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Os cegos visionários

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O Laboratório de Práticas Performativas da Universidade de São Paulo, criou o grupo desvio colectivo, liderado por Marcos Bulhões, Marcelo Denny e Priscila Toscano, com o objectivo de criar experimentos em performance em espaços públicos, através do projecto "cegos" que visa, intervir poeticamente na cidade e provocar um momento de reflexão dando margem a diferentes leituras, o aprisionamento e a petrificação da vida por meio do excesso de trabalho, a automatização da vida quotidiana, a degeneração ética que se instaurou no eixo político, financeiro, jurídico e religioso da sociedade em geral.

Este projecto artístico pelo que percebi começa na universidade de São Paulo (USP)?
Marcos Bulhões: Exactamente. Eu e o professor António Araújo criámos um grupo de pesquisa que se chama laboratório de practicas performaticas da USP, é uma graduação cénica, através das artes performativas, mas actuámos também na pós-graduação, temos mestrados e doutorados nesta área. Organizamos ainda este grupo que actua fora dos muros da universidade, neste campo da actuação universitária, onde desenvolvemos dois módulos de cursos que chamámos "experimentos em performance" em parceria com o estudo da arte da universidade Unoeste, também com a professora Carminda Mendes André e o professor José Manoel Lazaro e esses cursos geraram um trabalho de onde surgiu o grupo desvio colectivo e que em parceria com o laboratório gerou os "cegos".

Qual é o objectivo deste grupo? Porque saiu dos muros da universidade e se tornou algo mais palpável?
Marcelo Denny: A ideia, como a característica da arte da performance, é dialogar com outros lugares fora do meio académico, com artistas de outros lugares, outras escolas, outros grupos e colectivos de intervenção urbana. Então eu acho que o rico da intervenção humana nesse sentido é o lugar híbrido de cruzamento entre pessoas, escolas e entidades, o que deixa que a experiência vai ficando cada vez mais diferente.

Então quem são as pessoas que fazem parte do colectivo? E o que procuram nele?
Priscila Toscano: O desvio colectivo é actualmente regido por mim, pelo Marcos e pelo Marcello Denny e conta com 30 participantes, entre actores, actrizes, performers, iluminadores e técnicos de palco. No caso da performance "cegos" a sua capacidade envolve mais ou menos 30 ou 40 pessoas, da cidade ou não, que desejem fazer parte da experiência connosco. Então vai haver um workshop de preparo para as pessoas que possam ajudar à performance, trata-se de um treinamento que passa pela teoria da performance urbana, no panorama mundial, especialmente no Brasil e depois passámos para uma oficina corporal, porque nos "cegos" andámos todos em câmara lenta e conectados, pelo colectivo, esse grupo de pessoas umas ligadas as outras.

MB: É a ideia da formação de um coro, desenvolver uma noção de uma coralidade performativa, ou seja, que esta num estado diferente, poético, por a ideia de uma câmara lenta, vestidos de executivos, com fato, gravata e sapato, arrumados, com maletas, mas cobertos de argilas e vendados. O facto de andarem em câmara lenta cria um choque no público, é um momento extremamente poético na cidade.

 

 

Qual é o feedback que obtém dos artistas que fizeram parte desta performance?
MB: Geralmente quando trabalhámos com artistas, se for do teatro, da dança e da performance o feeback é que tem uma experiência radical, porque se trata no mínimo de 3 horas andando em câmara lenta e totalmente cobertos, com uma visão parcial, estando em movimento com o outro e gera uma consciência bastante aguçada. Eu geralmente chamo isso de uma deriva performativa, meditativa, é um estado de consciência de si mesmo e de estar aqui, agora, conectado com a consciência do corpo, que gera una nova percepção da cidade e que é o que estamos fazendo também. É um treinamento para a performance, esse estado radical que um movimento pode provocar.

PT: Complementando sobre o que ele esta falando sobre esse estado meditativo, é ter a oportunidade de você artista ou não, de passar por uma experiência onde vai colocar o seu corpo, os seus pensamentos numa outra frequência diferente do quotidiano, da cidade. Então você esta nesse grupo, nesse coro, só que passando por uma outra frequência e como perceber o seu corpo naquele momento em relação ao outro que esta passando na rua, apressado, correndo, saindo do trabalho, de casa, então é um choque, acho que poder promover essa experiência, essa performance, é um grande ganho.

Referiram que a performance gera o choque nas pessoas que assistem, mas que outro tipo de reacções provocam no público?
RM: Isso tem a ver com a experiência do participante, seja actor ou artista ou não, há essa escuta do público, nós não falámos nada, mas as pessoas falam, tem uma série de opiniões e chegam inclusivé a se manisfestar, lhes incomoda até. Temos diferentes reacções quando fazemos a performance num espaço público, cada um leva muitas sacolas e por exemplo, fizemos uma performance num shopping, cheio de lojas, no centro do consumo, em Paris e ouvimos críticas ao consumismo e não aos artistas. Ouvimos falar de crise, reacções em relação ao nível alto de corrupção que se alastra pelo mundo inteiro, quer político, como económico e sobre o sistema judiciário. Ouvimos falar em engessamento da vida, hoje, a sociedade automatizada, nós como seres que virámos rôbos, onde só devemos trabalhar, para quem sente a experiência corporal, o corpo virou uma máquina de trabalho. E é uma espécie de transformação das pessoas em meros objectos de criação, então são reacções que vamos colhendo ao longo do caminho. O participante também escuta isso, esta nesse estado vegetativo e ter a percepção, a fruição, desses textos que estão dizendo é uma experiência performativa muito grande.

Escolhem áreas urbanas, mas como é que escolhem o espaço? É ao acaso ou não?
MD: A ideia é fazê-lo no centro mais movimentado e onde a gente se possa cruzar com os símbolos de poder. Religioso, económico e social, seja, Igreja, banco, perfeitura, câmara municipal, foruns e congressos.

Nessas performances vocês tiveram algumas recusas por parte das entidades oficiais?
MD: Sim, agora em Fortaleza, no Nordeste do Brasil, a gente fez a performance num memorial onde esta enterrado um ditador, que é o palácio do governo, onde fomos até lá e fomos expulsos.

Pelas entidades oficiais ou pela polícia?
RB: Pela polícia. O que é surpreendente porque é uma praça pública e pela constituição brasileira toda a gente tem direito de manifestar-se em lugares públicos. Mesmo assim houve uma barreira policial que nos impediu de passar em frente. Foi curioso porque estavámos mesmo em frente ao memorial de Castelo Branco, que foi um ditador absolutamente sanguinário e em pleno 2014 fomos ainda barrados pela polícia.

MD: Um dia depois de completar os 50 anos do golpe da ditadura militar.

RB: Também quando estivemos à frente da perfeitura municipal de São Paulo, mesmo num governo com um partido dos trabalhadores, também fomos barrados.

PT: Na câmara dos deputados estadual de São Paulo também puseram uma barreira policial.

RB: A nossa performance é absolutamente pacífica, é muito lenta e não se diz absolutamente nada.

É o silêncio que fala mais alto?
RB: Talvez.
MD: A dúvida é se é uma crítica, ou um protesto. Contém as duas coisas.

Isso também interessa?
MD: Sim, toda a obra de arte tem em si uma potência política. Ela vai diluída, o signo esta mais aberto, pode ser lida de outra maneira, mais ligada ao trabalho.

PT: Mas como toda a arte é aberta para diversas leituras.

MD: Pode ser vista em diferentes graus das artes. Temos 40 estátuas cegas quase paradas, mas andando. É isso o bacano da performance urbana, tens um dialógo que muda conforme o ângulo que você olha. O outro só vai ver só que parou de frente de uma perfeitura, ou de um banco e aí a leitura muda.

RB: A performance envolve pessoas com sacolas, cada um pode levar até oito e nos dias antes do natal, em 22 de Dezembro, a leitura é completamente diferente. Eu lembro-me de ouvir: é isto mesmo estámos virando umas máquinas de consumo
é para isso que servimos, para consumir.

Para além deste projecto tem outra actividades como colectivo?
MD: Sim, existem duas linhas uma que é o trabalho de teatro, que é um espaço mais fechado e este que é mais urbano.

É um trabalho que vêm a desenvolver há mais de um ano?
MD: Sim.
PT: O primeiro dia que começámos foi no dia 17 de Julho na Avenida Paulista de 2012. Este ano segue em muitas cidades no Brasil e todas as capitais de estado brasileiras.
RB: Nós ganhámos um prémio para a selecção palco giratório.

PT: É um prémio para as artes que existe há doze anos, que distribui becas, é o mais reconhecido na área, mas sempre trabalhou num circuito fechado que é o teatro. Em 2013 eles decidem fazer algo fantástico e pioneiro em todo o Brasil, que é colocar à intervenção urbana no circuito do palco giratório. Eles estão elevando esta área à arte de rua e toda essa manifestação visual. Eles iniciaram isso, o ano passado, com outro colectivo artístico e nós somos os segundos a atravessar esse circuito, para a gente é uma alegria muito grande em participar.

São convidados por estas cidades, quer em Paris, como no Funchal? Ou vocês propõem o projecto e as organizações aceitam?
PT: No Brasil ela, esta organização o SESC (Serviço Social do Comércio) é que nos escolheu e aí promove todas as viagens. No caso deste circuito internacional em 2014 somos financiados pelo laboratório da Universidade de São Paulo.

RB: Pela pró-reitoria de extensão universitária, concorremos a vários projectos e conseguimos que o nosso fosse aprovado. O circuito internacional começa em 2014 e não queremos parar por aqui.

PT: Isto não seria possível fazer sem o convite de "dançando com a diferença", através do Henrique Amoedo, daí a parceria na ilha da Madeira. Vamos fazer em Barcelona, Paris, Amsterdão, Montreal e Nova Iorque.

RB: Mas, o projecto "cegos" visa fazer o maior número de cidades importantes. A ideia desta obra, deste grupo, é que circule pelas ruas, pelo poder, na nossa sociedade capitalista. Em Nova Iorque estámos a prevêr uma acção com mais de 50 pessoas, com o apoio da cidade e pretendemos fazer também em Londres.

Qual é o objectivo desta tournée internacional quando terminar?
MD: Um objectivo é a criação de um livro sobre essa tournée brasileira e mundial. Com fotos de todos os lugares.

RB: É o desdobramento da obra, é uma obra gráfica e em arte visual, fotográfica, onde teremos textos de pessoas que percebem o projecto. A ideia é que esses curadores possam descrever as suas percepções sobre a performance de cada cidade. No fundo é uma outra obra.

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