Como é que tornam esse trabalho auto-sustentável?
AB: Não é auto-sustentável, porque ainda há um apoio do estado. Desenvolvemos um trabalho criativo e original, não temos uma língua em que a palavra está presente. Possibilitou-nos uma grande itinerância internacional e os espectáculos no fundo também contribuem de certa forma. Fazemos muitos por ano, entre uns 70 à 80, dos quais metade é fora do país, este é um aspecto muito importante para o circolando actualmente, aliás, sempre foi, desde que há um reconhecimento institucional. Sem este apoio da secretaria de estado da cultura seria impossível sobreviver.
Essa itinerância resultou dos prémios que obtiveram nos festivais?
AB: Creio que resultou mais pelo facto de sermos um pouco exóticos por ser portugueses, num país com poucos grupos a circular em festivais. São escassos os que fazem estes circuitos internacionais. Depois temos uma agente em Barcelona que nós ajuda bastante, que promove o nosso trabalho em locais com alguma visibilidade e daí surgem novas oportunidades. Temos um circuito relativamente grande, ao nível de teatro de rua e não convencional.
Então essa componente existe desde o inicio do grupo?
AB: Sim, nos temos um espectáculo a rodar desde 2003, a Charanga, que é o mais longínquo no tempo, mas os restantes foram sempre mostrados durante quatro e cinco anos. O processo criativo não acabava na estreia. É uma das grandes vantagens de quem vê um espectáculo nosso, eles crescem muito ao longo do tempo. Está sempre sendo alterada, com a experiência e o contacto com o público. Uma análise no tempo, permite-nos melhorar alguns aspectos.
Há diferença entre o público urbano e rural?
AB: Somos um grupo mais urbano, mas das poucas aldeias onde fomos, nota-se uma diferença. Como são espectáculos ao ar livre, existe uma grande disponibilidade para a montagem do palco. Numa terra pequena é mais fácil mobilizar as pessoas e acabámos por falar com elas. Na cidade, não comunicámos dessa forma, as pessoas são mais mexidas, tudo anda mais depressa.
Vocês fazem uma distinção entre criações e criações satélite, quais são as diferenças?
AB: A diferença é que a circolando tem uma direcção artística, sou eu e a Cláudia Figueiredo, são projectos que aproveitam a estrutura de produção e construção das equipas permanentes que temos. Juntando também um pouco a vontade e o saber de algumas pessoas que convidámos para trabalhar com o nosso grupo. Para a direcção, não temos que criar porque somos obrigados, criámos porque queremos. Em doze anos, montámos nove peças. Não dá uma por ano, porque há um grande trabalho de investigação, não é um fazer porque tem de ser, é porque queremos, mas é um trabalho muito longo não só de ensaios, mas de pensamentos.
Daí a diferença para satélite, porque dividiram o trabalho?
AB: Sim, porque alguns não são dirigidos por nós. Os que começaram o circolando. Os restantes são artistas associados ao nosso grupo.
Qual foi destes projectos todos aquele que constituiu o maior desafio?
AB: Foi o girofle, o segundo projecto que montámos. Foi um salto muito grande, com apenas vinte e poucos anos, relativamente pouca experiencia em teatro, decidimos fazer um espectáculo que marcou um pouco a companhia e se calhar as artes performativas em Portugal.
Qual era então o componente inovador?
AB: Inovador era o cenário. Era uma gaiola com nove metros de altura e doze de diâmetro. Pelas dimensões a que nos propusemos, a grandiosidade que o espectáculo tinha. Inventámos muita coisa em termos de técnicas e disciplinas. Era um projecto muito criativo e inovador por um certo desconhecimento que tínhamos. Inventámos que tudo era possível e foi.
Qual é o futuro do circulando, para além dos espectáculos que estão a ser feitos no momento?
AB: Uma das vantagens que a circolando têm é que não prevê o futuro. Vai vivendo. Não sei o que nos próximos dois anos vamos fazer, há uma necessidade do risco e de inventar projectos que ainda não fizemos.
É um processo criativo em permanência?
AB: Sim, mas o que interessa sobretudo é se não tivermos uma necessidade criativa, não o fazer. Sou artista actualmente, mas não me vejo como um funcionário público. Não é uma profissão eterna. Não quero fazer o mesmo que fiz a cinco atrás, não posso, tenho que evoluir. Procurar novos caminhos, novas formas de expressão
Qual é a tua opinião, em relação a forma como a cultura é gerida em Portugal?
AB: A minha opinião é que a cultura não é gerida. Uma das questões com que o circolando se debate, é o não apoio nos deslocamentos para o exterior. Cada vez o sentimos mais, não existe. Com pequenos apoios do estado poderíamos fazer um circuito muito maior e não podemos, não competimos com os franceses e a restante Europa que tem um forte apoio nas viagens e na disponibilização da cultura fora de portas. Não há uma estrutura, está sempre tudo a mudar, é uma questão política, estão sempre a olhar para si, em vez de criar uma estratégia global, ou nacional e isso não existe.