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O escavador de passados

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Élvio Sousa é o rosto da arqueologia na ilha da Madeira e um dos mais reputados investigadores nesta matéria ao nível nacional. Foi um dos impulsionadores da Archais, uma associação que teve como o objectivo principal a divulgação da arqueologia na expansão portuguesa, através de escavações e palestras. Um levantamento com mais de dez anos que também pode ser visitado na unidade museológica da Quinta do Ribeirinho, em Machico e que vai ser alvo de um documentário em 10 episódios que serão emitidos no canal história e na RTP1, já no próximo ano.

Ao longo dos anos criaste a Archais, realizaste um conjunto de escavações por toda a ilha e ergue-se uma unidade museológica em Machico, fala-me um pouco desse percurso.

Élvio Sousa: Foi dez anos a nascer. Não foi? Em 1996 acabei o curso e pensei em criar em parceria com os meus colegas uma estrutura associativa que pudesse divulgar a arqueologia da Madeira. Em 1998 criámos essa instituição com o objectivo de colmatar essas lacunas em termos de património e isso teve um impacto regional, porque alertou as consciências, acima de tudo, era independente e equidistante de alguma militância política o que foi importante. A primeira escavação arqueológica teve lugar em 1999 na junta de freguesia de Machico, que acaba por ser o sítio mais importante ao nível nacional para compreender a arqueologia da expansão portuguesa e ainda, na Quinta do Ribeirinho. Posso dar um salto de mais dez anos e em 2003 foi inaugurado o núcleo museológico que possui uma componente muito forte arqueológica. Portanto em 2006 fizemos 10 anos e estamos a colher os frutos desse trabalho.

A Archais desapareceu?

ES: Não, agora tem uma componente mais pedagógica. Realiza e participa em conferências e acções de formação junto dos alunos. Não tem tanto essa vertente crítica de intervenção na sociedade.

Recentemente apresentaste uma tese de doutoramento sobre arqueologia regional, que teve a nota máxima. Fala-me um pouco da importância desse trabalho?

ES: Havia essa necessidade quando se esta a fazer investigação e no decorrer da minha actividade na associação. Tínhamos que nos deslocar aos sítios para confirmar e fundamentar as denúncias que nos eram encaminhadas. Quando há um alerta é necessário verificar a sua veracidade, senão caímos no descrédito, como acontece com algumas associações. E portanto havia que investir na investigação e para obter essa creditação tive que investir na academia. Fiz o mestrado e o doutoramento com algum sacrifício, mas é importante ter estes graus académicos sobretudo para validar a investigação. Recentemente submetemos uma candidatura para projectos de arqueologia nacional, financiada pela Fundação Gulbenkian, com o objectivo de estudar a expansão da arqueologia portuguesa, através de um documentário e foi aprovado. Foi a única candidatura da Madeira de três que foram apoiadas ao nível nacional. O facto de ter o grau de doutor acaba, modéstia à parte, por validar o trabalho de investigação. Eu fiz tudo com muito gosto e até gostava de ir mais além.

O projecto propriamente dito vai versar sobre os achados arqueológicos na Madeira?

ES: Precisamente, sobre a Madeira e o Porto Santo. É um conjunto de 10 documentários, que serão emitidos pelo canal história, muito interactivos, com reconstituição virtual que irá abranger os cenários históricos sob o prisma da arqueologia da expansão portuguesa, ou seja, como foi povoada e como foi crescendo ao longo do tempo. É um vislumbre do quotidiano, onde poderemos ver o que se comia, quais eram os objectos que faziam parte da casa, qual era o vestuário usado pelas senhoras, encontrámos nas escavações anéis, pentes, alfinetes e todos estes achados ajudam a construir esse passado. O documentário versa várias áreas, mas todas estão interligadas com a história do arquipélago. Depois vai também ser emitido na RTP1. É uma parceria entre o CEAM (centro de estudos da arqueologia moderna), da qual faço parte ao nível nacional, apoiado pela Gulbenkian e pela televisão estatal. O projecto tem o valor de 19 mil euros que dá perfeitamente para construir um documentário, somos bastantes assertivos até porque já fiz alguma consultadoria ao canal história. Vamos criar um registo mas dinâmico, não muito estático, ninguém é um José Hermano de Saraiva, que possuía uma grande capacidade de comunicação. Vamos usar a linguagem multimédia, do tridimensional e os dados históricos para ajudar a captar á atenção dos telespectadores. É um projecto muito interessante, porque dá-nos bastante experiência e penso que vai ter algum impacto para dar a conhecer a arqueologia.

Quando começam as gravações?

ES: Começam em Outubro com a investigação. Há imagens de escavações que estamos a analisar, mapas e documentos que provém do Vaticano, primeiro vamos fazer essa recolha e só depois escrever um guião assertivo. Tem de ser um trabalho bastante rigoroso para quem produzir saber o que deve realçar.

Recentemente foste até aos Açores para um congresso, qual foi a importância deste evento em concreto?

ES: Nós temos um trabalho arqueológico nos Açores, numa vigia em concerto, na ilha de Santa Maria, é a mais antiga em termos de descoberta e povoamento, antes sequer da ilha de São Miguel. Começámos as escavações em 2008 e encontrámos restos no edifício que comprovam que o edifício é anterior ao século XVII.

Qual é a tua posição em relação aos achados arqueológicos no arquipélago Açoriano que apontarem para a colonização por outros povos?

ES: Isso é outra polémica à parte. Esta semana emitimos um comunicado sobre essa matéria. Em relação aos monumentos megalíticos e coisas do género nos Açores, eu sou muito céptico nessa matéria, porque as provas não são muito contundentes. Aquilo que afirmam serem hipogeus fenícios e que dizem ser arte rupestre, a Madeira também possui alguns desses vestígios. A existir povoamento teria de existir tumbas e cemitérios. Se viveram também morreram, o que não quer dizer que por lá não tivessem passado outros povos, porque há relatos na Madeira e dos Açores dessa natureza, com o mesmo nome lenha, o problema era que não eram povoadas. Os vestígios que invocam também existem aqui, em Gaula, pelo menos duas anta neolítica, duas pedras nas laterais e outra em cima, estes monumentos eram usados como túmulos na pré-história e ainda como currais para gado. No povoamento da Madeira, os primeiros colonos fizeram essas antas à imagem das que viram e tudo isto teve lugar no século XV. Embora tenha sido um arqueólogo a dize-lo, nestas situações, cria-se um certo sensacionalismo sem antes reunir provas sujeitas à avaliação científicas, como foi o caso. Houve discussões académicas e os textos que li sobre esta matéria não batem certo, da minha parte em termos de expansão arqueológica, acho que é prematuro levantar estas hipóteses sem provas contundentes.

Fala-me um pouco sobre a descoberta na vigia da ilha de Santa Maria, qual é a sua importância?

ES: Descobriu-se que afinal o edifício é anterior ao século XVII, há restos que vão até o século XV, provou-se que a vigia foi sendo construída ao longo do tempo. É importante, porque é a única que persiste nos Açores e nas ilhas portuguesas, já que elas desapareceram por completo. Estas torres eram de vigia, mas também serviam para intimidar que vinha do mar, os corsários em particular. Santa Maria é um excelente exemplo, porque tem uma baía muito aberta e é natural que ali tivesse sido construída uma vigia, era uma óptima zona de desembarque de mercadorias.

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