Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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Magnólia de aço

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A  propósito de uma palestra, que decorreu no festival literário da Madeira´14, sob o mote "o admirável mundo novo" de Aldous Huxley, falámos com Paula Moura Pinheiro, jornalista, sobre os 40 anos de Abril e o seu programa "visita guiada".

Vivemos num admirável mundo novo actualmente?
Paula Moura Pinheiro: O mundo é sempre admirável, mesmo quando os momentos são menos bons. E não estou a dizer isto, porque é simpático dize-lo, há um lado fabuloso no estar vivo. Agora, às vezes, podemos viver um momento complicado e como comunidade estamos a vivênciar um desses momento. Eu creio que é um título irónico, em 1974 sonharam com esse mundo, sendo que o sonho não era exactamente igual para cada uma das pessoas que sonhavam, porque também há essa questão. Haviam vários sonhos por vezes até antagónicos, mas que se sonhou e muito há 40 anos, é verdade.

E na sua visão pessoal deste tema?
PMP: O balanço que faço do 25 de Abril é incomensuravelmente positivo. Eu era pequena quando aconteceu, tinha oito anos, não tenho uma memória, é construída.

Mas, não acha que todos esses sonhos da revolução dos cravos, estão paulatinamente a morrer aos poucos?
PMP: Isso é uma afirmação?
Sim.
PMP: Eu não acho. Estamos a viver momentos conturbados que exigem de nós que nos coloquemos e avancemos e dígamos: isto é negociável, o outro não é. Até porque temos que perceber que já não estamos felizmente no orgulhamente sós, como estávamos antes de 74 e não estando, fazendo parte de uma malha altamente complexa que é internacional estamos muito limitados por isso. Eu acho que, e muitos achámos, que estamos condicionados e que é não é sinónimo de paralisados. Portanto, temos de ser pró-activos e ver efectivamente aquilo que estamos dispostos a negociar e onde é que estamos dispostos a ceder relativamente aos sonhos de Abril. A liberdade parece-me inegociável em todos os sentidos, de expressão, de livre circulação, enfim, mas há outro tipo de aquisições que eventualmente tem de ser revistas e essa discussão deve ser tida no espaço público e deve envolver-nos a todos. O que estámos dispostos a abrir mão? E no que não cedemos absolutamente? Cada um de nós tem de pensar e agir em conformidade.

 

 

Qual é o papel da cultura nisto tudo?
PMP: É total. Acho que os anarquistas tinham um frase bestial que era: se não houver ministro da agricultura as batatas não crescem para baixo, ou seja, não é porque a política cultural ora é mais pobre, ou menos interessante, ou esta menos munida de dinheiro que a cultura, ou que a dimensão de um povo deixa de existir.

Mas, segundo dados da UE os portugueses são um dos povos europeus que menos usufruem de actividades culturais.
PMP: Isso tem a ver com a formação cultural, tem a ver com muitos factores, entre eles a qualificação e com os níveis de alfabetização. Eu não sei se oferecer mais exposições as pessoas, estas iriam vê-las e isto é só um exemplo. Mas, menos política cultural, ou menos interessante, vigorosa e menos propiciadora de vitalidade no tecido e nos agentes culturais não significa que as pessoas não tenham uma existência cultural. Agora, o problema para aceder a esse tipo de existência pressupõe alguma diferenciação. Nesse sentido a cultura é entendida como uma forma de pensamento, pode assumir muitos gostos, há até uma dimensão de cultura que é a produção cultural, que é uma forma de pensar fundamental num contexto de crise, como o é sempre. Neste momento é oportuno que as pessoas estejam equipadas com essa capacidade de pensar, de pôr em causa e sobretudo que muito poucas coisas na vida são irremediáveis, só mesmo a morte.

Então neste momento é oportuno ter um programa sobre monumentos, mesmo quando as pessoas não vão ver exposições?
PMP: É muito oportuno. Devo dizer que o "visita guiada", porque não foi criado a pensar se era, ou não oportuno com o momento de crise que estamos a viver. Foi criado porque sinceramente era algo que me apetecia fazer, era um projecto que tinha há muito tempo e para o qual eu sentia um enorme apetência do público. As pessoas gostam imenso de conhecer a sua própria história, mas é o efeito colateral. Não foi intencional, eu acho que agora que o programa existe e esta no ar, isto pode ter um efeito interessante de nos dizerem, de nos lembrarmos uns aos outros, que somos uma nação com mais de 900 anos e dificilmente agora podemos esquecer-nos disso e que não devemos, quando se trata de termos de ceder a dictates de tecnocratas. Temos uma longa história para atrás, temos uma identidade complexa como todas as restantes, contraditória em muitos aspectos, mas andámos cá há muito tempo e lembrar isso é sempre oportuno sobretudo quando estamos a estremecer na nossa situação actual e esta a tremer por todos os lados, pode ser uma lufada de confiança.

Do períplo que tens feito pelo país tiveste algumas supresas?
PMP: Tive supresas fantásticas, o património é variante, tratámos de objectos que podem ter determinados sentidos até os grandes claustros. É o objecto no sentido científico, cada programa é dedicado a uma peça, desde a mais pequena até a grande construção. Tem um valor universal e não regional, tem de ser objectos que qualquer país ocidental, que é a nossa cultura, gostaria de possuir. E temos muitos. Supresas tem sempre, estou a pensar numa peça que é um tríptico de um altar portátil, que esta no museu Alberto Sampaio, em Guimarães. Confesso que só o tinha visto por fotografia, estava até preocupada em fazer um programa inteiro com um altar e é uma peça deslumbrante, esmagadora de escala e peso. É o que foi uma agradável supresa é ver gente tão boa pelo país inteiro, boa no sentido de bem preparada, que veste a camisola e sabemos bem que é pelo que ganham e que são de um brio, de um conhecimento e empenho comovente. O país, a Europa não são são os dirigentes.

O programa vai passar pela Madeira?
PMP: Vai e o embaraço é o da escolha, porque a ilha tem objectos muito especias e vamos fazer mais do que um episódio, desde logo o retábulo da Sé que esta a ser restaurado, que se não é o único é um dos únicos do país original, no sentido em que se mantém no sítio, na igreja original e isso é fantástico numa peça do século XVII. O museu de arte sacra tem peças que conheço bem e que são maravilhosas, mas há muitas histórias para contar porque os objectos arrastam essas narrativas. Não ponho de parte a hipótese de fazer um programa sobre as levadas, é uma construção humana única no mundo.

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