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O paladino do teatro

Escrito por 

joo carv

João de Carvalho vive em função dos palcos. Alimenta-se da adrenalina quando pisa o cenário, bebe das palavras que profere para o público e respira através dos personagens que transpõem para cena, talvez, por tudo isso seja, um dos maiores nomes e defensores do teatro português, para além de encenador, produtor e professor de uma das mais antigas e honradas profissões do mundo.

 

Como é fazer parte de uma família de várias gerações de actores e artistas?

João de Carvalho: De actores, militares e artistas. A minha avó era pianista concertista. Meu pai é o terceiro de cinco irmãos, dos quais três são actores, a minha tia Maria Cristina, o meu tio João de Almeida e claro, o meu pai. Só os outros dois é que não foram, um é militar tal qual o meu avô e o outro é alfaiate. Depois a continuidade veio comigo e tenho um sobrinho que também pretende seguir a carreira artística.

Era inevitável?

JC: Não era inevitável tanto que a minha irmã é jornalista, um dos meus filhos é geólogo e o outro é piloto. A nossa família está muito ligada às artes, porque apesar do meu avô ser militar gostava muito de música, casou em segundas núpcias com uma pianista extraordinária, o que faz com que sejamos um pouco melómanos. Os artistas acabam por gostar de todas as artes. Eu tenho algumas limitações minhas, mas também toco, gosto de música, não de toda, é preciso que tenha alguma qualidade, mas respeito as diferenças.

Para além de actor, é encenador, é produtor e é também professor. De todas estas áreas relacionadas com as artes, qual é a que gosta mais de fazer?

JC: Ser actor. A transformação que acontece em cima do palco é indiscritível. Eu dou o exemplo, eu vou para um espectáculo cheio de dores dos dentes, ou com ciática, ou saindo da unidade dos queimados e quando chego ao palco, nada, ao sair volta tudo outra vez. Essa é a mágica. É o tu estares cá fora e dizeres: não me apetece fazer isto, entras e de repente tudo mudou, tens o público à tua frente, sentes o respirar de uma plateia, sentes as pessoas a apoiarem o teu trabalho e ao princípio até vinhas maldisposto de casa, mas assim que passas as asas laterais do palco, dos bastidores e entras para a luz, tudo desaparece. Não há nada que pague essa sensação. Nem na televisão, nem no cinema, o palco dá-nos tudo.

Nota alguma diferença, como formador, entre as novas gerações de actores e as restantes?

JC: Não noto. Sabes que a uma determinada altura fala-se do conflito de gerações e não sempre isso acontece. As gerações mais antigas percebem que é preciso uma certa continuidade. O meu pai, Rui de Carvalho, já falou sobre isso, é preciso a troca de experiências, nós precisámos dos jovens para provar-nos a nós próprios, transmitimos o conhecimento da técnica, que é o que temos e o passámos isso aos mais novos. E ganhámos todos com isso, porque já não se representa como nos anos 40, mudámos por completo. Há uns anos dizia-se que os actores em Portugal não sabiam fazer televisão, que eram muito teatrais, agora somos tão ou melhor que os brasileiros. Houve uma aprendizagem, na base está sempre o teatro que tem essa pureza de experiências a partir da exuberância dos jovens, do novo e do louco, é tal é qual como dizia Dali, a diferença ente mim e um louco, é que eu não sou louco. A loucura tem de existir sempre. O artista nunca deve perder a criança, perder a fantasia, perder a magia é perder tudo, mais vale fazer outra coisa qualquer.

Há pouca escrita para teatro em Portugal, poucos jovens escritores, porquê?

JC: Há poucos autores em Portugal, porque nunca tivemos um grande historial de dramaturgia no nosso país. Somos um povo de poetas, de escritores, mas nunca de dramaturgos. É preciso ter uma veia teatral, temos prosa, quando lemos Eça temos de o imaginar em palco, um bom dramaturgo pode fazer uma boa adaptação. Contam-se pelos dedos das mãos os autores para teatro, o que é uma pena, porque temos a revista, que tem um componente muito critica, muito relacionada com o teatro vicentino, mas que foi perdendo essa capacidade e quando chegou o 25 de Abril de 1974, acabou tudo. Ninguém escreve para teatro. Neste momento, a peça que estou a fazer são de dois autores espanhóis e fez-se uma adaptação. Os espanhóis continuam a ter autores novos, rapazes novos, Eduardo Galàn e Pedro Gomez são jovens. Tivemos um dramaturgo que ganhou um prémio e que se matou logo depois, qual é a saída?

Muitos consideram que este é um dos períodos mais negros do teatro em Portugal, partilha de esta ideia?

JC: Não, não. O teatro em Portugal esta sempre em crise.

Rui de Carvalho: Houve um homem revolucionário, numa altura em que só existia o Teatro Nacional e mais nada, que era o Vasco Morgado. Na sua loucura investiu tudo o que tinha no teatro e conseguiu levanta-lo e anima-lo.

Então o que faz falta ao teatro na actualidade?

JC: É cativar os jovens nas escolas. Nas aulas de português é essencial mostrar que é atractivo o ingresso nas artes, depois como não acontece isso, não há teatro juvenil, á séria. Lembro-me que no teatro nacional formou-se um agrupamento para jovens e foi um êxito. Puseram-se vários autores, um Carlos Ferreira, um António Torrado, estou a falar de autores consagrados de literatura portuguesa, a escrever dramaturgia. A Maria Alberta Meneres faz uma adaptação linda de "falar verdade a mentir" do Almeida Garrett, não desvirtuando o texto, transformando-a num musical. Foi dos espectáculos que mais deu dinheiro à D. Maria II e depois acabaram com ele.

Então é uma boa gestão que falta?

JC: Eles não percebem nada de teatro. O teatro vive dos seus elementos artísticos, actores, técnicos, autores e músicos. O teatro nacional acabou, mas ficaram lá os burocratas todos, a ganharem fortunas, tanto como quando havia uma companhia. Mais, tem um orçamento de peso e não faz sequer uma produção, porque tudo o que tem é anterior.

RC: Tem 123 pessoas e só 23 são actores.

JC: Tu não podes começar dar as pessoas teatro de vanguarda, tens de ensinar as pessoas a gostar. Começas por baixo, pelos mais jovens. Eu dei aulas no secundário e a primeira coisa que ensinei aos meus alunos foi ir ao teatro. Comecei a leva-los a ver um Óscar Wilde, um Almeida Garrett, grandes autores para o palco. Actualmente, são todos grandes espectadores de teatro, não conheço nenhum que falha, até porque pode aparecer aqui e ali algum bom actor. Agora, foram feitos, criados e orientados por mim para serem amantes de teatro. Essa é base. Os jovens, com pouco mais de vinte anos, estão todos a voltar ao teatro. Estão fartos dos talk shows e de estar à frente da televisão. Eles vão a tudo. Crise é uma coisa de que se fala muito, é mais questão económica. Um teatro que cobra doze euros para assistir a um espectáculo de duas horas, não é nada de extraordinário. A diferença que se nota em relação á geração anterior, é que os jovens vão, rapazes e raparigas, antes era só as mulheres que iam ao teatro e os homens iam ao futebol.

Qual é o futuro então do teatro no nosso país, continuar a ser financiado pelo Estado, ou as companhias vão ter ir buscar sempre formas de financiamento?

JC: O Estado deve apoiar. Um teatro independente é o mais dependente de todos. Eu concordo que haja um apoio, mas as companhias devem trabalhar para captar público, porque senão é a teoria do Carrilho, o teatro é só para uma elite. Mas, o teatro não é apenas para alguns, é para o público em geral. Temos de dar aquilo que eles querem ver. Em Espanha fizeram um referendo ao povo perguntando se queriam manter a zarzuela e o público disse que sim e eles renovaram-na. Cá nos estamos acostumados a companhias que fazem uma ou duas produções que podem ser muito boas e eu não ponho isso em causa, mas gastam o erário público para pagar os ordenados. Devia haver dinheiro para as montagens. Na minha produção eu não preciso de muito, só quero que me abram a porta, que fiquem com 10% no valor dos ingressos, mas que nos ajudem na divulgação, mais nada. Agora, se não aparecer nada a publicitar os espectáculos é mau. Estive no último fim-de-semana na Póvoa do Varzim, no casino, uma semana antes, eles espalharam cartazes nos cafés e nos mopis e tivemos casa esgotada. Não é preciso muito. Aquilo foi uma pequena ajuda.

Na Madeira, acha que o trabalho feito em prol do teatro é pouco? Frisou o facto das companhias provenientes do continente não conseguirem montar espectaculos no teatro Baltazar Dias.

JC: Há quanto tempo não tens um espectáculo de teatro aqui? Antigamente esta casa tinha um protocolo de colaboração com o teatro nacional. Acordo esse que terminou e os espectáculos que cá estiveram foram nessa remessa e a partir dessa altura deveria ter-se procurado alguma solução, temos que reactivar isto, é possível que funcione, não se pode perder esta dinâmica. Criou-se o hábito de dizer que os madeirenses não gostam de teatro, é treta. Gostam e prova disso foi o "passa por mim no rossio" com casa cheia. É preciso criar o costume e isso dá trabalho. No meu concelho, em Vila Franca de Xira, havia uma casa que era a sociedade filarmónica de recreio alverquense que estava as moscas, comecei pouco e pouco a levar companhias para fazer teatro, primeiro um Fernando Mendes, uma Marina Mota e depois o João Lagarto e as conversas sobre Eça de Queirós e o que acontece? As pessoas começam a vir e acabam por voltar para ver os outros espectáculos. Todos os meses as pessoas se habituaram a ver teatro em Alverca. Aqui precisam de fazer o mesmo, este teatro é lindíssimo. Claro, que tem alguns custos para a Câmara, mas são compensados, por ver esta casa com as suas portas abertas e com obras teatrais de grande calibre. Acho que ia ser maravilhoso.

Fale-me um pouco desta peça que esta em tournée pelo país. A curva da Felicidade de Eduardo Galàn e Pedro Gomez. O que o atraiu neste texto em concreto?

JC: É um texto muito engraçado. É uma conversa de homens sobre mulheres. Trata-se de um homem que é abandonado pela mulher e que vai ter que vender o apartamento, há vários compradores, um deles é até um amigo de infância e toda a peça gira em volta desse espaço e a negociata que os outros querem fazer, o amigo inclusive que sem grandes escrúpulos quer ficar-lhe com o apartamento. Muita gente se vai rever em várias ocasiões. É um texto que as mulheres adoram, principalmente as mais velhas que já viveram algum tempo com homens.

Porque falam mal ou bem de nós?

JC: É assim, falam mal, mas não podem viver sem elas. É um pouco à maneira dos Monty Phyton. Tem um final engraçado e vão ver quatro cromos, quatro malucos que decidiram fazer este espectáculo de qualidade. O próximo é no Porto, no Rivoli, a partir do dia 13 de Outubro, gostava de vir até a Madeira e os Açores.

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