LF: A boca de panela é mesmo em frente, no Caniçal, nesta baia. Os roazes é mais ao Norte, mas são dados que vamos finalizar e apresentar em relatórios ao Governo Regional e que depois serão divulgados publicamente em Setembro.
Estes dados são importantes até em termos da pesca, se ela é não sustentável?
LF: Aí é mais complicado, porque a sustentabilidade da pesca tem a ver com o esforço da própria pesca e aí tem de se medir os recursos para que a pesca é destinada.
Mas, os pescadores consideram que os golfinhos de certa forma competem com eles pelo peixe.
LF: Isso é verdade e um facto da vida incontornável, a questão aqui é que se tirarmos todos os golfinhos e todos os predadores, e não estou a falar do peixe-espada, eventualmente é um facto para alguns peixes de costa, no caso do atum não é assim tão complicado, há predação, mas a competição não é tão grande. A competição existe mas se tirarmos todos os cetáceos do mar os pescadores não ficam a ganhar nada, porque é actividade humana que leva aos limites dos stocks. Na Madeira, a pesca do atum é sustentável, tem pouco impacto nos cetáceos, isso era o terceiro objectivo do CMII, que era fazermos a monitorização das actividades humanas offshore, então tivemos equipas de observadores nos barcos de pesca do atum e uma das coisas que tivemos a ver era o número de interacções entre o atuneiros e os cetáceos e verificámos que são muito baixas, na ordem dos 3%. Isto é, às vezes, em que os cetáceos vêm perturbar a actividade de pesca é mínima, isto não quer dizer que algumas espécies não comam os atuns mais pequenos que os pescadores também andam atrás, mas lá esta se começarmos a tirar componentes do ecossistema para os pescadores terem mais peixes para pescar, estaremos a mexer com este delicado equilíbrio com consequências muito mais imprevisíveis e catastróficas, que podem não ser do nosso interesse. Por isso, é que a pesca não pode ultrapassar determinados limites e a culpa não pode ser atribuída a determinadas espécies de predadores.
Essas conclusões levam a acções de sensibilização junto das comunidades piscatórias.
LF: Uma das componentes cruciais do trabalho do museu é comunicarmos com a sociedade e no âmbito do CMII, em particular, com os pescadores. Através dos embarques que fizemos com as equipas, e temos que elogiar as tripulações e os armadores das embarcações atuneiras que tiveram toda essa disponibilidade e abertura, procurámos sempre que possível sensibiliza-los. Também aprendemos muito com eles, informação sobre o mar, o impacto das actividades humanas e sobre os lixos no oceano. É um processo de duas vias, porque eles também tem um conjunto de conhecimentos que embora não sejam de caracter científico, é mais intuito e pragmático, ajuda-nos. É verdade e tendo em consideração a questão cultural, as pessoas nem sempre estão abertas ao conhecimento, passar essa mensagem é um esforço. Por outro lado, esse aspecto constitui um desafio, porque temos de utilizar outras ferramentas para fazer chegar a mensagem.
Que outros objectivos se propõem o CMII?
LF: Palestras para os pescadores, para a comunidade em geral, produção de um DVD e de conteúdos que possam chegar o conhecimento a sociedade e outro que foi um sucesso, o projecto "baleiarte", uma exposição em parceria com as escolas em que conseguimos associar a ciência à arte e de uma forma inovadora mostrar o conhecimento cientifico as crianças e a população em geral, que esta patente no Madeira Shopping, onde associámos uma técnica de investigação da foto identificação com as formas de expressão plástica.
O "whale watching" é também uma componente deste projecto, serve para ajudar as empresas turísticas associadas a esta actividade de que forma?
LF: Nós já o fazemos desde 2004, ou seja, formação e workshops que organizamos junto dessas empresas. Temos sessões de informação e fazemos também a sua monotorização para compreender qual é actividade nos cetáceos, quais as pressões que exercem, até que ponto estamos a atingir os limites ou não e quais as consequências. Inicialmente houve um período mais preocupante de crescimento da actividade, que entretanto estabilizou. Depois houve o cuidado de criar nova legislação para enquadrar esta prática, existia um regulamento voluntário que tinha sido criado pelo museu e era um código de conduta sem vínculo legal, agora com o este novo enquadramento jurídico existem um conjunto de mecanismos que permitem gerir a actividade de forma sustentável e com maior qualidade sem grandes impactos para os animais. Embora, esse é um trabalho complicado, porque conseguimos facilmente definir os impactos de curta duração, a reacção do animal, só que depois não conseguimos saber quais as consequências a longo prazo, em termos de reprodução e da presença dos animais. É um processo que exige muitos anos de investigação e não tem resultados imediatos. Estamos actualmente a transitar dessas reacções a curto prazo para este impacto populacional com consequências para as populações ao longo prazo, mas esse é um trabalho continuo.
A pouco referiste as espécies que passam pelas nossas águas territoriais, o aquecimento das águas tem alguma influência no aparecimento de novas espécies ou não?
LF: Essa é uma questão que é difícil de responder mesmo do ponto de vista científico por uma razão muito simples, como não temos dados exactos das populações anteriormente. Sabíamos dos animais que davam a costa e havia algumas referências literárias, por exemplo, uma publicação de 1996 dava conta de 15 espécies para a Madeira. Há outros espécimens que aparecem nas nossas águas e que ao longo dos anos foram detectados pontualmente e essa é a compilação bibliográfica desse conhecimento, não houve no passado campanhas sistemáticas no mar à procura de espécies novas e há outras que são muito difíceis de encontrar, ou então as pessoas as avistavam, mas não registavam. Desconhecemos o conhecimento em termos do passado, por exemplo, temos uma espécie de baleia, a de braile, que provém sobretudo águas tropicais e da qual não tínhamos um registo muito grande entre 2000/04, apesar de haver ter havido alguns problemas de identificação. A partir dessa data até a actualidade, os animais aparecem cá de forma sistemática, todos os anos, com frequência. Se isso pode estabelecer uma relação directa com o aquecimento das águas é difícil de afirma-lo. O aquecimento da água do mar pode ter consequências a diversos níveis no ecossistema e por isso não conseguimos estabelecer essa relação directa. Agora que existem indícios e temos visto mais espécies tropicais nas nossas águas sim, se é uma causa directa ou não, não sabemos. Pode ter havido simplesmente um aumento das populações das baleias de braile que estão a expandir a sua área de presença, também não sabemos, o resto é especulação. E sobretudo era necessário ter um registo histórico para poder afirma-se em absoluto que se trata do aquecimento global. Talvez daqui a vinte anos, tendo em conta o que fizemos até agora, campanhas de contagem, dados concretos, possamos ter uma resposta mais completa.
Em termos de sustentabilidade das diversas espécies de cetáceos que habitam na ilha, há perigos, as suas populações tem vindo a diminuir por algum motivo em concreto?
LF: Não. Estamos numa situação privilegiada, temos um conjunto de actividades humanas que eu diria que têm sido benignas para as diversas espécies. É o caso das pescas, não temos redes de emalhar que foram banidas, as artes de pesca do atum e do peixe-espada são feitas com anzóis, podemos falar dos atuneiros em particular, porque temos dados que corroboram essa tendência, apesar de era interessante saber até que ponto há interacções com os espadeiros. Mas, não parece que seja preocupante, porque este é um tipo de pesca em anzóis de fundo e o período de maior interacção com os animais seria quando o peixe vem a superfície. Além disso, não há animais a dar a costa que indiciem algum problema. À partida não há indícios preocupantes como existem em outras zonas, com consequências muito mais gravosas. Para além do mais, na ilha a pesca não é tão intensiva como em outros lados, as frotas são mais pequenas, apesar de termos de ter consciência que os ecossistemas insulares são mais frágeis e a sua capacidade de produzir é menor e os da Madeira desenvolvem-se em águas muito ricas.
http://www.cetaceos-madeira.com/