando antes nem sequer professam qualquer religião?
PB: Eu acho que é uma busca desesperada de um sentido para a vida, porque as pessoas hoje em dia tem uma existência despejadas de sentido. As sociedades ocidentais contemporâneas estão orientadas para produzir e consumir e não há mais nada que dê sentido as suas vidas. São vazias. Nota-se muito que há indivíduos que necessitam desesperadamente de encontrar um sentido superior para a sua vida e às vezes agarram-se a soluções radicais, fundamentalistas. Há outros que se tornam adeptos fanáticos de um clube de futebol, assim como, existem outros ainda que se tornam fanáticos religiosos. É como se agarrassem a uma tábua de salvação que lhes desse algum sentido nesse objectivo a atingir. É assim que explico. É um problema psicológico que tem a ver com as nossas sociedades produzirem pessoas muito desenraízadas, muito isoladas e o islamismo, o fundamentalismo islâmico, é uma reacção contra esse extremo de individualismo da sociedade contemporânea. No fundo é uma religião que vem com um sentido de comunidade, unifica as pessoas com o mesmo objectivo religioso e isso dá muita força as pessoas, também pode não ser é muito esclarecido, que é o que eu acho.

Então, como é que se combate de uma força deliberada esse sentido de isolamento e ao mesmo tempo o materialismo, que se verifica actualmente nas sociedades ocidentais. Como é que se pode encontrar o equilíbrio?
PB: Temos de encontrar uma nova espiritualidade, que proponho no meu trabalho. Mas, obviamente tem de ser transversal a todos os que sejam crentes e menos crentes, seja qual for a religião que tiverem, tem de ser uma espiritualidade livre de dogmas e doutrinas, é uma busca interior como proponho na meditação. Em vez de procurar uma solução, numa verdade que vem de fora busquem essa verdade, essa paz, dentro de si, através de um voltar à atenção para nós, com técnicas de relaxamento e descontração. Devemos descobrir na meditação, aquilo que andámos à procura fora. Essa é a solução para esta crise nesta civilização em que vivemos, porque essa espiritualidade nos pode fazer um sentido de conexão com os outros, com outros seres vivos, com a natureza, como num todo. A crise ambiental e a ecológica mostra isso mesmo, a humanidade centrou-se em si mesma, considera que é dona e senhora do mundo, que os recursos naturais existem para serem explorados, contudo não podem durar para sempre e temos relatórios científicos que apontam que estamos à beira de um colapso ecológico e social, devido a crescente diferença entre pobres e ricos, entre o norte e sul e a devastação dos recursos naturais. Se não descobrirmos uma espiritualidade que nos reconecte com o outro, seja outro ser humano, ou seres vivos, ou a natureza, não contribuímos com nada para a solução do problema.

 

 

Mas, como é podemos encontrar essa solução até em termos do planeta, quando em muitos países de África e em alguns do continente asiático a questão passa pela sobrevivência e não pela espiritualidade.
PB: É claro quem esta preocupado com a sobrevivência não pode estar ocupado com estas questões de que estamos a falar, de espiritualidade. Isto é para quem tem as suas necessidades básicas asseguradas, mas é óbvio que também não são essas populações de África e vários pontos da Ásia que tem maior impacto ambiental. Quem neste momento esta a destruir o planeta são as ditas nações desenvolvidas, que são fundamentalmente as ocidentais, são essas que poluem a atmosfera e esgotam os recursos naturais. Eu penso que se nós, no ocidente, necessitámos de criar outra mentalidade, podemos tomar consciência do modo como consumimos, o lixo que produzimos e a pegada ecológica que deixámos, que esta a prejudicar sobretudo esses povos. O importante é mudar estas nações ditas evoluídas, então, se despertarmos para uma ética mais global, acordámos para a necessidade de apoiar essas populações que são cada vez mais carentes, em vez de criarmos mais riquezas, devemos é apoiar esses países a encontrar soluções de desenvolvimento sustentável e ajudá-los a ultrapassar esses limites da miséria.

Então como seria o futuro da sociedade que propõem, seria constituídas por comunidades mais pequenas, mais junto da natureza?
PB: Sim, eu penso que grandes nações como a China, os EUA e o Brasil, mesmo os países mais pequenos tornam-se a partir de um certo ponto ingovernáveis, penso que não é possível numa política democrática autêntica não haver uma descentralização do poder. A minha ideia é de facto haver comunidades mais pequenas, regionais e locais, onde as pessoas possam escolher representantes que conhecem, que possam confiar e possam responsabilizar, caso não sejam cumpridos os objectivos para os quais foram eleitos. No fundo é reinventar a democracia, mais participativa e menos representativa, porque actualmente provavelmente votámos em pessoas que não conhecemos e delegámos nelas o nosso poder e depois não temos quaisquer mecanismos que permitam controlar as acções dessas pessoas e responsabilizá-las quando não cumprem os seus programas. Eu penso que a democracia tem de ser reinventada e o poder tem de ser descentralizado com um sentido fortemente ecológico. Comunidades cada vez mais resilientes e sustentáveis que produzam a sua própria alimentação, porque hoje em dia temos nações, este absurdo, que não são auto-suficientes em termos alimentares e tem de importar boa parte da sua comida no outro lado do planeta. Quando importámos alimentos da China, ou da Austrália estámos a contribuir para o aumento do dióxido de carbono para a atmosfera.

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