Então mostrar estes pratos fora do seu contexto local é uma das finalidades do movimento, através de provas?
VL: O facto é que este tipo de eventos não foi motivado pela gastronomia alentejana, mas sim mais para mostrar a filosofia do movimento e depois já agora mostrámos as pessoas o que é muito querido ao slow food, que são estes pratos da época, que são nobres e que vêm do povo, a chamada comida do tacho. Agora há esta mania do gourmet, dos chefes e tudo bem, mas daqui a 10 anos com certeza vão voltar a comida da mãe, das avós que foi testada durante tanto tempo e que resistiu ao longo dos anos. É isso que queremos e dar-lhe o devido valor. As pessoas aqui não comem torresmos, mas vamos a Itália que também o recuperou já que ninguém o comia, porque era considerado um prato para os pedreiros e agora é exportado para todo o lado. Em Portugal nos deitámos aquilo tudo fora e não o aproveitámos. E trata-se de um dos pratos do povo. Vamos ao território comer local, ou beber vinho e então questionámo-nos de onde é isto? E assim ao passear, vou conhecer um olival, ou uma vinha e no fim vemos tudo isso sintetizado num prato.
Falou que recuperam receitas, o que fazem com elas? Colocam-nas em livro, ou na internet, como é que tudo isso funciona?
VL: Tivemos agora uma actividade numa escola, em Évora, no âmbito do dia mundial da alimentação e levámos connosco um conjunto de receitas para os miúdos experimentarem em casa com os pais, especialmente de sobras, porque estamos em crise. Mas, continuamente publicámos receitas menos conhecidas nos jornais regionais e fazemos provas, pequenas visitas aos produtores. Levámos à Itália, na feira de Turim, todos estes produtos e produtores que muitas vezes são ilegais no nosso país, mas nos apreciámos a ilegalidade com comida. (risos). Durante centenas de anos as pessoas foram fazendo comida sem necessidade de câmaras frigoríficas e se lhes fizesse assim tanto mal já teriam deixado de comer dessa forma. Quando vamos as cidades é sempre preciso tantos cuidados, mas sabemos porque isto acontece, porque as grandes distribuidoras querem esmagar os mais pequenos. Itália exporta os seus produtos para outros italianos, se lhe disser que vamos todos os anos até as feiras, a olivais e queijarias artesanais e as pessoas dizem sempre que nunca seria possível replicar estes exemplos em Portugal, porque esta tudo confinado aos parques industriais onde é tudo igual, frio, feio e plastificado e como é que se pode vender produtos artesanais desta forma?
Fale-me um pouco do movimento propriamente dito no nosso país.
VL: O mais antigo ao nível nacional é o do Alentejo, começa na Serra da Arrábida com uma senhora Cristina Christensen, uma portuguesa casada com um dinamarquês, que despoletou o movimento em 1999 e foi crescendo. Só se manteve o do Alentejo, no Algarve e na zona das Extremadura porque as pessoas assim que vem o logotipo do MSFA querem usa-lo no seu restaurante e não queremos nada disso. Uma das condições é o trabalho voluntário em prol da comunidade e não para se promoverem. Apenas promovemos belos petiscos. (risos).
E então para quem vive fora do Alentejo e quiser provar todas essas especialidades tradicionais, onde podemos encontrar toda essa informação?
VL: Isso é mais problemático, porque por norma funcionámos com as actividades que desenvolvemos. Fazemos provas para os nossos membros, como para os locais que fazem parte do mailing list, através do facebook, em slowfood Alentejo, não através da página web, porque somos tão lentos que não a actualizámos. Como é gerido por voluntariado é óbvio que sempre que organizámos actividades e passeios as pessoas vêm connosco. Contudo temos um certo receio em organizar um evento, e já nos aconteceu no passado, as pessoas que tem o símbolo do movimento e que tinham o nosso apoio descaracterizam-se, perdem o orgulho de defender a qualidade e então actualmente não damos os selos a ninguém, porque se agora a cozinha é boa, amanhã pode não ser, basta mudar o cozinheiro, ou alguém deixar de se esforçar, dir-me-á isso não serve para mim, porque eu quero ir ao Alentejo. Então vá ao facebook e envie um mail para saber quando é a próxima actividade. Recentemente estivemos na feira do slow food em Turim e a comitiva Moçambicana era maior que a portuguesa, até os Guineenses eram mais que os portugueses, Portugal não despertou para este evento que tem cerca de 200 mil pessoas a visitar 920 stands de comida de todo o mundo, era importante até levar até lá chefes de cozinha para terem a noção da dimensão deste movimento, olharem para a comida de outra maneira. É um local onde não se vem copos, pratos e cadeiras de plástico, onde é possível idolatrar a gastronomia sem a tratar mal, porque é uma coisa tão boa, tão linda que reflecte a cultura de um país, dos nossos antepassados e tratámos tudo isto com um certo desdém em pratos de plásticos e não pode ser assim. Os EUA têm 14 stands para receber visitantes, o Brasil 12 e Portugal esta junto com a Polónia e com a Roménia. Não despertámos para este tipo de oportunidades porque não aderimos a estas coisas. É uma luta contínua e com muito prazer digo desde já.
Qual é o seu prato preferido?
VL: Tenho dificuldade em dizer.
Que lhe lembra a sua mãe?
VL: A minha mãe fazia uma caldeirada de bacalhau com massa que era espectacular. Estes pratos fazem-nos relembrar momentos maravilhosos da nossa infância. É uma coisa deslumbrante, é a tal comida do tacho que sabia tão bem. Sabe, o que faço com os meus filhos? Para além de comerem a nossa gastronomia local e já que não podemos viajar pelo mundo inteiro, comemos as comidas do mundo, eles não podem dizer que não gostam antes de provar e depois aí sim, podem aprovar ou reprovar. Assim eles também são cidadãos do mundo, através da comida.





