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Os bravos do cinema documental

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Brava Dança é um documentário sobre uma banda pop-rock portuguesa, os Heróis do Mar. É o registo de uma era, da música e de um certo ambiente cosmopolita que se vivia no Portugal dos anos 80. É o olhar contemporâneo dos cineastas Jorge Pires e José F. Pinheiro sobre um período marcante em termos da história musical do nosso país.

Como surgiu o projecto do Brava dança?

Jorge Pires: Fui no final do século passado e fui um desafio que criamos para nós próprios de fazer um filme que ainda não tinha sido feito cá em Portugal e levou-nos seis anos a faze-lo. Queríamos fazer um filme que fosse digno, inteligente e que tivesse alguma coisa de sensato para mostrar as pessoas, basicamente foi isso.

Porquê demorou seis anos?

Jorge Pires: Ah! Isso é uma conversa mais longa! Mas para isso vou passar o gravador ao Zé Pinheiro e ele explica.

José Pinheiro: Levou esse tempo porque foi o tempo que levou a cozinhar, tem a ver com o facto de que na altura haveria um apoio financeiro, mas depois não houve, foi cancelado durante dois anos. Ganhamos, mais tarde,  um subsídio e aí acabamos o filme, que aliás já o tínhamos começado.

Jorge Pires: Depois tivemos muitas dificuldades em obter imagens da banda.

Mas, eu recordo-me de ter visto várias entrevistas dos Heróis do Mar

Rui Pregal da Cunha: Sim, mas isso não dava para o filme.

Jorge Pires: Eram coisas de televisão. As perguntas eram sempre limitadas. Havia poucas imagens, básicas e rápidas, de circunstância, era a televisão dos anos 80.

José Pinheiro: Eles iam aos programas para encher os buracos. A música e a conversa é a forma mais barata de encher espaço na televisão.

Jorge Pires: Ninguém fala de música. Música feita por portugueses. Nós rapidamente enfrascamos coisas que vêm lá de fora. E a relativamente as pessoas que estão cá não ligamos nenhuma. Nós sofremos do mesmo problema, a falta de imagens de arquivo, falta de tradição de memória audiovisual e auditiva, falta de condições como é óbvio. Não havia muita gente a filmar.

Rui Pregal da Cunha: No entourage havia só duas ou três pessoas com câmara de vídeo.

Jorge Pires: Mas, ainda voltando a primeira pergunta, decidimos fazer um filme que era um desafio mais impossível na altura, porque era fazer um filme sobre uma banda que já não existia a dez anos, da qual não havia praticamente imagens e sobre a qual mais ninguém se tinha interessado. Parecia até que não tinha existido. E isso para nós era um desafio interessante.

Qual foi o feedback do documentário, porque há toda uma geração que cresceu com essa banda do rock português, porque até ali era tudo banal?

Rui Pregal da Cunha: Não creio que fosse banal, a música portuguesa ouvia-se, as pessoas compravam música portuguesa e estavam interessadas em música cantada em português. Por isso, não acho que os heróis tenham aparecido porque não havia nada. Não apareceu aos trambolhões, havia um certo interesse na música portuguesa. Não?

Mas, o que faziam eram um rock diferente.

Rui Pregal da Cunha: Isso já parte das pessoas! (risos)

Muitos consideram que o documentário é uma arte menor, daí as dificuldades em obter financiamento?

Jorge Pires: Não, a ideia que há em Portugal é que é um tipo de filme mais barato e não é bem assim, é uma coisa diferente. Quanto ao ser uma arte menor quem é acha isso?

R.P.C: Com a quantidade de documentário que há, com a diversidade que existem no mercado ao nível de cinema e de DVD, acho que é gigante e não concordo também que seja menor.

Digo isto porque há cineastas em Portugal que criticam a televisão por emitir falsos documentários, ou seja, trata-se no fundo de um conjunto de entrevistas e imagens editados à pressa, no espaço de uma semana, quando não é assim.

Jorge Pires: Os teóricos do documentário, alguns pelo menos, defendem que o documentário seja como for é um exercício etnografia, nessa medida o nosso filme também é. Trata-se de um apontamento de folclore de uma certa época, num certo sítio, com umas certas pessoas. Nós fazemos etnografia. Agora, era o que Zé estava a dizer um programa com entrevistas não é um documentário. Mas, isso era preciso compararmos com a história do cinema e do documentário e daquilo que se fez ao longo dos anos 30 e 40. Há certos tipos de cinema que saíram do documentário e foram dar outros resultados historicamente, por exemplo, nos anos 40 fez-se o primeiro filme sobre um comboio e não tem pessoas, não tem diálogos, mas pode-se fazer desde que esteja bem feito. Pode-se fazer muitos tipos de cinema e é pena quando nos limitamos a aceitar uma só maneira, porque se é única, é pobre. Ao longo do século vinte houve muitas coisas que se fizeram, que se experimentaram, várias correntes de cinema que se desenvolveram e tudo isso é um panorama que tem uma riqueza que vale a pena explorar.

Está a falar no âmbito nacional?

JP: No geral, a mim não me interessa fazer um filme de acordo com as pessoas de cá, pretendo ser visto por um esquimó que não fale português e perceba o que se faz. E que interprete isso na medida que possa interpretar, as pessoas não tem que interpretar as coisas da mesma maneira. O cinema não deve ser feito para o nosso quarto, para a nossa gula. Para valer a pena tem que valer como se fosse para toda a gente. E a mesma coisa para a literatura, para a música. Picasso não poderia ter pintado quadros só para os espanhóis.

Mas, há espaço em Portugal para os documentários, há um crescendo?

JP: Desde os documentários do Michael Moore isto universalizou-se este tipo de linguagem, que existe a tanto tempo quanto o Nanouk, que é considerado o pai da etnoficção do documentário, e os filmes passaram a ser vistos em salas de cinema comerciais e não só em festivais. Nós somos contemporâneos desse surgimento, e não ressurgimento. E o facto de passar na televisão ou não, isso tem a ver com o facto de a TV absorver tudo e mais alguma coisa, tipo mastiga-las e cuspi-las cá para fora. Precisa de minutos, televisão acaba por não ser importante nesta história.

RPC: O problema da televisão e ela é chamada para aqui e falam na RTP 2, porque há a ideia que o documentário é aquela coisa do David Attenborough sobre animais em África. E não é! O documentário é aquilo que se quiser documentar.

JP: Há o exemplo do filme do Pete Barker sobre o Bob Dylan em Londres em 1964, há o documentário do Julien Temple sobre os Sex Pistols, aliás foi uma das coisas que durou.

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