Quais são as tuas preocupações alimentares? O que é que necessita um marinheiro para estar tantos meses saudável no mar? Falaste na água que é importante, mas não é tudo.
RD: Como referi tenho água para ir ao Brasil e voltar, tenho mesmo muita água à bordo. É muito importante também ter apetite, ter gosto em comer, por isso, tenho uma grande variedade de comida, mas é essencialmente saudável. Não tenho carne, levo sardinha e cavalas em lata de Peniche, faço às minhas refeições com base no peixe e tenho grãos, como a lentilha e o feijão. Da Madeira e de Cabo Verde vou levar sobretudo alimentos frescos, legumes, vegetais e fruta. E estou sempre a comer, isto porquê? Porque estou sempre acordado, durmo 15 minutos de cada vez, às vezes nem vou conseguir tanto, ou seja, são 4 quatro horas em cada 24 horas e para me manter atento e com os níveis de energia no topo é precisamente através dos suplementos vitaminicos e não tomar cafeína. É sobretudo estar bem alimentado e estar sempre a comer comida saudável, uma cenoura, uma maça, uma courgete, ou uma alface e tudo isto dá muita força ao organismo e faço a minha dieta em torno disto.
Mas, como consegues estar tantas horas acordado? Tens de treinar também o organismo nesse sentido?
RD: No início sim, quando comecei este projecto em 1996 era muito difícil não dormir, porque uma pessoa esta habituada a acordar de manhã e chegar à noite e dorme. Eu, aqui não. Estou sempre acordado e hoje em dia é automático para mim e sinto-me bem com isso, não é algo que me faça confusão, mas é exigente e chego a estar muito cansado. Numa hora consigo dormir três ou quatro vezes dez minutos e acordo, vejo que o barco esta bem, não se avistam navios e volto a dormir mais um bocadinho e já me habituei a faze-lo e chega a terra entro logo no ritmo e chego ao mar e mais umas horas entro nesse ritmo.
Esse tipo de sono não provoca um maior cansanço no organismo?
RD: Sem dúvida nenhuma, até porque a vida no barco é muito intensa, é muito pesado, estou sempre a puxar velas e estou sempre a trabalhar na embarcação.
Isso não acaba por ter repercussões? Porque passas muito tempo no mar.
RD: É curioso quanto mais tempo passo no mar, mais me sinto adaptado, o corpo fica mais forte, fico mais musculado e um mês antes da viagem estou no meu pico, com mais força e mais gordura, no último mês antes de ir para o mar a loucura é tanta que perco peso, não consigo comer, ando a correr de um lado para outro, tenho entrevistas e reuniões e estou nessa fase agora, estou um pouco magrinho e depois no resto da viagem vou engordar e na chegada ao Brasil vou estar óptimo. Quando chegar à terra vou ter um ar muito mais saudável do que no dia que parti, porque tudo isto é cansativo. É mais fácil o dia 3 da viagem desde Lisboa, do que o dia 1 do que quando arranquei porque é tudo novo e o barco mexe, temos de nos equilibrar, sinto-me enjoado, o que é normal e tudo isso é um processo de adaptação. Dia 2 sinto-me bem e no terceiro dia é 100%. Eu por mim tinha continuado sempre, é mais fácil, mas queria parar na Madeira e em Cabo Verde porque é importante unir quem fala português e se houvesse mais alguma terra ou país que falasse português também parava. Isso também é importante.
Qual é o desafio que se coloca de aqui até o Brasil em termos de viagem?
RD: Há uma série de aspectos, daqui até as Canárias existe muito vento, vou tentar passar a Oeste, entre as ilhas do arquipelágo o vento afunila. Mais a Sul as coisas começam a melhorar bastante, aproximar de terra é muito exigente, porque eu tenho de perceber se entro pela esquerda ou direita de uma ilha, não posso dormir, quando estava a chegar à Madeira acordei às quatro da manhã e no dia que cheguei não dormi nada desde essa hora até as 23 horas, porque em terra ainda estive a trabalhar no barco e ver outras coisas. Dorme-se muito pouco na chegada para atracar bem e em segurança. Entre Cabo Verde e o Brasil antes de atravessar o equador, a metereologia do hemisfério norte tem uma reacção com o hemisfério sul criando a convergência intertropical e nessa área posso ter de tudo, muito vento, pouco vento e tempestades electricas muito fortes, isso assusta-me um bocadinho, tenho medo de trovoadas, porque tenho um mastro de 23 metros em fibra de carbono num horizonte sem nada, é como se fosse uma antena. Tenho de ter muito cuidado. Atravessando o Equador entro no hemisfério sul, vou ter vento, porque já esta a acabar o verão, e com algum clima desagradável na chegada ao Brasil, possivelmente vou ter muito vento ao chegar à Salvador.
Qual é o aspecto que mais te agrada nas tuas viagens? Para além do desafio de estar sozinho.
RD: Eu tenho um prazer muito grande em fazer projectos acontecer. Em ter a ideia e desenhá-lo na minha cabeça, saber que é possível e faze-la acontecer. Juntar as pessoas certas, ir à luta, arregaçar as mangas e atirar-me para fora de pé e acreditar. Às vezes não tenho a certeza se vou conseguir, mas acredito no final que conseguimos. Foi o caso deste projecto, montámos em tempo record e com aquela que é a maior marca no mundo que é a Tap e é o maior exportador do mundo. O nosso padrinho é o mais internacional dos jogadores portugueses, o Luís Figo, a nossa madrinha é uma grande cantora brasileira, a Roberta Sá e tudo isto montado em semanas, a parte de concretizar algo em terra dá-me imenso prazer. Depois aparece a parte mais fácil que é ir velejar, a parte de mar é mais simples, o meu telefone não toca tanto, não tenho tantas pessoas a exigir à minha atenção, sou estou eu e a minha gata. Tenho muito prazer em estar no mar, é um sítio muito especial, parece que respiro mais fundo temos tempo para parar e olhar. As pessoas perante uma falésia ficam extasiadas quando olham para o mar, eu tenho esse momento todos os dias. Ainda agora na viagem um pombo entrou no barco e fiquei a olhar para ele, a gata ficou a olhar para ele e ele para mim e há momentos muito especiais e únicos que não dá para explicar, mas que assisto constantemente em exclusivo e na primeira fila. E isto é muito bonito e forte e de facto é isso que me move ir para o mar e não e só o comunicar a portugalidade, mas também é toda esta coisa de estar em harmonia com a natureza e estar bem.
E não chega a um ponto que te cansas de ver tanta água à tua volta?
RD: Não, isso não.
Em algumas dessas viagens e creio que fizeste já uma volta ao mundo...
RD: Ainda não fiz uma volta ao mundo, fiz quatro viagens que seriam o equivalente a quase 4 voltas ao mundo.
E gostavas de a fazer?
RD: Sim, acho que sim. É o meu desejo desde os oito anos de idade. Hoje em dia não empurro os projectos com força e urgência, não. Este tinha de acontecer e trabalhei para ele, mas para a volta ao mundo vou esperar que surja uma alinhamento, um fio condutor e não tenho pressa para o concretizar. Mas, acredito que vai acontecer quando tiver de acontecer.
Mas, tiveste algum momento em algumas das tuas viagens que achaste que era aquele dia que ias morrer?
RD: Nunca tive um momento de achar que era aquele dia, mas tive momentos em que tinha a noção de uma situação sensível e arriscada. Tive uma série dessas, mas faz parte do mar, temos tempestades, problemas técnicos e acidentes, preparo-me o melhor possível.