Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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O homem sereno

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O actor João Didelet é um dos rostos mais reconhecidos da televisão portuguesa. Com uma carreira assinável em várias áreas artísticas, celebra os seus cinquenta anos, com a noção que ainda há muito por fazer e não tem arrependimentos quanto a sua vocação.

O João Didelet representa muito o português comum, é o estereotipo do típico luso, identifica-se de certa forma com esse retrato que o público tem de si?
João Didelet: Vou ser sincero, é a primeira vez que me colocam essa questão. O que que eu acho? Na realidade eu tento sempre que de alguma forma as minhas personagens sejam baseadas no quotidiano, agora se consigo nessa abordagem interpretar o que é o ser português, fico contente. Mas, nunca foi de uma forma racional, por princípio gosto de observar o que me rodeia e depois de acordo com isso construo uma personagem, vou po-lo em prática, se isso representa o que é ser português fico satisfeito com esse epíteto.

Divide-se entre a comédia e também já fez alguns papeis dramáticos, qual é a sua área preferida? Embora, o público associa-o mais uma vez à comédia.
JD: Eu acho que como actor, no sentido global e lato da questão, eu sinto a necessidade de ir até outros registos. Gosto de fazer rir, de sentir uma plateia bem disposta, de soltarem uma gargalhada espontânea por causa do que eu e os meus colegas fazemos em palco e sinto-me bem com isso. Também é verdade que me completa como actor fazer o lado menos solar, menos brilhante da vida, porque nos rimos, mas também chorámos ao longo da nossa existência, nesse sentido sinto necessidade de ir até esses registos e já tive essa experiência, não é só bom o ouvir rir, mas também o silêncio, a capacidade de as pessoas de respirarem e de verterem uma lágrima connosco, também faz parte.

Mas, esta a falar do teatro. É o seu meio preferencial?
JD: Estou a falar do teatro, porque é uma referência. A nossa relação com o público é mais imediata. Na televisão começámos a gravar antes de ir para o ar e só ao fim desse tempo é que temos a noção de como a personagem chega ao público, como é que elas nos vêem. O teatro tem esse fenómeno de que se as pessoas se riem gostam da comédia, se não gostam choram connosco quando é um drama, é no momento. A televisão é a posteriori, fazemos a série, ou uma telenovela, ou uma sitcom que vai para o ar dois ou três meses depois e só nessa altura quando estamos a passear na rua as pessoas vem ter connosco para darem o seu feedback, há um hiato de tempo. Por isso, é que às vezes quando nos perguntam pelas referências em termos de público remetemos essa experiência ao teatro. É verdade que sou muito acarinhado e as pessoas vem sempre falar comigo, acontece-me a esse nível, quando uma novela, ou uma série é um grande sucesso podemos dizer que temos um milhão ou mais de pessoas a ver-nos. O teatro tem uma dimensão mais reduzida, embora seja mais directo.

Existe alguma personagem que ainda não fez que gostava de interpretar como actor? Ou acha que não tem a maturidade para a fazer ainda?
JD: Neste momento que tenho cinquenta anos já me atrevo a dizer algumas (risos). Por exemplo, gostava de interpretar um rei Lear do Shakespeare, de fazer “ À espera de Godot”, isto no teatro. Mas, também apreciava filmes que abordassem mais a nossa história, por exemplo, que se ficciona-se um pouco as épocas mais recentes.

Então qual seria a personagem histórica portuguesa que gostaria de representar?
JD: Eu gosto muito de poesia, embora não tenha físico para isso, gostava de interpretar Luís de Camões, embora já tenha sido feito nos final dos anos 40 início dos 50. Quanto as personagens mais recentes, já tive a sorte de interpretar o Mário de Sá Carneiro que é um poeta que gosto muito e aprecio a primeira república e não estou a falar de uma fase específica, foi época que esteve ligada a primeira guerra mundial. Fala-se muito pouco desse tempo muito conturbado da nossa história, era um tempo em que as pessoas vinham para a rua, havia levantamentos armados e não se reflecte muito sobre isso. Há também uma personagem do Estado Novo, o António Ferro, é uma personalidade mística porque avaliava a cultura e conseguiu reunir pessoas à volta dessa causa, essa ideologia que depois dispersaram, ele foi de alguma forma afastado, era uma pessoa ambígua, isso teria alguma graça de interpretar como actor.

Então não gosta de personagens lineares? Gosta de personagens com nuances?
JD: Na realidade quem é completamente bom? Ou mau? Não estou a falar de novelas, estou a abordar a vida real e nela as coisas não são tão preto no branco, as pessoas são mescladas, não são uma coisa ou outra, esse aspecto também representa a riqueza humana. E acho graça aos personagens que evoluem e tem capacidade de aprender com os seus erros, isso eu gosto, logo aí se nota que não aprecio interpretar personagens iguais, porque faz parte do ser humano ir aprendendo com a vida, crescer, temos uma essência de facto, mas se formos seres pensantes estamos aptos para reflectir com as experiências, vamos ser capazes de alguma forma ir modificando e corrigindo o que fazemos de errado. A partida não gosto de personagens lineares, é sempre a mesma coisa do princípio ao fim.

Abordou que fez cinquenta anos, olhando para atrás, qual é a reflexão que faz? Olhando para essa carreira que já é longa.
JD: Não é assim tão longa, sou um menino (risos). Temos de ter algum distanciamento, capacidade crítica e não podemos destruir o que fazemos, nem o que já fizemos. Temos que aprender, não sei sinceramente se isso vem do teatro, que é a minha escola, tento sempre deitar fora aquilo que fiz no passado, não é recusar, é de alguma “despir-me” para usar outra roupagem, se bem que, às vezes até posso usar alguma dessa roupa, porque acontecem as ligações, é como a vida virtual há links por assim dizer. O ser actor é uma luta, é uma renovação, não podemos estar à sombra da bananeira. Acho que é perigoso, temos de pôr-nos em causa.

E reportando-nos um pouco a televisão. Já fez tantas séries e telenovelas, fazendo uma retrospectiva o que nota?
JD: Eu acho que houve uma grande evolução técnica, dos actores e até das histórias.

Mas, fala-se que na escrita dos guiões ainda há muitas lacunas, em termos de núcleos de personagens como acontece nas novelas brasileiras.
JD: Às vezes, a escrita é posta à prova, criticada e alvo de muita contestação. Mas, a verdade é que eu não gostaria de estar na pele de um autor de telenovela, no sentido em que quando se começa a escrever um argumento até se produzir há um tempo tão grande e a escrita é das coisas mais difíceis de fazer. No fundo se pensarmos num prédio, são as fundações e tem de ser bem seguras ou o prédio vêm-se abaixo, para escrever é necessário tempo, pesquisa e algum investimento e nem sempre há esse espaço. Na escrita há fragilidades, claro que sim, e nós quando recebemos os argumentos tentámos colmatar essas falhas, com a ajuda de toda a gente, todos tentam fazer o melhor possível. Diz-se que existem lacunas, se calhar, quando se diz a um grupo de argumentistas daqui a um mês estamos a gravar e o tema é x, é impossível não haver falhas.

E para o João, como actor, o que melhorou ou piorou?
JD: De todas as novelas e séries em que participei com maior sucesso, noto que há um maior cuidado na pré-produção, no tempo antes de gravar a novela. Quando se tem esse espaço para escrita, a realização e a produção para fazer uma boa selecção de cenários e decórs reais e quando tudo é pensado com algum tempo, corre melhor. Mas, também entendo que para quem esta a investir o tempo é dinheiro, há sempre essa urgência de ver as filmagens e o primeiro episódio já montado e isso cria uma certa pressão. A verdade é que se não prepararmos tudo muito bem antes se calhar gasta-se mais dinheiro e perdem-se mais energias. É um mundo muito complicado, porque existe muito investimento financeiro, depois estamos numa altura de crise e as pessoas ficam nervosas, mas a verdade é que eles também escolheram essa área para investir e tem de haver um equilíbrio.

Não se arrepende de ser actor em Portugal?
JD: Não, temos de lutar pelas coisas.

Se não tivesse sido actor que profissão teria seguido?
JD: Provavelmente biológo marinho. Era o que pensava ser no liceu, gosto muito das ciências e do mar. É algo que não me deixa indiferente, leio alguns artigos e quando posso gosto de investigar. Não fiz disso a minha vida, mas não é algo distante de mim.

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