
O teatro Praga surge em Lisboa no ano de 1995. Trata-se de um grupo de artistas que trabalha sem encenador e que pretendem sublinhar a irrepetibilidade da prática teatral. São sempre diferentes, estão em constante metamorfose e sujeitam-se a variações imprevisíveis deles próprios. Devido à sua natureza progressista sempre encontraram barreiras ideológicas no nosso país que se foram esbatendo ao longo deste 18 anos de actividade e que culminam com uma nova obra que será apresentada em Março de 2014, no Teatro Nacional Dona Maria II, como nos conta um dos seus fundadores André Teodósio.
Quando criaste o teatro Praga referiste que foram bombardeados por todos, mas porquê e por quem?
André Teodósio: Inicialmente, porque desconstruíamos muito. Depois porque fazíamos dança com texto, ou porque o que fazíamos não tinha sentido nenhum. Fomos bombardeados por todos os lados, em particular, por pessoas que tinham uma ideia de teatro que não contemplava a nossa actividade. Aos poucos fomos criando uma comunidade, quer através de artistas plásticos, filósofos, que foram compreendendo o que fazíamos. Fomos encontrando parceiros quer no exterior, quer locais, que foram trabalhando connosco e fomos criando uma audiência. Quando já tínhamos um público e os teatros não conseguiam calar-nos, então começaram a admitir que talvez mesmo não convergindo com o que fazíamos podia ser considerado como uma espécie de teatro. E hoje em dia apresentámos espectáculos em vários sítios, o próximo terá lugar no teatro nacional, mas foi algo que demorou 18 anos a conquistar.
Uma dessas inovações que trouxeram para o teatro foi o não ter um encenador, porquê?
AT: Porque continuava a pertencer a uma lógica de produção teatral que tinha sido naturalizado e que não permitia a responsabilização de todos os intervenientes de um espectáculo, quer fossem actores ou encenadores, ou artistas plásticos. O teatro que defendíamos era uma ideia de arte em que as pessoas pensam o objecto artístico e não apenas nos suportes que estão a ser executados pelo mesmo. Portanto, o cenógrafo tem de pensar no espectáculo, assim como, o actor, o escritor, até o iluminador, tentámos desierarquizar o teatro, que é o que fazemos na nossa vida. Todos somos responsáveis pelo mundo em que vivemos, não podíamos defender uma determinada coisa e executar outra. Tanto que coordenámos a nossa prática artística com a nossa vida e as nossas ideias.
Mas, o vosso grupo coloca em cenas peças clássicas de teatro complexas, que requerem uma determinada ginástica mental, então como conjugam todas essa diversidade de pensamentos?
AT: São processos muito longos e muito difíceis. Trabalhámos como se fosse um rubi, vamos tirando as partes que não interessam até chegar ao cerne e sempre em prol do objecto que pretendemos construir. Ganha um discurso que já não tem nada em oposição, não pensámos todos a mesma coisa, acabámos é por nos demitir de algumas coisas, porque já não temos nenhum discurso contra. Os espectáculos são geridos na atribuição dos vários saberes e das várias ideias das pessoas.
Quando focaste a incompreensão em termos do vosso trabalho como teatro Praga, também referiste que era um sentimento que não se estendia ao exterior, era circunscrito apenas a Portugal, porquê?
AT: Talvez porque não havia distância em relação á língua, ou ao percurso das pessoas. Nós fizemos também espectáculos com outros encenadores em termos mais "clássico" de produção de teatro. Mas, talvez por haver essa proximidade essa recepção fosse negativa e lá fora como não nos conheciam aceitavam a nossa história, o nosso percurso e inscreviam-nos num tipo de práctica artística que já era bastante mais comum nesses países.
O grupo encena várias obras clássicas, nomeadamente Shakespeare, o que parece um contrassenso tendo em conta que são um teatro tão progressista.
AT: Porque esses autores tinham uma ideia muito avançada sobre teatro. Em vez de animarmos algures o que foi o teatro daquela altura, reapropriámos as ideias e tentámos torná-las actuais. Reutilizámos estes textos todos com as coordenadas de cada um, reactualizámos a informação como se vivêssemos todos nesse tempo. Shakespeare, ou Molière não são mais antigos do que nós, tiveram presentes neste dia e não os encontrámos, porque o sol e a terra giraram muitas vezes sobre o seu próprio eixo, mas é como se fosse um único dia, estamos sempre aqui, nunca saímos daqui.
É uma mensagem universal?
AT: Pode ser universal.
Mesmo em Portugal?
AT: Para a nossa cultura é, se for para um sistema simples fechado onde não sabem que é Shakespeare, nem lhes interessa, porque tem os seus autores. Para a nossa cultura é universal, porque todos nos desenvolvemos a luz deles, é um cânone cujo significado é que toda a cidade se desenvolve a luz de qualquer coisa que foi criado.
Sob a luz da sociedade actual, tu como artista, como encaras o teatro ao nível nacional?
AT: Houve progressos muito grandes, o teatro hoje em dia é mais rico, do que a cinquenta anos em quantidade, ou seja, sempre existiram coisas incríveis, mas eram pontuais, ou contracultura. Hoje em dia porque conseguimos e encontrámos os nossos recursos de forma tão global tem surgido muitas coisas em quantidade. Não quer dizer que sejam todas boas, mas é isso que interessa, é ter muita produção. Fazer as coisas que querem fazer.
Se tivesses fundado o teatro Praga nesta altura, achas que teria havido essa mesma oposição?
AT: Não. De alguma forma herdou de alguns criadores como a Mónica Calha e o "Cão solteiro" uma história que foi fundamental para a sua existência e que hoje em dia é mais comum do que foi naquela altura. Actualmente seria muito mais fácil para nós desde o princípio inscrever-nos num determinado tipo de teatro, há muito mais grupos, companhias e mais recursos de ligação com o resto do mundo. É muito maior do que há 18 anos, quando não havia internet, não havia nada.
Como é para o vosso grupo estar num espaço tão convencional como é o teatro nacional?
AT: É igual a estar no nosso espaço, temos o mesmo tipo de comportamentos, a diferença reside em temos mais recursos, mais dinheiro, projectores e cadeiras na frente. A nossa postura é sempre igual, não vamos fazer algo que não queremos fazer. Obviamente que esses sítios implicam uma construção de espectáculo diferente do que se for nos nossos 60 metros quadrados. Mas, a ampliação do espectáculo não determina o conteúdo, apenas à manifestação do conteúdo.
Qual é o espectáculo que vai mostrar no Dona Maria II?
AT: Vamos fazer uma revista, chamado Tropa Fandanga.
É um original?
AT: É nosso.
Porquê logo uma revista?
AT: Porque o sistema do teatro em Portugal esta dividido nestas duas facções o teatro performativo e o teatro de texto e a revista foi sempre posto de parte. Parece-nos interessante revitalizar este tipo de espectáculo, que é um teatro off, porque não tem mais espaço nenhum, é um teatro sem parte. Apeteceu-nos pegar neste género que foi sendo cristalizado num estilo que é tipicamente português e não há em mais em lado nenhum, tem muitas regras de funcionamento e que reutilizámos de alguma forma.