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Dinis, o marinheiro

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Ricardo Dinis é um aventureiro, mas acima de tudo é um empreendedor. Não fica à espera sentado que os seus sonhos se concretizem, corre atrás deles e coloca em prática os projectos que fazem sentido para sua vida. Uma viagem até ao Brasil de barco à vela para celebrar a Portugalidade, a selecção nacional e o mundial de futebol é o seu actual devaneio, na companhia da sua gata bebé, Victoria.

Sei que o objectivo é navegar até o Brasil, mas quanto leva em média para organizar uma viagem com esta envergadura?
Ricardo Dinis: Há muitas áreas, tem-se que preparar o barco e é preciso seleccionar e preparar a equipa. Para este projecto foi buscar pessoas diferentes que não tinha ido buscar para os outros desafios, embora tenha sempre o meu "core team" principal. É preciso também procurar os parceiros certos para a viagem, nós nunca abordámos uma empresa por ser grande ou conhecida, percebemos o que queremos fazer, estabelecemos o propósito da viagem e questionámos: este tipo de projecto faz sentido a quem? E só depois vamos à luta. Começámos logo a reunir os parceiros em mês e meio, preparámos o barco em tempo record, tivemos que alterá-lo em alguns pormenores, porque vamos estar em climas muito quentes e a embarcação tinha várias zonas de cor preta que tinham de ser alteradas para branco. Desde o princípio que tive essa enorme vontade de apoiar a selecção, não só para ver os jogos, mas também como português de mostrar-lhes à minha força e vontade e espero que tenham uma prestação muito digna. A bordo tenho uma linda garrafa com milhares de mensagens impressas, num papel de cortiça enrolado, de portugueses de todo o mundo, esta numa caixa muito bonita com azulejos pintados à mão em que cada um tem como tema a cultura portuguesa. Esse presente é para dar força à equipa e desejar boa sorte para o mundial, que é maior evento do mundo falado em português este ano e para lá fomos à vela 514 anos atrás. Para mim é muito importante desenvolver este tipo de projectos, em 19 de Novembro de 2013 quando estavámos a jogar com a Suécia estava um pouco preocupado, porque tínhamos que ganhar, se não ganhassemos não íamos ao mundial e perdia-se toda esta ligação com o Brasil. Acho que é importante criar estes laços não só ao nível político, empresarial e diplomático, mas também humano e cultural.

Fazes alguma preparação psicológica, já que vais estar sozinho tanto tempo no mar?
RD: Sim, a parte de psicológa não tanto, mas já trabalhei com uma psic]ologa de desporto durante uns anos, a Ana Ramirez, que trabalha com atletas de alta competição. Ela tem sido uma peça muito importante no puzzle de todos os meus projectos. Ainda antes de viagem estivemos sozinhos 20 minutos, já fazia um ano e meio ou dois que não nos víamos e estivemos a conversar durante esse bocadinho. Não é tanto pelo estar sozinho no mar, mas sim pelo saber gerir todas as frentes que um projectos destes envolve. É muito exigente para mim, porque eu estou no centro de tudo mesmo que tente não estar e portanto tenho todos os dias as pessoas da minha equipa a pedirem coisas, a confirmar outras e a última palavra é a minha e isso é muito difícil, porque para além deste projecto tenho outras actividades e o ter de gerir essa agenda e não poder falhar no "guião" isso é muito exigente. Quanto a parte de estar sozinho no oceano, estou sempre bem nessa situação, sinto-me muito feliz no mar e é muito especial, não sinto solidão, ou outra qualquer preocupação, sei que estou obviamente isolado e que estou longe de tudo e todos, mas sinto-me bem com isso. A parte física este ano levei mais a sério, treinei na "fisiogaspar", onde também muitos elementos da selecção se preparam.

Mas, há um treino muito específico?
RD: Sim, foi 100% feito para mim, para além da parte nutricional onde também foi acompanhado por profissionais do mesmo centro e tenho produtos da golden nutrition, que é uma empresa portuguesa que fabrica suplementos de treino com proteínas e hidratos de carbono. Tenho tudo isso à bordo, porque beber água não chega. Só para colocar a vela no topo do mastro,que pesa 700 quilos, demoro cerca de 45 minutos e isso necessita de um treino muito intenso.

Quantas horas em média treinavas?
RD: Às vezes entrava as oito da manhã e saia quando estava a escurecer. Tinha duas horas de fisioterapia e comia lá, cheguei a fazer cerca de 6 à 8 horas de exercicio por dia.

 

 

Quais são as tuas preocupações alimentares? O que é que necessita um marinheiro para estar tantos meses saudável no mar? Falaste na água que é importante, mas não é tudo.
RD: Como referi tenho água para ir ao Brasil e voltar, tenho mesmo muita água à bordo. É muito importante também ter apetite, ter gosto em comer, por isso, tenho uma grande variedade de comida, mas é essencialmente saudável. Não tenho carne, levo sardinha e cavalas em lata de Peniche, faço às minhas refeições com base no peixe e tenho grãos, como a lentilha e o feijão. Da Madeira e de Cabo Verde vou levar sobretudo alimentos frescos, legumes, vegetais e fruta. E estou sempre a comer, isto porquê? Porque estou sempre acordado, durmo 15 minutos de cada vez, às vezes nem vou conseguir tanto, ou seja, são 4 quatro horas em cada 24 horas e para me manter atento e com os níveis de energia no topo é precisamente através dos suplementos vitaminicos e não tomar cafeína. É sobretudo estar bem alimentado e estar sempre a comer comida saudável, uma cenoura, uma maça, uma courgete, ou uma alface e tudo isto dá muita força ao organismo e faço a minha dieta em torno disto.

Mas, como consegues estar tantas horas acordado? Tens de treinar também o organismo nesse sentido?
RD: No início sim, quando comecei este projecto em 1996 era muito difícil não dormir, porque uma pessoa esta habituada a acordar de manhã e chegar à noite e dorme. Eu, aqui não. Estou sempre acordado e hoje em dia é automático para mim e sinto-me bem com isso, não é algo que me faça confusão, mas é exigente e chego a estar muito cansado. Numa hora consigo dormir três ou quatro vezes dez minutos e acordo, vejo que o barco esta bem, não se avistam navios e volto a dormir mais um bocadinho e já me habituei a faze-lo e chega a terra entro logo no ritmo e chego ao mar e mais umas horas entro nesse ritmo.

Esse tipo de sono não provoca um maior cansanço no organismo?
RD: Sem dúvida nenhuma, até porque a vida no barco é muito intensa, é muito pesado, estou sempre a puxar velas e estou sempre a trabalhar na embarcação.

Isso não acaba por ter repercussões? Porque passas muito tempo no mar.
RD: É curioso quanto mais tempo passo no mar, mais me sinto adaptado, o corpo fica mais forte, fico mais musculado e um mês antes da viagem estou no meu pico, com mais força e mais gordura, no último mês antes de ir para o mar a loucura é tanta que perco peso, não consigo comer, ando a correr de um lado para outro, tenho entrevistas e reuniões e estou nessa fase agora, estou um pouco magrinho e depois no resto da viagem vou engordar e na chegada ao Brasil vou estar óptimo. Quando chegar à terra vou ter um ar muito mais saudável do que no dia que parti, porque tudo isto é cansativo. É mais fácil o dia 3 da viagem desde Lisboa, do que o dia 1 do que quando arranquei porque é tudo novo e o barco mexe, temos de nos equilibrar, sinto-me enjoado, o que é normal e tudo isso é um processo de adaptação. Dia 2 sinto-me bem e no terceiro dia é 100%. Eu por mim tinha continuado sempre, é mais fácil, mas queria parar na Madeira e em Cabo Verde porque é importante unir quem fala português e se houvesse mais alguma terra ou país que falasse português também parava. Isso também é importante.

Qual é o desafio que se coloca de aqui até o Brasil em termos de viagem?
RD: Há uma série de aspectos, daqui até as Canárias existe muito vento, vou tentar passar a Oeste, entre as ilhas do arquipelágo o vento afunila. Mais a Sul as coisas começam a melhorar bastante, aproximar de terra é muito exigente, porque eu tenho de perceber se entro pela esquerda ou direita de uma ilha, não posso dormir, quando estava a chegar à Madeira acordei às quatro da manhã e no dia que cheguei não dormi nada desde essa hora até as 23 horas, porque em terra ainda estive a trabalhar no barco e ver outras coisas. Dorme-se muito pouco na chegada para atracar bem e em segurança. Entre Cabo Verde e o Brasil antes de atravessar o equador, a metereologia do hemisfério norte tem uma reacção com o hemisfério sul criando a convergência intertropical e nessa área posso ter de tudo, muito vento, pouco vento e tempestades electricas muito fortes, isso assusta-me um bocadinho, tenho medo de trovoadas, porque tenho um mastro de 23 metros em fibra de carbono num horizonte sem nada, é como se fosse uma antena. Tenho de ter muito cuidado. Atravessando o Equador entro no hemisfério sul, vou ter vento, porque já esta a acabar o verão, e com algum clima desagradável na chegada ao Brasil, possivelmente vou ter muito vento ao chegar à Salvador.

Qual é o aspecto que mais te agrada nas tuas viagens? Para além do desafio de estar sozinho.
RD: Eu tenho um prazer muito grande em fazer projectos acontecer. Em ter a ideia e desenhá-lo na minha cabeça, saber que é possível e faze-la acontecer. Juntar as pessoas certas, ir à luta, arregaçar as mangas e atirar-me para fora de pé e acreditar. Às vezes não tenho a certeza se vou conseguir, mas acredito no final que conseguimos. Foi o caso deste projecto, montámos em tempo record e com aquela que é a maior marca no mundo que é a Tap e é o maior exportador do mundo. O nosso padrinho é o mais internacional dos jogadores portugueses, o Luís Figo, a nossa madrinha é uma grande cantora brasileira, a Roberta Sá e tudo isto montado em semanas, a parte de concretizar algo em terra dá-me imenso prazer. Depois aparece a parte mais fácil que é ir velejar, a parte de mar é mais simples, o meu telefone não toca tanto, não tenho tantas pessoas a exigir à minha atenção, sou estou eu e a minha gata. Tenho muito prazer em estar no mar, é um sítio muito especial, parece que respiro mais fundo temos tempo para parar e olhar. As pessoas perante uma falésia ficam extasiadas quando olham para o mar, eu tenho esse momento todos os dias. Ainda agora na viagem um pombo entrou no barco e fiquei a olhar para ele, a gata ficou a olhar para ele e ele para mim e há momentos muito especiais e únicos que não dá para explicar, mas que assisto constantemente em exclusivo e na primeira fila. E isto é muito bonito e forte e de facto é isso que me move ir para o mar e não e só o comunicar a portugalidade, mas também é toda esta coisa de estar em harmonia com a natureza e estar bem.

E não chega a um ponto que te cansas de ver tanta água à tua volta?
RD: Não, isso não.

Em algumas dessas viagens e creio que fizeste já uma volta ao mundo...
RD: Ainda não fiz uma volta ao mundo, fiz quatro viagens que seriam o equivalente a quase 4 voltas ao mundo.

E gostavas de a fazer?
RD: Sim, acho que sim. É o meu desejo desde os oito anos de idade. Hoje em dia não empurro os projectos com força e urgência, não. Este tinha de acontecer e trabalhei para ele, mas para a volta ao mundo vou esperar que surja uma alinhamento, um fio condutor e não tenho pressa para o concretizar. Mas, acredito que vai acontecer quando tiver de acontecer.

Mas, tiveste algum momento em algumas das tuas viagens que achaste que era aquele dia que ias morrer?
RD: Nunca tive um momento de achar que era aquele dia, mas tive momentos em que tinha a noção de uma situação sensível e arriscada. Tive uma série dessas, mas faz parte do mar, temos tempestades, problemas técnicos e acidentes, preparo-me o melhor possível.

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