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Ivo, o cerebral

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É porventura um dos melhores actores da sua geração. Como actor não gosta de encarnar personagens lineares, aprecia a complexidade e contradição em termos de representação e não tem medo de correr riscos.

Abordando três persogens que criaste em "a arte de roubar", "o último condenado a morte" e "call girl". Qual destes três constituiu um desafio em termos de construção de personagens?
IC: Gostei muito de fazer o "call girl". De trabalhar com o António-Pedro Vasconcelos, pelo argumento, a forma como estava escrito e pela liberdade que o realizador dá aos actores para trabalhar. Foi um desafio grande pela velocidade de filmagem e pelas características do personagem, era um polícia muito espalha-brasas, que agia primeiro três vezes antes de pensar.

Atrai-te mais este tipo de personagens marginais, que fogem do estereótipo do típico bom e do vilão?
IC: Não necessariamente. Atraem-me projectos onde as coisas não sejam absolutamente lineares e haja alguma complexidade, os marginais tem sempre uma rebeldia qualquer que me atraí, assim, como os personagens ditos maus. Mas, eu acho graça como actor não tomar essa decisão a priori, ou seja, não decidir se um personagem é um vilão. Houve alguns anos um filme que me marcou muito que era com o Bruno Ganz, um actor alemão, que fazia de Hitler e o que era interessante na construção do personagem é que conseguimos criar uma certa empatia com ele, o que não deveria de acontecer, devido ao que fez à humanidade. Como ser humano Hitler era mau para uns, terrível para outros, no entanto, dizia-se que tinha uma relação maravilhosa com os netos, que era um avô extremoso, como actor interessa-me essas contradições e complexidades.

Tens já uma carreira longa no cinema português. Olhando neste momento para atrás, achas que há uma evolução, ou um retrocesso? Actualmemte falasse muito da crise, do não haver financiamento para o cinema português. Como é que olhas para todo esse percurso?
IC: Acho que tivemos períodos económicos mais favoráveis. A minha geração apanhou o boom do cinema, pelo menos tentou-se, se calhar não foram geridas as coisas da melhor forma, no sentido de criar escolas, não no sentido literal, pelo menos o hábito de escrever guiões e de dirigir actores, que acho que são duas fragilidades nossas. É sempre muito difícil encontrar bons guiões em qualquer parte do mundo e a direcção de actores não esta completamente desenvolvida em Portugal, há pessoas que sabem filmar, mas nem sempre sabem dirigir e em última análise quem esta à frente das câmaras são os actores e não técnica de realização, outros dirão o contrário, mas é aqui que me coloco. Hoje em dia atravessámos uma crise enorme, os financiamentos pararam há já dois anos, houve uma grande quebra de produção, mas por outro lado, nasceu uma nova geração que cresceu com estas limitações e que rapidamente se apercebeu que não podia estar à espera de apoios e seguiu em frente com pequenos projectos e temos jovens realizadores que estão a produzir primeiras e segundas obras que acho interessantes. Acho que o nosso país tem de resolver de uma forma definita as questões da lei do mecenato, onde uma produtora possa ir buscar apoios a empresas e elas terão contrapartidas em termos fiscais. Isso acontece muito no Brasil e quando se clarificou o enquadramento legal deu-se a chamada retomada e hoje em dia o cinema brasileiro tem um grande percurso. Nós temos que esclarecer, ao meu ver, a lei do mecenato para poder aumentar a independência do Estado, mas também haver sítios onde se possa ir buscar dinheiro com a contrapartida de haver espectadores e filmes que possam ser vistos pelo público. Depois há também outra questão na qual penso cada vez mais que são os direitos conexos, de imagem dos actores, já os tivemos e agora não, trata-se de ser pago não só por participar no filme, mas por cada vez que passa seja onde for, para quem participou obtenha uma percentagem do ganho, isso não existe hoje. Por um lado, os trabalhos que fizemos continuam a ser passados nas televisões, eles recebem o dinheiro da publicidade e quem trabalhou no filme não recebe mais nada. Obrigando um actor a ter que participar em muitas coisas, quando economicamente poderia estar mais salvaguardado, por outro lado, e espero estar certo, porque isto vai ser resolvido um dia, criaria um maior investimento inicial na produção filme, teria consequências positivas junto do público para valer a pena ser visionado dali para o futuro, assim haveria uma maior responsabilidade em pagar quem participou no filme. Acredito mesmo que teria repercussões positivas para a indústria, os actores receberiam o que lhes era devido e ao público não lhe era atirado para os olhos dezenas de produções feitas as três pancadas, que passam em horários que ninguém vai realmente ver e que foram produzidas por um motivo, apenas para a ocupação de horários.

Como actor tens-te dividido pelo teatro, a televisão e participaste no filme "gelo". Podes falar-me um pouco sobre este trabalho?
Ivo Canelas: O "gelo" é uma história de ficção científica, com um lado onírico muito forte em que se fala, sem querer descortinar demasiado do argumento porque há um elemento surpresa que não pretendo revelar, da criogenização, ou seja, o congelamento dos órgãos para que as pessoas possam ser resuscitadas no futuro. A minha personagem trabalha nessa área, é quem gere a empresa de criogenização.

 

 

E porquê aceitas-te fazer esta personagem? O que te atraiu?
IC: Atraiu-me o elenco, o Albano Gerónimo, o Afonso Pimentel, a Ivana Vaquero e havia um outro lado, que era o guião, eu nunca tinha trabalhado num filme de ficção científica e quis experimentar.

Abordaste a questão do actor ter necessidade de estar sempre a trabalhar, tu mexeste entre a televisão e o cinema, o audiovisual foi sempre uma área que te atraiu mais embora, faças teatro?
IC: Teatro, cinema e televisão eu trabalho em todas as áreas.

Não tens nenhuma preferida?
IC: Não, gosto sobretudo de projectos com colegas, com pessoas. Onde houver um em que acredite e possa ter valor eu quero lá estar, independente do meio, televisão, cinema, rádio, dança, performance, ou outra. Felizmente acho que é uma característica da minha geração ter sido obrigada positivamente a ser multifacetada. Não tenho predileção pelo meio, qualquer um é válido para fazermos bons trabalhos.

Existe algum realizador português com que gostasses de trabalhar?
IC: Nunca trabalhei com o João Canijo.

E internacionalmente? Houve uma altura em que ainda ias fazer castings aos EUA, essa é uma aposta que deixaste de parte?
IC: Não, deixei de parte em determinados moldes, a última vez que fiz isso foi em 2012, estive um ano a viver em Nova Iorque em que me dediquei a tentar arranjar um agente, fui a castings e o resultado não foi o esperado, acho que plantei algumas sementes, mas não colhi nada. Estou sempre disponível a arranjar trabalho onde quer que ele esteja.

E com quem gostavas de trabalhar ao nível internacional?
IC: Adoraria trabalhar com o PT Anderson que foi quem realizou o "Magnólia" e "haverá sangue". Também gostaria de trabalhar com os mais recentes, como o Steve MacQueen que fez o "Shame", o "Hanger".

E no teatro achas que há alguma personagem que gostarias de encarnar e ainda não tens maturidade para a enfrentar?
IC: Não sei. Há uma série de personagens que gostaria de fazer, mas não tenho propriamente um fetiche no sentido de se gostaria de encarnar alguma em particular, vou vendo caso a caso. Não há personagem nenhuma em que pergunte se tenho ou maturidade, porventura penso se terei a dimensão humana para a preencher como deve ser.

Sentes dificuldade em despir-te de algumas personagens?
IC: Não, sabes, estava a ler António Damásio que fala da consciência, ele afirma que se trata de uma máquina bem pensada e excelente no seu funcionamento. Para isso acontecer a minha teria que estar a funcionar mal, de estar à beira da loucura e aí se calhar não poderia representar. O contrário é que é o difícil, pelo menos em baralhar a consciência o suficiente para faze-la acreditar em algo que não somos.

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