Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

Design for a living

Escrito por 

Encenada por Álvaro Correia, sob a chancela do Teatro a comuna, esta peça presentou o público com uma visão da vida hedonista, sob o ponto de vista de três personagens. Uma concepção literária de Nöel Coward com quase cem anos, mas de uma actualidade acutilante que nos faz reflectir sobre a liberdade das relações e o peso das convenções sociais.

A escolha para encenar esta peça resulta do facto de ser muito contemporânea na sua temática?

Álvaro Correia: Foi escrita a quase cem anos. Em 1932. Pelo facto de ter sido escrita nessa altura é quis fazer. Fiquei muito surpreendido com a forma como ele expõe este tema, de forma tão inteligente e acutilante que até hoje é pertinente faze-la.

Houve também um grande cuidado com o design do cenário.

AC: Sim, há sempre essa condicionante, porque na peça original o que ele pede, o Nöel Coward, são três grandes cenários. Aliás, para além de não ter dinheiro, não faria tal investimento, porque não acredito que no teatro seja preciso grandes espaços, para mim o essencial é o trabalho dos actores. Quando fiz a dramaturgia desta peça não alterei nada, a não ser pequenos cortes que poderiam datar a peça, ou seja, que tinham a ver com o que era o teatro naquela época dos anos 30. Eu centrei-me muito mais nesta dinâmica das relações e como se iam experimentando. Vai para além da questão da homossexualidade, ou da heterossexualidade, é mais espécie de viver a vida de uma forma hedonista, pelo prazer das pessoas que encontrámos independentemente da sua sexualidade e como nos podemos relacionar entre nós.

É uma forma muito inglesa de olhar?

AC: Não sei se é inglês, eu diria mais que é humano. Inglês é na forma da escrita, isso sim. Esta ideia hedonista acho que não é muito inglesa, há pessoas que são mais do que outras independentemente da nacionalidade. Os ingleses são até conservadores a esse nível, nós é temos a ideia que eles pela frente fazem uma coisa e por detrás outra, não é? O que achei extraordinário foi a linguagem, como ele escreveu. Havia nessa altura uma tradição da escrita de Óscar Wilde, que tem uma grande influência neste tipo de peças. Só que depois é um bocadinho mais ácida, mas cínica até. É uma espécie de passa à frente. Tem a ver com altura em que ele a escreveu. Esta questão das relações, essa problemática mantém-se inalterável. Não sei até se actualmente não vivemos momentos mais conservadores do que na própria época.

Referiste a pouco que fizestes alguns cortes, em termos da dramaturgia desta peça em que te concentraste?

AC: Tentei criar uma peça o mais simples possível. Toda a gestão do espaço, chegámos a esta ideia eu e a cenógrafa, traduzia a evolução da vida deles. Mesmo a profissional. O espaço foi ficando maior à medida que o conforto interior fosse proporcional.

Esse factor foi também acompanhado pelo guarda-roupa?

AC: Sim, acompanhava também essa evolução, para termos a noção da passagem do tempo.

Destas personagens todas, qual como actor que gostarias de ter feito?

AC: Não sei, qualquer um dos dois homens não me importava nada de fazer. Gostava de ter essa liberdade de nós relacionarmos independente do peso da educação, das convenções e do parecer. Esta independência de relacionar-se quase sem consequências. Elas existem sempre, mas assumi-las sem drama.

Alteraste o título?

AC: Não, o título é este mesmo. Eu não o traduzi, porque não consegui encontrar nada em português que me satisfizesse, que desse esta sofisticação e elegância que tinha o titulo em inglês.

Mas, ao lê-lo ficamos com uma ideia e afinal a peça fala de outras coisas.

AC: Na ideia do design esta subjacente o conceito de projecto de vida. É no fundo o que eles fazem, é uma construção, para além da vida profissional de cada um. A vida emocional dela caminha de forma diferente. A tradutora ainda me sugeriu “projecto de vida” mas não me soou bem. “Design for a living” tem uma sofisticação qualquer que é intraduzível.

Como é que esta peça chegou as tuas mãos?

AC: Há dois anos encenei umas peças curtas de Becket. Gostei muito de faze-las, estavam muito ligada a minha vida, a uma serie de mortes e foi uma resposta minha à dor, uma catarse e tinham um título que retirei também do autor, que foi a “felicidade amanhã” a ideia futura de ventura. Depois disso, apetecia-me fazer uma comédia. Tinha visto duas peças do Nöel Coward e de repente li esta e fiquei com vontade de fazer, depois de ter descoberto que tinha sido feito nesta época. Ao mesmo tempo tinha medo, porque era um tipo de teatro que nunca tinha feito. Esta comédia é difícil, porque é sofisticada, não é do tipo rir as bandeiras despregadas, estamos mais a sorrir e parece que não, mas o português não está muito habituado a este tipo de humor. Mas, em Lisboa tivemos dois meses sempre com óptima aderência do público.

Depois de muitas peças e uma larga experiência, como tem sido estes anos de teatro na comuna?

AC: Tem sido interessantes, estamos a passar um bocado bastante difícil no sentido em que o país também esta nesse ponto. É uma altura muito complicada para todas as companhias de teatro, com cortes de 30% e teve-se pensar e reformular a programação. Já se passou por tanta coisa, que só posso dizer que o teatro não acaba nunca. Apesar destas correrias todas do quotidiano, as pessoas precisam sempre de este confronto de homem para homem, de espelho, de ser ali, que é muito inerente ao homem e só no teatro se consegue e que tem quase dois mil anos. É um ritual, um encontro, há uma troca que os actores dão e que só acontece quando abrimos as portas para o público.

Contrariamente ao que se afirma há público no teatro?

AC: Ainda vai e não vai deixar. É engraçado, há um fenómeno que acontece em Lisboa que verificámos em conversa com pessoas ligadas ao meio, é que as pessoas têm ido ao teatro. A partir de agora, não sei, se calhar vai doer. Mas, nos últimos meses do ano pensámos que o público ia deixar de aparecer, com o Natal e o fim do ano, mas não. As pessoas sentem necessidade de ver espectáculos. Há micro fenómenos de popularidade, em que em dez dias em cena se esgotam todos os lugares, até com pessoas à porta, porque não conseguiram ver a peça. Creio que há esta ideia de não podermos mais ficar em casa a pensar no horror, que vamos fazer? Há uma necessidade de reagir, nem que seja saindo para ver coisas, para ocupar a mente com outros conceitos.

Quais são os teus próximos projectos?

AC: Este ano não vou encenar. Vou entrar como actor na próxima peça da comuna, vai ser uma coprodução com o teatro São Luís, de Jean-Claude Carriére, que se chama “A controvérsia de Valladolid” em finais de Abril. Para o ano em princípio vou encenar um Shakespeare, talvez o “ As you like it”.

http://www.comunateatropesquisa.pt/comuna/emcena/design/emCenaD.html

Deixe um comentário

Certifique-se que coloca as informações (*) requerido onde indicado. Código HTML não é permitido.

FaLang translation system by Faboba

Eventos