Qual é a importância de uma prova como a de Badwater no seu percurso?
CS: A "Badwater" é uma das provas mais extremas à face da terra. Está localizado a cerca de 855 metros abaixo do nível do mar, é onde se regista uma das temperaturas mais altas do nosso planeta, e eu tive de percorre-la com temperaturas acima dos 50 graus celsius. O que um ultramaratonista procura ao colocar-se um desafio destes? Costumo dizer que ando à procura dos meus limites, só que ainda não os encontrei, portanto é esta vontade que temos de nos superar nas nossas actividades. Isso pode ser transmitido para a população em geral, como uma vontade incansável de querer superar-se no seu próprio dia-a-dia, das coisas que não estão fluir convenientemente no emprego, ou nos estudos. Então, devemos dar muito mais de nós para conseguir os nossos objectivos. Na ultramaratona procurámos isso, ir sempre mais além e se conseguirmos correr 100 km sem parar, porque não correr 130, ou 200 km e superarmos a nós próprios? Para isso é preciso muito treino, muita vontade e muito querer, são valores que estão patentes na nossa mente e na nossa humildade como corredores.
Qual foi a maior dificuldade que sentiu neste percurso em particular?
CS: Por volta das 5 horas de prova, às 15 horas tínhamos a temperatura mais elevada do dia cerca de 54 graus celsius. Na estrada estavam cerca de 76 graus, ou seja, o alcatrão começa a acumular toda aquela energia e depois liberta esse calor por nós acima e tudo isso coincidiu com um grande desnível, uma parede de 1500 metros. Agora, imagine o que é correr da Covilhã até a torre da Serra da Estrela, ou subir do Funchal até o Pico do Areeiro, mas com o dobro da distância, com o calor e o vento adjacente montanha abaixo com uma velocidade de 70 km/ hora de frente. Foram consequências que aconteceram todas ao mesmo tempo e que criaram-me problemas não só físicos, como psicológicos muito grandes. Tive de ultrapassar esse momento, de não perder o ritmo, com uma vontade de querer, mas também graças a equipa de apoio e consegui uma grande marca num clima tão extremo.
É necessário um equipamento especial para este tipo de provas?
CS: Sim, este tipo de prova tem uma grande componente de preparação, porque sem esse trabalho nunca conseguiria termina-la. Primeiro, uma equipa que nos acompanha, são 4 pessoas, que tinham de estar constantemente a dar-me alimentação e hidratação. Estamos sujeitos nestes percursos a uma desidratação enorme, eles tinham de estar a banhar-me constantemente com água gelada a cada 300metros, para arrefecer a temperatura corporal. Imagine novamente o que é o corpo que tem de possuir uma temperatura equilibrada entre os 36, 37 graus e se com 38, ou 39 graus as pessoas já se sentem zonzas ou com febre, nós que estamos inseridos num ambiente que é muito superior a essas temperaturas, com um corpo em exercício que não consegue libertar esse mesmo calor produzido pelos músculos, logo tem de ser arrefecido. O trabalho dessa equipa era banhar-me com água gelada e meter-me gelo na cabeça e no pescoço, era necessário arrefecer também as glândulas que temos nesta área e que são responsáveis pelo transporte de muita quantidade de sangue ao cérebro. Este órgão não tolera uma mudança superior a 1 a 2 graus e temos que ter em conta que também uma grande quantidade de energia esta a ser gasta e sem esse trabalho não seria possível, até a organização também o não permite, eles são tão ou mais importantes como o meu desempenho físico nessa prova. O equipamento também é essencial, a Berg Outdoor desenvolveu uma camisola, que até ganhou um prémio internacional, com uma tecnologia que liberta um químico, que basicamente ajuda a libertar mais a transpiração, temos uma sensação de frescura, ajuda a baixar a temperatura do corpo até 10 graus, parece que não é muito, mas dá-me um conforto muito grande.
E as sapatilhas?
CS: A borracha das solas aguenta mais de 100graus celsius, mas no final de uma prova destas as sapatilhas estão prontas para ir para o lixo, já que sofrem um enorme desgaste e é comum os atletas as trocarem para ter os pés também arrefecidos, o que é muito complicado. Numa corrida normal, num ambiente normal, a maior parte das pessoas ganha bolhas, agora, pense no que é correr com estas elevadas temperaturas, por isso estamos sujeitos a todo um conjunto de fatores que são difíceis de explicar. Há também muita ciência por detrás de tudo isto para conseguir cumprir com todas as regras e levar a bom porto estas metas não só para mim, como também para Portugal.
Há alguma exigência por parte da organização do Badwater? Algum exame que seja obrigatório e que em caso negativo impeça uma pessoa de participar?
CS: Sim, em quase todas as ultramaratonas, que são provas de uma exigência física muito grande, nos temos de apresentar uma série de exames, como radiogramas, que comprovem que estamos aptos para iniciar essa catividade. Esta prova em particular, a organização "exige", ou aconselha que na equipa de apoio esteja inserido um médico. Eu tenho a sorte de ter um amigo que se disponibilizou para fazer parte do staff e ele foi preponderante para a pior fase do percurso que referi a pouco, devido a vários problemas que estavam a acontecer ao mesmo tempo, acabei por não conseguir digerir o alimento e estava a entrar em falência completa ao fim de algumas horas. Ele acabou por dar-me medicação e acelerar o processo de reactivação de um órgão que estava a ser esquecido, o estomago. O nosso cérebro comanda todos os sinais vitais como o coração, mas os restantes órgãos são "desligados", foi isso aconteceu.
A medicação de que fala é aprovada pela organização para evitar casos de doping?
CS: Sim, há medicação permitida. No final da prova há controlos anti-doping dentro dos parâmetros de qualquer corrida.
O Carlos Sá foi o primeiro português a vencer esta prova?
CS: Sim e creio que também o primeiro a participar. As pessoas são convidadas para o "Badwater" pela organização. Pagámos uma inscrição na mesma, mas eles fazem uma selecção, primeiro nos EUA e depois algumas pessoas de elite do resto do mundo. Eu fazia parte desse grupo, tive a sorte de ser convidado e ser logo vencedor na minha primeira experiência. Deixei as pessoas nos EUA um pouco admiradas.
Qual é o seu próximo desafio?
CS: O próximo desafio é recuperar de uma época fantástica e emocionante e tentar em 2014 com um bom planeamento ter tão boas conquistas como este ano que passou.
É atleta a tempo inteiro?
CS: Sim, há dois anos. Estou também ligado a eventos de desporto que ajudo a organizar.