
Catarina Mourão pertence a uma nova vaga de cineastas que fazem do documentário uma forma de arte. Filma o quotidiano dos outros, torna-se invisível, deixando, contudo, um cunho muito pessoal na sua cinematografia. O seu último trabalho sobre Lurdes Castro reflecte essa intimidade, essa confiança mútua que transparece no ecrã.
Fale-me um pouco do seu primeiro documentário, a dama de Shandor.
O Dama de Shandor não foi o meu primeiro documentário, o primeiro que fiz foi em 1997 que é “Fora de água” e que é um filme que acompanha vários artistas pelo Alentejo para fazer arte pública, que vão desenvolver vários projectos sobre a seca e o isolamento e o filme conta-nos um pouco esse dialogo com a população. A seguir veio a Dama de Shandor, na verdade quando estava a rodar esse filme já tinha ido a Goa em pesquisa para esse documentário. Na altura tinha acabado de fazer o meu mestrado em cinema e tinha ido a Índia como turista e conheci aquela senhora, a Dama Shandor, a Aida Menezes de Bragança, e achei que era uma personalidade interessante, sobretudo, porque a vida dela e o quotidiano na casa reflectiam o que era Goa para mim naquele momento, que era um sítio com muitas contradições em que o passado e o presente convivem.
À flor da pele, porque a escolha deste tema?
Os filmes acontecem por influência das vivências que temos e com a forma como faço cinema. Na flor da pele surge na sequência de um filme que fiz no Porto, que é o desassossego. É um tríptico da cidade. O documentário nasce de um convite que me fizeram para desenvolver um filme num bairro social do Porto. E é assim que nasce o “ Á Flor da pele”, embora na altura não houvesse dinheiro para fazer era mais para me balançar no sentido de realiza-lo e acho que estou sempre a procura do mesmo, apesar de os filmes serem todos diferentes.
Nessa categoria insere a mãe e filha?
Esse sim é um filme completamente diferente. “Mãe e filha” é uma curta-metragem que se insere num outro filme, esse sim um trabalho que fiz para a televisão, que era a mediação de conflitos. O filme é sobre uma mãe e uma filha que tem um conflito familiar e que o resolvem através de uma mediação. E o que é engraçado no filme é que é uma simulação, é um exercício porque ambas estão a treinar para serem mediadoras. E para mim fui um muito engraçado faze-lo porque, brinca com o que é o documentário e o que é a ficção.
E o da Lurdes Castro?
O filme da Lurdes Castro é contemporâneo do meu primeiro filme “Fora de água”. Depois de ter estudado cinema foi o primeiro projecto em que comecei a pensar. Se bem que já tivesse ido a Índia fazer a minha primeira rodagem. Por isso, até há quem veja paralelos entre a Dama de Shandor e a Lurdes. Existem semelhanças óbvias, são mulheres com um determinado percurso de vida e vivem na sua casa, claro que é diferente em cada história, mas há uma relação muito forte com o espaço. Se bem que o filme com a Lurdes demorou mais tempo e acrescentou muitas outras coisas na produção do meu trabalho.
Qual destes trabalhos trouxe mais desafios?
É uma reposta muito difícil, porque todos na altura me trouxeram qualquer coisa. E depois como se mede o desafio? Aquele em que estamos a viver é o que parece mais importante. Depois com a distância do tempo é que relativizamos.
E qual deles olha com mais carinho?
É aquele que acabou de fazer, não é? Se calhar neste momento estou mais ligada com a da Lurdes. Mas, quando revejo os filmes, revejo também as experiências que vivi, são um bocadinho como filhos.
É fácil fazer documentários em Portugal?
Não é nada fácil. É fácil se encararmos o documentário como uma reportagem televisiva. Faz-se umas entrevistas, recolhe-se umas imagens e em quatro dias faz-se um filme. Isso para mim não é cinema. Fazer documentário é como se faz uma longa-metragem de ficção, como um mergulho, uma imersão, é um trabalho muito grande e é mais difícil do que a ficção e daquilo que as pessoas pensam, porque colocam o documentário num patamar hierárquico inferior. Eu acho que há mais abertura para o documentário, mas continua a ser visto em Portugal com uma arte cinematográfica inferior do que a ficção, o que é ridículo, porque num documentário há ficção e vice-versa. A separação entre um e outro nem sempre é óbvio, nem faz sentido. A RTP 2 gosta de dizer que é uma televisão dos documentários e no entanto, vê-se muito pouco documentário, o que se vê é colocar um voz off com umas entrevistas e umas imagens…
Mas eu vi todos os documentários que realizou através deste canal
Sim, mas esses são documentários não são apoiados pela RTP, são apoiados pelo ICA e pelo Instituto de Cinema. O que estou a dizer que é que a televisão devia participar muito mais no cinema documental. O de ficção, à partida é muito mais cara, porque envolve actores e uma equipa maior. Mas, o documentário para funcionar para se criar essa relação de proximidade, para criar essa relação com a pessoa que se esta a filma precisa de tempo. O Pedro Costa, por exemplo, precisa de um ano para filmar. Têm uma produção pequenina, mas envolve muito tempo. A televisão têm nesta matéria um papel importante, acho que é essencial. Não é óbvio passarem os filmes, passam muitos documentários estrangeiros.
E os festivais cumprem o seu papel?
Eles tem um papel importantíssimo, porque criam um acontecimento em torno do cinema e as pessoas vão. E há uma curiosidade para encontrar pessoas e ver coisas novas.