
Domingos Rodrigues, professor de geologia da universidade da Madeira, estuda o risco associado as catástrofes naturais. Um fenómeno que podia ser mitigado, se houvesse uma clara aposta na prevenção através das escolas.
Como é que se fazemos o encontro entre o desenvolvimento urbano e os riscos geológicos?
Domingos Rodrigues: Hoje temos uma qualidade de vida que não tínhamos no passado, temos escolas, centros de saúde e temos habitações em tudo o que é espaço disponível. Há um conjunto de infra-estruturas estratégicas, como as sedes dos bombeiros e hospitais e outras não menos importantes para podermos viver, nomeadamente, as creches, os supermercados e os centros comerciais. Isso não tem nenhuma relação com o perigo. Não somos obrigados, só porque as temos de construir, faze-lo debaixo dos taludes. O argumento, de termos de construir muito e não ter espaço para o fazer é falso, não existe. Dou um exemplo, no 20 de Fevereiro não houve nenhum hotel destruído, porque? Porque se trata de uma área onde nada acontece. Nunca serão atingidos por enxurradas, ou outro tipo de inundações. Alguns estão junto à costa e esses terão outro tipo de problemas. A sociedade só constrói onde tem uma vulnerabilidade muito alta, porque não percebem onde e por isso constroem onde não devem. Depois, esses desastres acontecem. Estamos a iniciar um estudo arqueológico sobre desastres naturais, cujo objectivo é perceber em 1803, ano em que houve um grande desastre, por exemplo, quais as medidas mitigadoras que se adoptaram. Vamos ver a diferença entre esse ano e 1993. As grandes catástrofes mudam as culturas dos povos. As grandes romarias que temos são todas associadas a desastres naturais. Que quer isto dizer? Que no passado houve mudanças culturais em função desse acontecimento. Na história se falarmos em termos globais, houve civilizações que desapareceram, outras adaptaram-se. O que vai acontecendo? A maneira de estar das pessoas altera-se, vão-se adaptando, uns mais rápidos, outros mais devagar, essa é a evolução. Vamos fazer esse levantamento de 1803, saber quais as medidas que as pessoas tomaram para minimizar esse desastre natural, comparadas com o que estamos a fazer agora. A evolução da sociedade depende deste tipo de decisões racionais, fazer uma avaliação da vulnerabilidade e saber até que ponto as pessoas no seu comportamento mudaram alguma coisa. Se chegarmos a conclusão que somos mais vulneráveis teremos de tomar medidas.
Vamos supor que introduzimos uma cultura de segurança nas escolas, há uma ou mais gerações que não dispõe dessas ferramentas, aí o que fazemos? A única maneira será introduzir legislação?
DR: Não. Uma sociedade que não é cumpridora, não vai cumprir a lei. Essa é a grande questão. Uma medida isolada não funciona. A pergunta que eu faço é a seguinte, temos um número elevado de mortos em acidentes de viação, porque? Com as multas pesadas por acaso, elas diminuem? Então, o que podemos fazer? Educar as pessoas, como fazem na Suécia, que nunca passam o limite de velocidade porque o cumprem. Como conseguiram isso? Educando a população. Se uma pessoa for educada nesse sentido, esse alguém não vai fazer uma proposta a uma Câmara Municipal 500 vezes, com um projecto que não faz sentido nenhum. Os cidadãos querem ver aprovados os projectos muitas vezes dos mais descabidos possíveis e ainda dizem que tem razão. Imagina, que nenhuma dessas propostas aparece na edilidade. Óptimo não tem nada para gerir. Se todas as pessoas quando constroem a sua casa terem a noção do perigo e evitarem zonas de risco, quem gere o território tem a vida facilitada, ou não? Isto é válido para toda a sociedade, desde a classe dirigente política até o cidadão anónimo.
A solução era terem planos de ordenamento do território que sejam amplamente discutidos e que as pessoas sabiam quais são as regras. O que acontece? As pessoas sabem a legislação, mas o que fazem? Arranjam maneira de contorna-la para a não cumprir, aí nada funciona. Um plano de risco não resolve nada, é uma porta, sem dúvida. Isolado não adianta. De que me serve um sistema sofisticado de alerta, se as pessoas não ligam nenhuma. Se eu enviar um SMS, à toda a população em geral, a alertar para não saírem de casa, porque vai chover e as pessoas decidem na mesma passear, qual é a efectividade dessa medida? Zero. As pessoas são culpadas? Evidentemente que não. Temos é que educar os jovens para que tenham um comportamento adequado, quer sejam de acordo com as situações em que vivem, como em relação a desastres naturais, ou acidentes de viação. A abordagem tem de ser multidisciplinar, investir na educação, em sistema de alertas e legislação. Por acaso os jovens no meio escolar abordam estas questões directamente relacionadas com a sua comunidade? Não, fala-se do Japão e do Chile e o que se passa cá? Isso não é sequer tido em conta, quais são as nossas limitações. No caso dos incêndios, as pessoas queixam-se, mas a grande maioria não limpa as matas em torno das casas. É uma questão de gerir comportamentos. O risco no fundo é gerir a forma como se comportam em sociedade. Se os cidadãos cumprirem à risca, seu o grau de vulnerabilidade diminui. Nunca há risco zero.
E os planos de emergência?
DR: Têm é que ser aprovados e depois funcionam. Uns melhor e outros não, porque há autarcas que os aplicam. A documentação existe. Se houver uma discussão pública, o que acontece? Provavelmente, não aparece lá ninguém. Quando se discute os planos directórios municipais, as pessoas só querem saber é se podem construir ou não. Não estão preocupadas com mais nada e depois queixam-se. As populações tem que saber, quais são as limitações do local onde vivem, não é só preocupar-se se pode comer isto ou aquilo. Está a chover não se transita de um lado para o outro. A única proposta que existe em termos jurídicos é o chicote. Não é o caminho que devemos seguir. A aposta deve ser na educação e nas escolas. É saber como comportar-se perante uma catástrofe natural.
Ainda mais nesta ilha, tendo em conta a orografia.
DR: A questão não é essa. Se for até a Suíça, eles também tem uma orografia difícil como nós e mais têm neve e que eu saiba não vivem mal. Os japoneses vivem num país terrível, no entanto, basta ver os filmes do último sismo, avisaram-nos e eles portaram-se bem. Morreram, mas se fosse num país como o nosso, estavam completamente devastados. Quando o tsunami atingiu o território, vimos carros a ser arrastados, mas as populações deslocaram-se até zonas mais altas, cá punham-se a tirar fotografias. Esse é que é o problema, as pessoas não têm a mínima noção do perigo.
Mas, na Madeira coloca-se a questão da construção em terrenos com declives, o que gera o aparecimento de casas com varandas viradas para precipícios e garagens no telhado. Como é que se pode evitar esse tipo de situações?
DR: Isso tem a ver com a forma adequada de edificar. Estive a ver recentemente um código australiano, utilizamos muito a experiência deles no seu ordenamento do território, eles dizem que um projecto não pode aumentar o grau de instabilidade de uma determinada zona. Não significa que não se pode construir, o que se pretende é que o projecto em causa, não prejudique ainda mais a instabilidade da referida área, se assim for não pode ser feito. Estão a proibir? Não. Tem de ser adequado e de qualidade. Podemos ter projectos em zonas de risco que o diminuam. Muitos desses projectos são de fraca qualidade e compreendo que nem toda a gente tem as mesmas possibilidades financeiras, e constroem onde podem, nem todos são ricos. O que se pretende é arranjar ferramentas para evitar esse tipo de construções em zonas de risco. Para isso existem, os bairros sociais e as permutas de terreno. Ninguém obriga uma pessoa a fazer uma casa mal feita num penhasco. Esse tipo de comportamentos só surge derivado ao nível de conhecimento dos riscos, que é nenhum. As pessoas que vivem na cidade, por exemplo, têm uma noção da perigosidade muito diferente sobre uma determinada zona, em relação aos que viveram lá toda a vida. Isso torna as pessoas muito vulneráveis. Nós temos de ter uma ocupação do território adaptado a nossa realidade.
Essa realidade é ou não, influenciada pelas alterações climáticas?
DR: Isso é um tema muito complicado ainda.
Embora, se formos ao elucidário madeirense desde sempre houve grandes enxurradas na ilha.
DR: Vá ao arquivo e escolha um desses eventos do passado e veja o que escrevem os jornalistas e as pessoas nos números a seguir e compare. E consegue fazer um fio condutor do que mudou ou não e vai verificar que os problemas são sempre os mesmos. A diferença é que hoje temos ferramentas que no passado não tinham obviamente. Temos conhecimentos que não possuíamos, mas nada disso ajuda se as pessoas insistirem em ter os mesmos comportamentos de risco. Que fique bem claro, a culpa não é das pessoas.
Será?
DR: Eu não vou culpar um jovem que não sabe matemática, se ao longo do seu percurso escolar não teve essa matéria. Seria hipócrita. Não podemos de culpar as pessoas pelo facto de não ter conhecimento nessa área. Voltando a questão das alterações climáticas, elas fazem parte da evolução da terra. Na Ponta de São Lourenço, eu mostro-lhe através dos sedimentos, como houve alturas mais frias e outras mais quentes ao longo dos últimos 3 mil anos. Sempre houve mudanças no clima. Se a terra estivesse parada, se calhar não estávamos aqui. As alterações climáticas fazem parte da evolução do planeta. A questão é saber como nós, os seres humanos, que somos uma força geo-climática podemos influenciar este fenómeno. Nós estamos a influenciar o meio ambiente onde vivemos e podemos estar a acelerar ou diminuir as alterações em curso normalmente. Qual a influência do homem nas alterações climáticas? De duas formas, a primeira, o aumento do nível médio da água do mar. A Madeira, não tem muito esse problema. E temos o aquecimento global, que criam fenómenos como el niño e la niña. Mesmo assim, é um pouco prematuro falar sobre o tema.