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Sem limites para o sonho

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Esta instituição particular de solidariedade social ajuda as pessoas com necessidades especiais. É um projecto que sobrevive das suas actividades, eventos culturais e dos donativos das pessoas anónimas sob a forma de tampinhas de plástico. É acima de tudo um porto de abrigo para todos aqueles necessitam de uma mão amiga, de alguém que os ouça e que os compreenda, tudo sob a direcção de um jovem e muito enérgico director, Filipe Rebelo.

Como é que a associação sem limites começou?

Filipe Rebelo: A associação sem limites (ASL) surge graças a uma lacuna da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), nós viemos corrigir muitos erros ao nível de estatutos, de actividades e concursos e tudo isso transformou-se em algo mais regional. Temos o hábito de ir buscar fora, copiámos sempre o que os outros têm, mas somos tão capazes como os restantes de transmitir ideias, o objectivo é ser criadores. Já tinha este sonho numa gaveta há algum tempo, a cerca de quatro anos tinha sido proposta à antiga direcção da APD a criação desta associação, não acharam apelativo na altura, mas nunca desisti e desde Janeiro de 2012 começou a ser estructurada nos mesmos moldes que as restantes. A ideia é ajudar o próximo e não apenas os que tem necessidades especiais. A palavra deficiente é sempre muito grande, ela engloba muitas pessoas desde as crianças, os adultos, os surdos, os cegos, os mudos, os tetraplégicos, os paraplégicos e até os militares feridos em combate, normalmente associa-se o termo só às pessoas em cadeiras de rodas, no entanto, tem muito por desvendar. Há muito para desmitificar. Nós queremos também abraçar os idosos, porque são o futuro. Eles têm dificuldade de locomoção, de visão e audição e embora compreenda que as pessoas não querem ser rotuladas, eu também não gosto de ser etiquetado como deficiente, mas claramente são pessoas com necessidades especiais. A realidade é essa. A associação tem uma abrangência muito grande, quer em termos sociais, educacionais, culturais e desportivos. Tivemos o cuidado de englobar essas áreas, porque só assim faz sentido. A partir daí temos desenvolvido um conjunto de parcerias, em conjunto com a APD porque seria injusto não inclui-la. Trabalhámos em moldes diferentes, ou seja, uma apoia e a outra reivindica e cada vez mais temos de criar sinergias com os diferentes organismos que existem, porque as pessoas devem perceber qual o seu habitat natural. Muitas associações pensam que podem intervir em tudo, quem tudo quer, nada faz. Se sou especializado numa determinada área, não vou imiscuir-me em outra, mas vou encaminhar os utentes para as especialidades que necessitam. Tenho essa filosofia até morrer, seja qual for a natureza das organizações onde me encontre. As pontes devem ser feitas. As pessoas têm de trabalhar em rede cada vez mais.

É uma das vertentes da ASL, o mudar das mentalidades através da educação dos mais jovens?

FR: Sem dúvida. As crianças são o melhor veículo de comunicação. São virgens em termos de mentalidades, não pagam água, luz e não tem que votar. Temos que implementar estas políticas neles, eles são o futuro. Eles não têm vícios. A classe política está cheia de vícios. Tem de haver um grande homem para mudar isto. Eu não gosto de tratar as pessoas por números, elas tem de ser tratadas como seres humanos. Nós temos 500 associados, mas eu não preocupo com isso. Temos de verificar é se o trabalho esta feito e se a ajuda chega para as necessidades reais dessas pessoas, é um projecto no terreno. Temos que trabalhar, as pessoas tem de ir à luta, nós é que criámos o nosso desemprego. Trabalho aqui na base do voluntariado, embora as pessoas não acreditem, se por um acaso houvesse dinheiro, já me tinham demitido desta associação. As pessoas não sabem o que voluntariado. Tem de ser personalizado? Sim, concordo. Se vamos despender umas horas, não é para ganhar um ordenado, mas podemos receber um montante para o combustível, concordo. O tempo que dão é muito bom, mas não devem perder dinheiro. As mentalidades devem ser mudadas, rapidamente, em particular, nas classes políticas. Estou nesta associação há vários anos e nunca recebemos qualquer apoio da segurança social, inventam sempre motivos para nunca atribuir as verbas, só peço 500 euros por mês, para pagar luz, água e gasolina. Eu concordo que a realidade regional não se coaduna com tão grande número de instituições de cariz social, muitas tem de fechar, são meros lobbies, qual é afinal seu papel interventivo? Temos que reagrupar e deixar no terreno as associações que de facto estão a trabalhar.

Tem demasiadas associações que não fazem nada é isso?

FR: Sim, é um pouco por aí. Há associações dos amigos dos surdos, os familiares das pessoas com deficiência, ou outras que não fazem nada, ou possuem uma actividade muito irregular. A ideia da sua constituição surge a partir de uma experiência familiar, alguém que ficou doente, surdo ou amputado. Actualmente, essas associações sem fins lucrativos foram contactadas para pagar as despesas do quotidiano, a luz, a água, a renda e imposto de selo. A ASL é uma instituição particular de solidariedade social a pensar no futuro, sem nunca esquecer o ontem.

Uma das tuas lutas são as barreiras arquitectónicas, contudo pouco tem sido feito nessa matéria.

FR: Eu não tenho medo das barreiras arquitectónicas, tenho medo é das barreiras psicológicas que as pessoas criam e tentam impingir aos outros. Duas pessoas podem pegar numa cadeira de rodas e ultrapassar um obstáculo, mas se no percurso houver um carro estacionado em cima do passeio, já não se consegue fazer nada. A ignorância é muito grande. Claramente é uma questão de educação cívica, quer do ponto de vista regional, governamental, mais central, no sentido que é essencial criar um programa nacional educacional na infância em prol das pessoas com necessidades especiais. Já há o dia nacional dos avós e da deficiência, mas nunca houve uma política educacional séria nesse sentido, agora até vamos eliminar a educação física nas escolas, o que é uma aberração. Então, vamos gastar mais dinheiro em médicos? Vamos gastar mais na saúde? Parece uma brincadeira de mau gosto. Ao tirar a obrigatoriedade da disciplina, estamos a afectar os mais jovens nas suas capacidades sociais, sem falar das questões físicas. A educação física é uma porta para socializar, intervir, adaptar-se e todas estas áreas estão interligadas. Só quem esta no terreno compreende estas barreiras psicológicas. As barreiras arquitectónicas são criadas pelos incompetentes que vivem nos seus gabinetes, não procuram, não aprendem, não pensam e acham que sabem tudo. Não conhecem a fundo à questão, por favor, peçam ajudam. Este país é de engenheiros e treinadores de bancada, como costumámos dizer. No fundo, somos todos burros, porque não somos capazes de admitir o erro, como podemos apontar os dos outros, quando não reconhecemos os nossos? É a nossa sociedade e não estamos preparados, temos de ser mais abertos, mais interventivos. Estamos a construir casas de três ou mais andares, não vamos chegar a velhos?

É também uma questão de espaço.

FR: Sim, claramente, mas devia haver a obrigatoriedade de um elevador. É caro, temos pena, senão não há alvará de construção. Agora já existem estudos térmicos para as casas, painéis solares, com o objectivo de poupar, mas este aspecto técnico é encarado com muita desconfiança.

Outra das vertentes da ASL é a campanha das tampinhas que manténs sempre activa.

FR: Sim, foi um projecto que abraçámos na antiga direcção, mas era descontínuo. Actualmente mantém-se sempre activa, porque eu acredito nela. Ultimamente há uma grande quebra do plástico e por isso temos alguma dificuldade em responder a todos os pedidos, mas estamos a chegar lá. Há uns dias atrás enviámos 10 mil toneladas para Lisboa e temos mais dez para seguir viagem. É uma realidade que temos de gerir ao longo prazo, cada carregamento, corresponde a um voucher de 2 mil euros, que se transforma-se em pagamentos para materiais ortopédicos, consultas e rendas sociais. As cadeiras de rodas são mais caras, custam cerca de 8 mil euros cada. Existe a ideia que o deficiente tem muitas regalias, mas não é verdade, temos de ir à luta como os outros, porque as pensões são uma miséria e há próteses que custam tanto como um carro.

Quando começastes com esta campanha e quantas toneladas já enviastes para as reciclar?

FR: Começou há dois anos e já reciclámos 40 mil toneladas de plástico. É muita tampa e as pessoas têm aderido muito.

Os madeirenses são solidários? Afirma-se com frequência que não somos.

FR: Somos solidários, não todos os dias, por natureza. Tem de facto acontecer uma grande catástrofe. Quando nos afecta directamente é que as pessoas são mais solidárias, sou também dessa opinião.

Em termos culturais quais são os projectos que desenvolvem?

FR: Temos o “I love Madeira” que tem um cariz social, no dia 18 de Agosto vai decorrer um evento de moda em que 50% das receitas da bilheteira revertem a favor da associação. Todo o dinheiro é bem-vindo por pouco que seja. Se aplicarmos 10 euros todos os dias, ao final do ano são cerca de 3600 euros, é como um puzzle. Temos de pensar em termos globais. Há também eventos desportivos, basquete em cadeiras de rodas, as caminhadas, piqueniques e convívios. Tudo como forma para obter verbas, por pequena que seja.

Há também os calendários com fotos de mulheres com deficiência, escolhem essa temática um pouco para desmitificar o preconceito?

FR: Sim. As pessoas encaram o deficiente como alguém que não tem dores de cabeça, menstruação, sexualidade e que não pensam. Eles têm tudo isso que acabei de referir, inclusive orgasmos e filhos. Se uma pessoa dita normal não consegue ter filhos, o que se pensa dela? É deficiente? São questões que deixo no ar, são os chamados tabus, contudo, a realidade actual é mais aberta, as pessoas socializam mais e começam a encarar a pessoa com necessidades especiais com maior normalidade. Todos somos seres sociais, deficientes ou não. Estas pessoas têm de ser tratadas com as ditas normais. A partir da escola começa tudo. O Ruca, o personagem de desenhos animados, apareceu para desmistificar o síndroma de down, é por isso que não tem cabelo, mas rapidamente o lucro foi superior à doença e esqueceram a mensagem. Muitas pessoas não sabem disso. Precisámos de um desenho animado de cadeira de rodas, para os mais pequenos perceberem que eles também existem. Tem de haver spots publicitários que incluam as pessoas com necessidades especiais, tudo isso conta.

http://www.associacaosemlimites.com/

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