Recordam-se da primeira actuação?
VH: Foi um meeting no Porto Santo, só os dois. É quando surge algo de mais organizado.
Como aparecem os percussionistas?
Duarte Salgado: Fomos convidados para entrar no grupo no âmbito do festival de Colombo.
Mas, como surgiu esse convite?
CS: Mais uma vez em conversa num café, juntaram-se para tocar e passado dois dias estavam no festival.
Então onde aparece o contexto medieval?
CS: Começámos a estabelecer parcerias desde 2008. Marcámos presença no mercado quinhentista, o Xavier entra nessa altura, como ele conta, é um puto com umas bolinhas e faz malabarismo.
Xavier Miguel: Um amigo meu deveria ter aparecido, mas não podia. Eu conheci o Bruno e entrei no grupo.
Bruno, fala-me um pouco desta tua paixão pela gaita-de-foles e da sua origem?
Bruno Monterroso: Comecei a tocar gaita- de-foles desde os dezoito anos de idade. Não foi um instrumento que me interessasse muito, embora tivesse adquirido uma. O meu irmão é gaiteiro de profissão. Como tinha as melodias na cabeça e o instrumento também comecei a tocar. Sou de uma zona de Portugal em que este instrumento é típico. Sou descendente de uma família que mora na fronteira entre Trás-os-Montes e Minho. No Minho toca-se a gaita-de-fole galega e em Trás-os-Montes a gaita mirandesa, que é a chamada portuguesa. É uma região isolada no tempo e que no fundo vai sugar dessas diferentes regiões, essa forma de estar. A gaita-de-fole está presente também na ilha, porque na altura dos descobrimentos, há relatos históricos que dão conta que este instrumento fazia parte da cultura madeirense. Perdeu-se na memória colectiva e as pessoas deixaram de ter presente este instrumento, a imagem do gaiteiro, no fundo essa forma cultural que existia. Basta pensar que antigamente eram necessários, nas romarias e procissões religiosas, instrumentos que fossem audíveis e como se projectavam sem técnica nenhuma? Através de gaita-de-fole e os instrumentos de repercussão. Depois foram introduzidos outros, a quem diga que o acordeão é o mais tradicional da ilha, mas este instrumento só apareceu no final século XIX. Claro, que quando os gaiteiros desaparecem durante séculos, é óbvio que os avós não contavam essa história, então tudo isto se vai perdendo na memória colectiva. Há um aspecto curioso que eu acho é que, na Madeira diz-se sempre, eu gosto desta musica e não sei porquê, eu entendo que a veia do passado nunca se desvanece e esta sempre a latejar no sangue e quando ouvimos algo com que nos identificámos questionámo-nos porquê.
Fala-me das pautas musicais. Já trazes isso de lá, ou andastes a fazer pesquisa e descobristes?
BM: Há várias músicas que foram recolhidas e estão em partituras, porque neste momento existem muitos gaiteiros. A maior parte das músicas tradicionais que se tocam neste momento foram retiradas por Giacometti e outros musicólogos que andaram por Portugal e que os conseguiram recolher e transcrever da melhor maneira possível. A gaita-de-fole mirandesa tem diferentes afinações e os instrumentistas não eram tão virtuosos, como o são hoje, actualmente existem excelentes músicos. Era complicado até para escrever as músicas, porque havia dificuldade em descobrir o tipo de nota. Muitos gaiteiros que sobreviveram conseguiram até gravar essas melodias. Houve uma recolha que permitiu fazer uma caminhada e acho que devemos muito a esses musicólogos, nem todos foram portugueses que fizeram esse trabalho. Eles alertaram o povo que havia um esquecimento global, isto é vosso, toquem-no. Isso é muito importante. Pegar o que é nosso e desenterra-lo. Ir buscar essas formas culturais todas, aviva-las e é isso que estamos a fazer aqui. Possivelmente numa segunda fase tocaremos originais, mas é muito importante ir buscar as gaitas-de-foles portuguesas.
Mas, onde encontraste essas referências do instrumento na ilha?
BM: No elucidário madeirense, Gaspar Frutuoso, era um padre e no fundo um investigador, que dizia: não há festa, ou romaria que não se faça com a troboaria dos bombos e ao som da gaita-de-fole.
As pautas então não existiam nessa altura?
BM: Isso leva-nos a outra conversa. As pautas que existiam numa altura da história, não são as que existem hoje. Antigamente as pautas de cantochão tinham quatro linhas. As que havia eram para música litúrgica, não para a chamada música profana. O conhecimento era passado de boca em boca, as melodias iam-se adulterando até chegarem aos dias de hoje totalmente modificadas certamente.
A música para gaita-de-fole então passou de geração em geração, é isso?
BM: Sim, mas não só. É óbvio que não é taxativo, mas a maior parte claro que sim, embora a gaita-de-fole tivesse feito parte da música sacra numa dada altura da história, durante pouco tempo. Antigamente as pessoas iam a igreja ouvir música, actualmente também, mas houve períodos em que isso não acontecia. Transcrições que eu conheça, não há.
Porquê o nome Gaitúlia?
BM: Eu na altura estava a trabalhar no ensino especial e fazíamos muitas brincadeiras com gaita-de-fole e numa das actuações surgiu esse nome, quer dizer tertúlia gaiteira. Fazemos uma festa com as gaitas-de-foles.