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Um palmilha com dentada

Escrito por 

Nuno Preto é um dos membros do grupo de teatro palmilha dentada. Uma companhia que sempre se definiu por um repertório original, irónico e com um humor súbtil, com uma narrativa que se infiltra, ou insinua junto do público que o vai descobrindo e se vai mantendo fiel ao longo dos anos.

Queria abordar o vosso último trabalho, com o qual andam em tournée por todo o país sobre o general delgado, é uma peça que foge um pouco a vossa linha artística, tem um sentido de humor mais contido e possui uma mensagem política muito forte, porque decidiram desviar-se desse vosso percurso?
Nuno Preto:A linha política sempre esteve presente no nosso trabalho. O cómico também, embora não seja desbragado. A maior parte dos espectáculos da “palmilha dentada” não tem um lado cómico fácil, é uma comicidade de situação, que possui algumas referências. Este espectáculo do general, que é o Gui que interpreta, possui referências históricas e dessa forma como é que poderíamos tornar actual? É uma peça muito política, o cómico é muito camuflado, é muito mais sério quando comparado com “o guardião do rio”, “o gene do corvo” e outros, embora assente nalguns pressupostos, as peças são escritas para os actores que os interpretam por inquietações que se vivem no momento, quer sejam familiares, ou sociais, discussões de ideias dos interpretes até com o encenador e as coisas vão acontecendo assim, são encenadas assim e que resultam nesse objecto artístico.

Vamos falar um pouco da escrita, vocês decidem os textos em conjunto. Como é todo esse processo criativo?
NP: Não é um processo em conjunto, ou seja, a escrita não é conjunta, é participativa, mas o texto é da responsabilidade do Ricardo Alves, que é o director da companhia, as coisas são discutidas e são abertas nesse sentido.

Mas, o que acontece é que escolhem a ideia...
NP: Sim, primeiro surgem as ideias, apetece-me fazer isto, ou aquilo, gostava de ver isto assim e o Ricardo vai compondo as ideias que lhe agradam na forma de uma pequena ditadura que impõe, mas faz sentido, porque ele esta de fora a olhar para as coisas e depois escreve. É participativo num outro sentido, que acontece a partir do momento que a passa para nós, debruçamo-nos sobre ela, por vezes destruímo-la, acrescentámos uma frase nova e isso acontece porque já nos conhecemos há muito tempo.

Então existe muita improvisação ao longo do espectáculo, embora esteja tudo escrito?
NP: Sim, há muita improvisação, mas mais em alguns espectáculos do que outros. É assim, no “corvo” que é fechado, não há muito espaço para o improviso, outras peças são muito abertas, ou seja, a intervenção do público é quase uma marcação que temos, ou directriz. Outras ainda, como o besouro são completamente fechadas e é um pouco o nosso anti-ADN, embora haja sempre uma respiração que se partilha com o público.

Agora vamos abordar os monólogos como é que reflectes sobre este tipo de espectáculos sem rede, em que estás só em palco.
NP: Sim, mas há uma rede muito forte que é o espectáculo e o domínio dele, há outra componente muito forte que é sentir a respiração do público que algo físico, não é filosófico e é uma questão de estar aberto a isso. Claro que um monólogo é mais complicado, porque se acontece alguma coisa não temos quem nos diga o texto que esquecemos, ou quando sentimos que num determinado dia a nossa energia esta em baixo não temos ninguém que a compense, é mais complicado nesse sentido, mas é um processo. Qualquer peça sofre um período de ensaios para te preparares o melhor possível para posteriormente estrear. Eu acredito neste pragmatismo de que ninguém conhece melhor o espectáculo que tu que o fazes, por isso, és tu que o dominas e trabalhaste para isso, o assustador é...

A interacção do público?
NP: Isso não me assusta, porque somos abertos o suficiente para não cair naquilo que o público quer muitas vezes que é o riso fácil, por isso temos que temos de ter bom gosto para não fugir com os improvisos do que é a essência do espectáculo. Este espectáculo o corvo é muito fechado nesse sentido porque qualquer improviso tem de estar ligado à narrativa, porque senão perde-se. A peça é a mesma voz, que sou eu que sou o interprete, a história é sempre mais forte do que qualquer personagem e improviso.

O vosso trabalho também é reconhecido por serem muito itinerantes. Contudo, durante alguns anos tiveram um poiso específico que é o teatro Helena Costa Sá, mas voltaram de novo ao início, porquê?
NP: Porque não nos compensava estar num só sítio fechados, embora o teatro tivesse todas as condições. Foi uma questão monetária. Mesmo assim, a nossa itinerância era forte, não nos limitámos a ficar fechados, uma das formas de sobreviver é estar em vários sítios, porque são essas salas que pagam para estarmos lá e dessa forma a “palmilha dentada” se dá a conhecer o mais possível.

Abordando essa vertente da itinerância numa outra perspectiva, como é que olham para a cultura agora que o Estado pouco ou nenhum apoio confere e após uma certa polémica na distribuição do concurso do DG artes, vocês que sempre foram independentes? Porque há quem defenda que o Estado deve apoiar os grupos.
NP: Sim, somos da mesma opinião e até achámos que deve ser na maioria das vezes a fundo perdido. A cultura teoricamente não é algo que terá de dar dinheiro de volta a própria Secretária de Estado, não é um sítio de retorno, mas sim de investimento nas próprias estructuras para sobreviverem, criarem postos de trabalhos e públicos cultos. A cultura tal como a educação é um traço da personalidade de uma sociedade a partir do momento em que existe investimento nessa área. Claro que, estámos a falar de várias visões que diferem em alguns pontos, mas a forma como olhámos para isso é muito tranquila, porque a “palmilha dentada” viveu sempre desde o início sem subsídios, nunca sentimos o ter mais dinheiro, ou menos dinheiro directamente, é evidente nos afecta, porque não há investimento nos teatros para estes poderem comprar espectáculos. Aflige-nos que onde primeiro se corta é na cultura, do nosso ponto de vista espero que isto melhore e quando digo isto falo do sistema de atribuição de apoios, é muito burocrático e viu-se agora com estes últimos concursos, quando 40% das estructuras foram excluídas por questões burocráticas e muitas vezes essa vertente ultrapassa a questão artística. O mais importante na cultura é esse lado artístico e esta burocratização da cultura entristece-a de alguma forma, porque parece que estámos a investir mais na formação de burocrátas do que no nosso próprio trabalho que é criar espectáculos e fidelizar públicos e muitas vezes pensa-se que se atribui uma subsídio para funcionar no agora, mas não se pensa na fidelização desse mesmo agora, o objectivo é as pessoas se sentirem cativadas e voltarem e isto demora tempo, tem de ser pensado a médio e longo prazo do que a curto prazo.

Abordando esta questão da fidelização, então define-me quem é o público do Palmilha dentada?
NP: Todo o público.
Mas, que é isso de todo?
NP: Todo.
Mas, já disseste que não fazem um humor fácil, portanto não creio que seja qualquer tipo de público que apareça nos vossos espectáculos.
NP: Sim, mas os espectáculos tem camadas sob camadas de leituras e a pessoa que vai pela primeira vez e não tem a referência que outros públicos tem vai ver a peça e aprecia uma camada mais cómica e fica cativado. A segunda vez que aparece nos nossos espectáculos começa a ver outras coisas e aprecia a segunda camada e a formação de público vai acontecendo assim. Nós começámos como café-teatro e cabaré no “tertúlia castelense” e esse público é o mais fiel até das peças mais filosóficas, ou seja, era o mesmo público, só que vai encontrando uma forma diferente de ver as peças e o feedback que obtemos é algo muito aberto.

Não físico?
NP: Mas, esse também é óptimo (risos). É um contacto muito aberto, tivemos um espectáculo numa altura, até é o Rodrigo que conta essa peripécia, um espectador chegou no final e disse que m..... é essa? Eu trago muita gente comigo dizendo-lhe que a peça é brutal e vocês apresentam esta porcaria? Esse é um dos feedback que ouvimos, mas o melhor que temos é a fidelização do nosso público e a prova esta em que apresentámos um espectáculo no teatro campo alegre e treze anos depois ainda termos público com uma média de 100 pessoas, o que é muito bom, a nossa página de facebook que é também um medidor, a partilha que temos e da própria classe do teatro desta espécie de companhia à margem que esta integrada.

http://adentadadapalmilha.blogspot.pt/

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