Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

O resistente

Escrito por 

Tiago Pereira criou um projecto sem final à vista que celebra a agradável variedade da música portuguesa, intitulada “ a música portuguesa a gostar de si própria” e agora embarca num nova memória visual de um país, através do “ciclo da lã em tempo real” e em breve pretende elaborar uma recolha em vídeo sobre a guitarra campaniça.

Como é que nasce a ideia da “música portuguesa a gostar de si própria?

Tiago Pereira: Eu nasci numa família de músicos e portanto sempre estive perto da música tradicional, porque o meu pai tocava cavaquinho e em criança já ia ver os constructores de instrumentos e lidava com essa realidade. Antes de começar a fazer vídeos e filmar, já gravava sons, tinha um “mini disc” e andava pela rua a captar sonoridades e conversas. Em 1998 gravei um senhor que imitava som de acordeão e isso despertou-me a ideia de gravar músicos, depois comecei a filmar também os músicos de rua, fazia muitas recolhas etnográficas pelos país e gravava também pessoas a cantar. Em 2008 fiz um filme do B Fachada a cantar, em Trás-os-Montes, em cima do telhado, ao pé dos sinos que se tornou viral e em 2011 ao ver os filmes no “blogotec” comecei a perceber que já fazia aquilo tudo muito bem sem dar um nome, que possuía um arquivo e achei que gostava de fazer algo que tivesse a ver com o estado do país em relação a sua cultura. Como tinha feito um documentário sobre “o significado da música portuguesa gostar dela própria”, decidi, criar um canal de vídeo em que filmava as pessoas na rua como se fosse num palco e mostrava todo o tipo de música que existe em Portugal, mais a portuguesa.

Daí o nome? Achas que não se valoriza a música portuguesa?

TP: Não é uma questão de não se valorizar, um estudioso tinha uma equação que afirmava que a música portuguesa não tinha qualquer tipo de autoestima e que havia um hiato em que o nosso estudo tinha-se perdido, ou seja, há um momento em que as recolhas não se tinham estudado, nunca se tinha aprofundado, divulgado e tornado comercial a partir de um determinado momento. Nós sempre fomos muito permeáveis as influências de outras culturas musicais desde sempre. A grande questão da “música portuguesa a gostar dela própria” é debater é o porque de estarmos mais próximos culturalmente de um negro que canta nos EUA no meio do nada, do que de um senhor que canta enquanto cava batatas em Maçainhas? Sempre estivemos mais perto de uma cultura musical anglo-saxónica do que uma cultura musical popular portuguesa e, isso num país tão pequeno como o nosso, não se entende. A música portuguesa não se conhece a ela própria, não se sabe o que se faz em outros sítios e como tal não pode gostar dela própria, nesse sentido nasce o conceito e tem essa terminologia. Não quer dizer com isto que considere que Portugal tem menos autoestima em relação a sua cultura popular, por mais anos que tenha passado o 25 de Abril, o preconceito em relação ao fascismo e que de certa forma as pessoas não esqueceram, é uma espécie de subconsciente colectivo, aplica-se a ideia de que o rural é pobre e como tal é uma pobreza de espirito estar ligado as estas questões, como o artesanato, a manufactura e isso estende-se à música. Cada vez mais vivemos num mundo em que isso não sinónimo de pobreza, mas sim de riqueza cultura e a verdadeira economia que se pode desenvolver a partir daí. Por isso, assistimos ao aparecimento do artesanato contemporâneo, porque as pessoas estão a voltar a essas origens, mas as pessoas mais velhas, de um determinado extracto social, acham que isso é pobreza. Nós vivemos num país em que as mantas em Minde eram feitas em muitos dos teares que havia na aldeia, todas as pessoas tinham um tear em casa, actualmente só existe um e de repente há uma encomenda da Alemanha que pretende 300 num mês, mas não há pessoas e teares para faze-las. É um contrassenso, há o preconceito e a música popular segue o mesmo trajecto, ela já podia ter singrado e saído para fora, mas só se ouve o fado da Amalia e nada mais há para além disso.

É um projecto em aberto? Vais continuar a gravar estes músicos ou vais parar a um dado momento?

TP: Sim, o projecto não tenciona acabar. Em Portugal há que resistir e nós somos resistentes.

Em paralelo, tens um outro projeto que é a “lã em tempo real”.

TP: Sim, tenho-o com a Rosa Pomar e basicamente documentámos os ciclos da lã em Portugal e deslocamo-nos a vários sítios para ver as pessoas dobar, estivemos na Madeira a filmar uma senhora a fazer uns barretes de vilão, nos Açores gravamos outra senhora a fiar com uma roca apoiada e ver e em Fernão Joanes fomos ver como se fazem os enfeites das ovelhas para a festa de Maio onde os animais são benzidos pelo padre.

Fazes toda esta recolha como uma espécie de memória visual do teu país?

TP: Sim, eu faço isso quer ao nível da música, quer no ciclo da lã e às vezes outras coisas, quando encontrámos pessoas que fazem peças de artesanato com madeira. No ciclo da lã entrevistamos também ferreiros que reparam os instrumentos de trabalho. A ideia é colocar online a memória visual do país. A “música portuguesa a gostar dela própria” é uma memória colectiva da sua sonoridade e depois nos outros projectos também promovo a cultura portuguesa.

Então, porque destacaste a guitarra campaniça?

TP: Ainda não o fiz, abri uma campanha de fundos para fazer um documentário sobre a guitarra campaniça e vou participar num concerto no music box para angariar dinheiro para esse filme, porque esta longe da meta. O que me interessa nesta temática é que esta viva, há muitas pessoas e jovens a toca-la e por isso mesmo deve ser documentada. Saber o porquê dos jovens continuar a tocar, o que os mais velhos sabem sobre ela e falar com constructores. Ao mesmo tempo também acabei um documentário sobre as “chamarritas” no Açores e esse filme vai passar no Doc. Lisboa e é sempre uma vitoria ver estes filmes, torna-los visíveis e leva-los para outros públicos.

Que outros projectos têm em andamento?

TP: Eu sempre tenho outros projectos, “a música portuguesa a gostar dela própria”, partia do universal e ia para o particular e agora vamos fazer o contrário ir cada vez mais para o particular, por exemplo, estive em Montemor a gravar todos os músicos que encontrávamos em todos os géneros possíveis, desde o jazz, ao experimental, as filarmónicas, as fanfarras dos bombeiros e até grupos pop, depois fizemos um espectáculo que misturava todos os vídeos desses grupos e já podemos fazer isso noutras zonas do país.

É tipo tournée?

TP: Não, é ir para um sítio e gravar tudo o que existe. Por exemplo, ir até a Camacha e gravar tudo o que há em termos de música nessa localidade, ou ir até o Faial, nos Açores e fazer o mesmo.

Quando começaste a “música portuguesa a gostar dela própria” qual foi o feedback das pessoas? Não falo só ao nível nacional, o que te diziam? Ficavam espantadas?

TP: Continua a ter um grande boom mediático, desde o princípio foi assim. Durante muito tempo tivemos 2000 visitas diárias, agora baixámos porque não tempos um vídeo por dia, e quando voltarmos a colocar, volta a subir. Os filmes já passaram em Santiago de Compostela, na Alemanha e são vistos um pouco por todo o mundo. Especialmente no Brasil foram sempre bem aceites, nos blogs especializados, ficavam espantados como é que um país tão pequeno tem uma diversidade tão grande e tão antagónica. Nós lutamos muito por isso.

http://amusicaportuguesaagostardelapropria.org/

http://vimeo.com/38127651

http://massivemov.com/projectDetail.php?idProjecto=272

Deixe um comentário

Certifique-se que coloca as informações (*) requerido onde indicado. Código HTML não é permitido.

FaLang translation system by Faboba

Eventos