Uma das tuas lutas são as barreiras arquitectónicas, contudo pouco tem sido feito nessa matéria.
FR: Eu não tenho medo das barreiras arquitectónicas, tenho medo é das barreiras psicológicas que as pessoas criam e tentam impingir aos outros. Duas pessoas podem pegar numa cadeira de rodas e ultrapassar um obstáculo, mas se no percurso houver um carro estacionado em cima do passeio, já não se consegue fazer nada. A ignorância é muito grande. Claramente é uma questão de educação cívica, quer do ponto de vista regional, governamental, mais central, no sentido que é essencial criar um programa nacional educacional na infância em prol das pessoas com necessidades especiais. Já há o dia nacional dos avós e da deficiência, mas nunca houve uma política educacional séria nesse sentido, agora até vamos eliminar a educação física nas escolas, o que é uma aberração. Então, vamos gastar mais dinheiro em médicos? Vamos gastar mais na saúde? Parece uma brincadeira de mau gosto. Ao tirar a obrigatoriedade da disciplina, estamos a afectar os mais jovens nas suas capacidades sociais, sem falar das questões físicas. A educação física é uma porta para socializar, intervir, adaptar-se e todas estas áreas estão interligadas. Só quem esta no terreno compreende estas barreiras psicológicas. As barreiras arquitectónicas são criadas pelos incompetentes que vivem nos seus gabinetes, não procuram, não aprendem, não pensam e acham que sabem tudo. Não conhecem a fundo à questão, por favor, peçam ajudam. Este país é de engenheiros e treinadores de bancada, como costumámos dizer. No fundo, somos todos burros, porque não somos capazes de admitir o erro, como podemos apontar os dos outros, quando não reconhecemos os nossos? É a nossa sociedade e não estamos preparados, temos de ser mais abertos, mais interventivos. Estamos a construir casas de três ou mais andares, não vamos chegar a velhos?
É também uma questão de espaço.
FR: Sim, claramente, mas devia haver a obrigatoriedade de um elevador. É caro, temos pena, senão não há alvará de construção. Agora já existem estudos térmicos para as casas, painéis solares, com o objectivo de poupar, mas este aspecto técnico é encarado com muita desconfiança.
Outra das vertentes da ASL é a campanha das tampinhas que manténs sempre activa.
FR: Sim, foi um projecto que abraçámos na antiga direcção, mas era descontínuo. Actualmente mantém-se sempre activa, porque eu acredito nela. Ultimamente há uma grande quebra do plástico e por isso temos alguma dificuldade em responder a todos os pedidos, mas estamos a chegar lá. Há uns dias atrás enviámos 10 mil toneladas para Lisboa e temos mais dez para seguir viagem. É uma realidade que temos de gerir ao longo prazo, cada carregamento, corresponde a um voucher de 2 mil euros, que se transforma-se em pagamentos para materiais ortopédicos, consultas e rendas sociais. As cadeiras de rodas são mais caras, custam cerca de 8 mil euros cada. Existe a ideia que o deficiente tem muitas regalias, mas não é verdade, temos de ir à luta como os outros, porque as pensões são uma miséria e há próteses que custam tanto como um carro.
Quando começastes com esta campanha e quantas toneladas já enviastes para as reciclar?
FR: Começou há dois anos e já reciclámos 40 mil toneladas de plástico. É muita tampa e as pessoas têm aderido muito.
Os madeirenses são solidários? Afirma-se com frequência que não somos.
FR: Somos solidários, não todos os dias, por natureza. Tem de facto acontecer uma grande catástrofe. Quando nos afecta directamente é que as pessoas são mais solidárias, sou também dessa opinião.
Em termos culturais quais são os projectos que desenvolvem?
FR: Temos o “I love Madeira” que tem um cariz social, no dia 18 de Agosto vai decorrer um evento de moda em que 50% das receitas da bilheteira revertem a favor da associação. Todo o dinheiro é bem-vindo por pouco que seja. Se aplicarmos 10 euros todos os dias, ao final do ano são cerca de 3600 euros, é como um puzzle. Temos de pensar em termos globais. Há também eventos desportivos, basquete em cadeiras de rodas, as caminhadas, piqueniques e convívios. Tudo como forma para obter verbas, por pequena que seja.
Há também os calendários com fotos de mulheres com deficiência, escolhem essa temática um pouco para desmitificar o preconceito?
FR: Sim. As pessoas encaram o deficiente como alguém que não tem dores de cabeça, menstruação, sexualidade e que não pensam. Eles têm tudo isso que acabei de referir, inclusive orgasmos e filhos. Se uma pessoa dita normal não consegue ter filhos, o que se pensa dela? É deficiente? São questões que deixo no ar, são os chamados tabus, contudo, a realidade actual é mais aberta, as pessoas socializam mais e começam a encarar a pessoa com necessidades especiais com maior normalidade. Todos somos seres sociais, deficientes ou não. Estas pessoas têm de ser tratadas com as ditas normais. A partir da escola começa tudo. O Ruca, o personagem de desenhos animados, apareceu para desmistificar o síndroma de down, é por isso que não tem cabelo, mas rapidamente o lucro foi superior à doença e esqueceram a mensagem. Muitas pessoas não sabem disso. Precisámos de um desenho animado de cadeira de rodas, para os mais pequenos perceberem que eles também existem. Tem de haver spots publicitários que incluam as pessoas com necessidades especiais, tudo isso conta.