
A Fundação J.Silvério Pires nasce de uma ideia que o seu fundador acalentou durante todo uma vida e que se materializou num espaço aberto à difusão da cultura, da arte e do conhecimento, na rua da Carreira, no Funchal.
Como é que surge a ideia de criar uma fundação cultural que abarca as suas várias vertentes?
João Silvério Pires: Esta ideia não nasceu agora, nasceu quando tinha uns 15 a 16 anos de idade, porque toda a minha vida tive uma apetência especial, directa e constante pela área da cultura. Tive um jornal literário quando era muito jovem, na altura em que foi publicado teve uma tiragem de 1,300 exemplares, o que era um fenómeno entre 1949-50. Foi avançando na faixa etária e hoje sou um dinossauro, porque tenho 86 anos e continuou na mesma a dedicar-me a cultura, a arte e ao conhecimento.
Mas, teve posteriormente uma vida profissional que não foi inteiramente dedicada a esta área.
JSP: A minha vida profissional, curiosamente, teve um efeito muito intenso na minha opção. A minha primeira actividade profissional foi precisamente no jornalismo, como redactor do jornal da Madeira, a convite de Carlos Santos, que era o chefe de redacção da altura e entretanto já tinha publicado o tal jornal literário. Mais tarde, tive um outro capítulo ligado às actividades comerciais que economicamente suportaram à minha existência e trabalhei sobretudo no sector das viagens e de navegação.
Mas, como idealizou esta fundação?
JSP: Não houve uma idealização, mas a ideia já lá estava, desejava um local relacionado com a difusão da cultura. Continuo muito empenhado na projecção da pintura, da literatura e do conhecimento. A arte estará talvez em primeiro lugar, porque é a definição mais reflectida daquilo que em profundidade é a cultura, sem arte não há cultura. A pintura é algo que sempre me apaixonou, como disse foi jornalista e ainda critico de arte e numa altura determinada da minha vida reparei que tinha este prédio vazio e decidi abri-lo ao mundo.
Como é que faz então a escolha dos artistas?
JSP: Não há uma exclusão prévia de artistas. Neste momento temos a Cristina Coelho, que é uma debutante, já que esta é a sua primeira exposição e certamente não seria conhecida se não lhe tivesse cedido este espaço. Normalmente, quase todos os artistas procuram à fundação, porque eles sentem que estamos preparados para dar-lhes apoio.
Tem uma espécie de residência artística.
JSP: Eu criei essa imagem, mas eu diria que é mais um estatuto de residente artístico, é um pintor que faz da fundação o seu atelier. Actualmente temos a Kátia Sá e anteriormente foi o David J. Haines, por isso é que digo que não fazemos distinção, arte é arte. Todos os que chegarem e baterem à porta certamente que serão acolhidos.
Quais são os objectivos que traçou para a fundação?
JSP: É uma plataforma de intervenção sócio-cultural, mas não apenas na arte, em outras áreas como as conferências. Em Outubro temos uma palestra com o presidente da associação Portuguesa para o Estudo das Religiões, Paulo Alexandre Borges, que é também professor e escritor. Abrimos as portas a quem quer que seja, conhecido ou não.
Não diria que é quase uma incongruência ter uma espaço dedicado à cultura, é uma utopia?
JSP: Eu diria que é uma opção. Não considero que a cultura seja uma utopia, é a realidade mais profunda que um indivíduo pode vivenciar. Um ser que não conhece tudo o que pode obter com a cultura não chega a ser um cidadão desenvolvido em termos da sua mensagem humanística. A cultura é absolutamente necessária e para que ela exista é essencial pessoas com boa vontade para facilitar à sua difusão. Não há vaidade, nem me interessa fazer coisas para que se fale de mim. Não é isso que me interessa, o que pretendo é conseguir esse desidrato que é trazer o fenónemo da cultura para a rua e para toda a gente.
É também uma aprendizagem constante?
JSP: Eu estou a aprender muito e estou a sempre em aprendizagem, mas sou o maior ignorante que existe, porque a mente não se pode preencher, esta sempre vazia e temos que ter a consciência que quanto mais aprendemos, mais temos de aprender, quer seja em termos filosóficos, económicos e em matéria de vida. Possuo tudo o que não tinha há 10 anos porquê? Porque, agora, a minha cultura alargou-se exponencialmente, existe a constatação profunda da minha própria ignorância. Tenho muito mais perguntas para fazer, respostas para receber e preciso de interiorizar tudo com maior profundidade, numa sociedade onde é de tal maneira frequente encontrar a mediocridade à nossa volta, essa é a parte mais triste.