Foi pioneiro de um certo tipo de comédia em Portugal e é um dos seus maiores expoentes para várias geração de portugueses. É o inimitável, intransmissível e inesquecível, maior que a vida, o Herman José.
Dizem que és o pai do humor em Portugal, esse epíteto pesa-te?
Herman José: Não, eu acho que sou pai de uma fase. Cada era da comédia tem uma espécie de paternidade, o primeiro grande pai do humor foi Gil Vicente, as peças deste autor para a altura eram atrevidíssimas, depois passado uns tempos quando começa a comédia portuguesa há uma paternidade teatral e nítida com o Bordallo Pinheiro e os seus desenhos, o Stuart Carvalhais e o próprio Eça de
Queirós com as suas crónicas. Depois entrámos com Vasco Santana e uma geração de notáveis, entre eles, António Silva com os filmes a preto e branco que ainda hoje se mantém vivos. Numa certa modernidade é o Raúl Solnado, há o Nicolau Breiner e venho eu a reboque e sou o primeiro a importar um humor anglo-saxónico, nesse aspecto sou pai dessa fase. Se calhar sou o último se quiser, porque da minha experiência nasceram todos o que são actualmente todos os bons comediantes portugueses e eles até concordam em dizer que sou a fonte de inspiração, o que muito me orgulha.
Sim, os que já entrevistei de facto referem o teu nome.
HJ: Há uma coisa muito importante que é o facto de me chamarem pai, eu digo vai chamar pai a outro, porque somos concorrentes. Enquanto eu mexer vão estar lixados, vou agarrar o meu lugar com unhas e dentes e quando eu sair vão estar marcadas as minhas unhas agarradas ao soalho a tentar não sair, porque efectivamente adoro o que faço e tenho um espírito concorrencial. O mercado é finito e só quem trabalha, tem competência e êxito é que existe, os outros ficam pelo caminho.
Consideraste um humorista ou um actor que faz comédia?
HJ: Por acaso acho que não sou actor, sou uma pessoa que tem necessidade de fazer rir, depois arranjo maneiras através da representação de arranjar expressão a essa necessidade. Basicamente é o que faço hoje, estar meia hora e meia de microfone a dizer os meus disparates, a cantar, lançar as minhas brincadeiras e isso sou eu. Diríamos que sou mais um entertainer que um actor, depois consegui com muito trabalho, imaginação e alguma disciplina desarrancar uma espécie de actor cá dentro que esta longe de ser genial. Por vezes um actor genial não é tão multifacetado como eu sou a fazer de velha, de jovem, ou de criança, o mais actor mais genial que conheci foi o Mário Viegas que só fazia uma personagem que era dele próprio, no entanto, é uma discussão um tanto quanto estranha, eu sei. Genial eu considero-me naquilo que faço e que eu apelido de entertaiment.
Há uma linha que separa o Herman José o entertainer do Herman pessoal e intransmissível? Porque quando és confrontado com as pessoas, os fãs, eles de certeza espera que os divirtas e faças rir?
HJ: Eu acho que já houve uma linha muito forte que separava os dois, de tal maneira forte que o profissional ia trabalhar contrariado, eu odiava fazer espectáculos nos anos oitenta, era um sacrifício, era mesmo sair para ganhar dinheiro, essa fronteira foi desaparecendo e hoje em dia não existe. Sou como na América e aquelas casas que não tem muros, na estrada começa a relva e vai dar logo à porta de entrada da vivenda, não tenho nem sequer uma sebe a separar um do outro.
Mas, porque nos anos 80 odiavas fazer espectáculos?
HJ: Porque eram duas pessoas, havia uma que queria ter uma vida própria e havia o profissional que precisava de ganhar dinheiro e sofria imenso com isso e essa barreira esbateu-se e hoje em dia sou a mesma pessoa. Trabalho com imenso prazer, tenho a maior paciência com as pessoas, não faço nenhum sacrifício, agora, no elevador quase que não saímos de lá, nem para a frente, nem para atrás, ou para os lados, porque todos queriam tirar selfies. É um momento único, maravilhoso, pessoas que não vão para lado nenhum, de repente estou ali e estão a ser bem tratadas, estão a ser recebidas com encantamento em vez da má disposição que uma vedeta é suposto ter, com o “não me incomode”, porque tenho de ensaiar. Eu, às vezes, passo situações ridículas como no Chiado, que ouvi um grupo que parecia que vinha cantar uma música minha, o “és tão boa” e pensei, bom, estou atrasado, mas vou dar autográfos e tirei uma caneta e quando passaram por mim, eram um grupo de espanhóis e estavam a cantar uma coisa parecida com a minha e que nem sabiam quem eu era e uma das senhoras até ficou com medo, pensando que estava a tirar uma faca, ou algo do género para a assaltar (risos). Portanto, ser conhecido em Portugal é bom e quando precisámos descansar apanhámos um avião, vamos ali num instante até Madrid, ou Ibiza, ou pegámos no carro e vamos para Badajoz e já ninguém sabe quem tu és e não me venham com aquelas angústias do artista que não tem vida. Olha, o Cristiano Ronaldo esta nessa fase, qualquer ilha do pacífico Sul que ele vá todos começam aos gritos.
Houve alguns momento nessa fases em que te olhaste ao espelho e não te reconheceste?
HJ: Não, mas houve muitos momentos em que me olhei no espelho e me senti menos daquilo que gostava que fosse, fases de grande desconforto, por me sentir encalhado e hoje em dia não sinto isso, mas sei que tenho muito que aprender e melhorar em muitos aspectos, mas sinto-me realizado artisticamente e por isso não tenho essa sensação desagradável de encalhamento, ou pensar o que estou aqui a fazer? Será que escolhi a profissão certa?
Como já referiste ao fazer uma resenha histórica sobre o humor em Portugal, tu foste o pai de uma fase em que fizeste coisas extraórdinárias e quando és abordado pelos portugueses que te dizem que fizestes algo menos bom e que és capaz de fazer melhor, eles cobram-te isso?
HJ: Não, meu maior problema não é esse, a informação é tanta, tanta, tanta, os canais são tantos que o que acontece é que muitas vezes fazemos coisas que nos dão muito trabalho e tem muita entrega e as pessoas pura e simplesmente não vêem, porque tem duas novelas no mesmo horário, isso é um bocado triste. Agora fiz uma série que adorei fazer, no canal público, “o Nelo e a Idália”, passou sempre no mesmo horário das novelas principais dos vários canais, nem sequer nos intervalos apanhava um espaço, é um produto que não tem capacidade de penetração que tinha quando havia dois canais.
Sim, mas as gerações mudaram, o teu programa passa na RTP play e aí tens uma nova audiência que não vê televisão da forma clássica.
HJ: Sim, mas ainda não fazem concorrência, ainda é uma minoria.
Então achas que não chegaste as novas gerações?
HJ: Não, eu cheguei as novas gerações, só que essas formas de vender arte não tem a força gigantesca que tinha a televisão dos anos 80 em que os programas chegavam a todas as casas, porque era obrigatório, mas era assim no mundo inteiro. O próprio Seinfield neste momento esta a fazer um programa no “youtube” o Jay Leno esta a fazer um show de carros também na mesma plataforma. Existem imensas coisas na televisão que passam perfeitamente despercebidas feitas pelos mesmo artistas que há 20 anos paravam à América. Os tempos mudaram, mas há algo que nunca mudou, são os espectáculos ao vivo, isso é fascinante, desde a Grécia antiga e o Shakespeare.
Mas, tu sente isso?
HJ: Sinto, continua a ser artesanato, como um bom vinho, ou uma boa pintura a óleo, nada o substitui e por isso é que é tão importante. Um músico só com uma guitarra em palco ou é o bom, ou não é e não pode enganar ninguém. Connosco é igual, sem maquilhagem, ou sem equipas, com um microfone em palco, ou és bom e se és mau as pessoas vão-se embora e essa arte mantém-se inalterada e até com mais dignidade do que há vinte anos e esse é lado bom da coisa.
És uma testemunha de várias décadas da mudança do humor em Portugal, muitos dos humoristas que entrevistei disseram-me que ainda estámos a evoluir e ainda não chegámos ao ponto de ser um país que valoriza o humor. Tens essa visão?
HJ: A minha visão é um bocadinho pior, acho que regredimos e ainda vamos a continuar a regredir.
A sério?
HJ: Sim, porque passámos a viver numa sociedade do politicamente correcto. Eu lembro-me que nos anos 90 eu fiz uma coisa que se fosse hoje era pelo menos um crime público, tinha tido pelos menos duas queixas, algumas na procuradoria geral da república e um longo mês de julgumento que fui acabar um programa com uma espingarda, na “roda da sorte”.
Eu lembro-me disso.
HJ: Lembraste? Parti todo cenário com uma caçadeira. Se fosse hoje em dia estava desgraçado, porque não tinha licença de porte de armas, porque a lei tal não permite e se calhar eram cinco crimes públicos. E hoje em dia vivemos na era do politicamente correcto, fazes um post no facebook a dizer assim, a Madeira estava linda, céu estava azul e vi coisas maravilhosas e esta tudo bem, assim que escreves, estive na Madeira e vi alguém a dizer mal de não sei o quê, mais não sei o que mais, é uma desgraça, começam os hate mails.
Há também uma maior exposição por causa das redes sociais.
HJ: Não só, as pessoas tornaram-se hipócritas, o sistema judicial tornou-se hiper nervoso, porque tudo é crime e agora o Quintino Aires decidiu num programa dizer o que pensava sobre a étnia cigana, embora possa não estar de acordo com ele e efectivamente não estou, ele limitou-se, com coragem, a dar a sua opinião e as próximas notícias já apontam que incorre num crime de prisão. Portanto, se tudo correr bem, ele talvez vá para a cadeia, pelo amor deus! Percebes? Chegámos a um extremo do politicamente correcto que vai piorar como na América onde tudo hoje em dia é passível de ser crime, há advogados que anunciam que podem processar seja sobre o que o for, contra quem for. No outro dia fui ao dentista em Nova Iorque e precisei de assinar quatro termos de responsabilidade, porque ia ser anestesiado, por causa da gengiva e mais não sei o quê, tudo por causa dos processos, já que, na saída do dentista há alguém a dar-te um panfleto a dizer para contactar a tal firma de advogados que pode sacar até um milhão de doláres ao profissional que se enganou. Esta exponencial patetice da sociedade faz com que a comédia seja cada vez menos livre, hoje em dia o que tens é um humor acéfalo, primário, sem coragem e que não é coisa nenhuma e os corajosos pagam um preço muito alto, muitos desistem e passam a ser eles próprios uma espécie de palhaços de todos os dias.
Tipo como o Rui Sines de Cordes, que tem um tipo de humor muito polémico?
HJ: Quanto tempo ele vai aguentar? Mas, acredito que não por muito tempo.
Mas, ele tem um tipo de humor que não agrada a muito público.
HJ: Sim, é verdade. Ele tem tantas coisas agressivas, eu acho que mais um ou dois anos desiste e passa a fazer coisas mais leves, como toda a gente.
Tu também fazes isso?
HJ: Eu sou diferente, eu já dei o meu corpo às balas na altura própria, levei todos os tiros possíveis e não tenho mais espaço, já disse em várias entrevistas que agora a minha especialidade é “feel good humor” pôr as pessoas bem dispostas, felizes e sem qualquer tipo de confusões. A minha fase das agressões já passou, agora, quero colocar o maior número de pessoas em volta de uma coisa saudável chamada gargalhada.