Cristina Trindade, investigadora, professora universitária, historiadora ao abordar o interesse de produzir uma obra deste género sublinhou que “é o resumo sobre um assunto que é tão antigo quanto a história da humanidade. A história do relacionamento do poder religioso com a humanidade e o poder político, existe desde que o homem existe. A necessidade de interpelação do divino e o sobrenatural do que não conseguimos explicar surge com a humanidade e portanto, existe a criação de um corpo de sacerdotes que são intermediários entre este mundo e o outro, são as pessoas em que se confiam para justificar o injustificável e inexplicável. Esta dualidade política e religiosa percorre a história da humanidade e do cristianianismo, a igreja e o poder político”.
Porquê a escolha deste temática em particular?
Gabriel de Jesus Pita: Porque é um tema que tem sido abordado em vários livros, sobretudo depois do 25 de Abril, é uma temática complexa e polémica e susceptível, às vezes, de conduzir cruzadas de sentido contrário. As relações entre a Igreja e o Estado, no caso concreto deste livro trata-se sobre o relacionamento da igreja católica, sobretudo, com as ditaduras europeias, as mundiais, em especial, com a portuguesa e o salazarismo. Mas, focando no tema de estrutura ideológica do Estado Novo é o nacionalismo. O livro trata de abordar essa ligação da igreja com essas ditaduras, mas especificamente o caso português.
Existe algum ponto onde seja referida a Madeira, nesta investigação?
GJP: A ilha não é abordada especificamente, apena há num dia uma referência que é o 17 de Julho de 1944 em que o cardeal Cerejeira passa pela Madeira a caminho de Moçambique como delegado papal para a sagração da catedral deste país africano. Abordo esta passagem para exemplificar à importância política e religiosa que este cardeal possuía e como a sociedade, a comunicação social, encarava esta viagem do ponto de vista nacionalista, patriótico e religioso. O presidente Carmona tinha visitado as colónias em 1928, o cardeal Cerejeira foi em 1944 e o Diário de Notícias da época dizia que esta última viagem era o complemento da primeira, dentro desse espírito nacionalista em que a igreja católica tinha sempre acompanhado a história de Portugal.
Nesta ambivalência de poderes de Igreja/Estado que lição há para retirar desse passado? Ainda existe algum legado para a história moderna?
GJP: Bom, depois do 25 de Abril acusou-se muito a igreja de estar ligada ao Estado Novo e de ter consentido algumas barbaridades cometidas. Este livro vêm abordar essa questão delicada, mas a minha preocupação é que não fosse usado como cruzada para os anti-clericais, nem por aqueles que entendem fazer a apologia da igreja católica portuguesa como se nada de mau se tivesse passado. Portanto, procurei a objectividade que me foi possível dentro da documentação disponível para que o assunto fosse abordado sem alinhar em cruzadas nem pro, nem contra. O livro prova ao contrário do que às vezes se divulga, mesmo em relação ao Estado e à sociedade, de que o seio da igreja não permite determinadas afirmações, de que nada mudou e que é muito conservadora. Quem ler esta obra vai encontrar posições da igreja que hoje não são de modo nenhum aceites pelo papa, ou pela própria cúria, nem pelos bispos ou sacerdotes.
Então quer dizer que muito pouca coisa mudou?
GJP: Não, na igreja alguma coisa mudou e o livro demonstra-o. É preciso encarar aquilo que se passou entre 1937 e 1945, são as balizas do estudo, os dois pontificados, à luz dessa época nessas circunstâncias, que Pio XI é uma pessoa diferente de Pio XII. O primeiro morre antes da guerra, o segundo papa vive esse período da II guerra mundial e acompanha ainda a guerra fria, mas o estudo visa separar essas duas visões e explicar a posição da igreja atendendo a personalidade e as cirscuntâncias de ambos os pontífices.
Durante esse estudo que levou a cabo, teve de consultar muitos documentos. Encontrou barreiras de algum tipo durante esse estudo?
GJP: Não encontrei barreiras. Aliás, tenho de louvar a biblioteca da Universidade Católica Portuguesa (UCP) que me disponibilizou tanta documentação e de uma forma tão desburocratizada que os louvo, mas na altura do meu estudo tive toda a colaboração possível. Depois é também baseado numa revista, que é lançada pelo próprio clero, de assinatura obrigatória para todas as dioceses, a Lúmem. Existe ainda, mas é do clero e para o clero, só que essa públicação não tinha os documentos suficientes para analisar o pensamento da igreja romana e de Portugal, por isso, tive que me deslocar à biblioteca da UCP.
Quanto tempo levou desde o início da ideia para a tese até o final?
GJP: Sabe essa questão do tempo é relativa. Posso dizer que escrevi o livro ao longo de dez anos, mas só me dediquei a ele 5 minutos por dia. Este livro reproduz de uma forma geral a minha tese de mestrado que já foi defendida há 20 anos e esta foi a terceira tentativa para ser publicada.
Abordou já uma data importante no contexto deste livro. Há contudo alguma outra data de relevo que gostaria de realçar?
GJP: Há uma data essencial e que marca a atitude da igreja portuguesa em relação ao Estado Novo que é 1940, porque neste data celebram o regime, que nasceu e cresceu e apresentou-se ao grande público com a grande exposição do mundo português em Lisboa. Segundo, é a data da concordata da Igreja católica com o Estado Novo, tentando acabar com o divórcio entre esta instituição eclesiástica e o Estado que era laíco e republicano.