Há alguma diferença entre poetas e poetisas em termos da escrita. Há uma linguagem mais masculina e outra mais feminina?
MRP: Eu acho que isso foi mais verdade do que hoje. Eu vou contar uma história engraçada, eu com vinte e tal anos concorri a um prémio de poesia da junta de freguesia, porque precisava de um frigorífico, concorri com um pseudónimo, aliás foi um livro que só foi editado localmente e que nem faz parte da minha biografia hoje, porque é um livro juvenil e contaram-me que o júri, foi um dos membros que me disse, que havia um jurado que mal leu o meu poema disse: eu sei perfeitamente de quem é este livro, é de um homem, apesar de ter um pseudónimo feminino. Eu diria que a minha escrita, por esse ponto de vista, não é se calhar uma escrita absolutamente feminista. A verdade é que comecei a publicar com mais regularidade e maturidade, toda a gente acha que a minha poesia é herdeira da Emily Dickenson, uma poesia doméstica, do lar, da casa, portanto eu diria que sim, que há uma poesia feminina e outra que não é necessariamente masculina, mas que também não é feminina. Penso que isso agora é menos verdade, porque os poetas mais jovens não tem que lutar tanto em termos de afirmação, de igualdades de oportunidades, porque o mundo mudou e embora haja muita coisa por fazer, esta claramente mais justo e mais equilibrado nas questões das paridades, por isso se calhar não se nota tanto nos jovens poetas, porque deixou de ser uma preocupação tão evidente.
Como poeta acha que o prémio Inês de Castro é importante?
MRP: Eu acho sobretudo que é um prémio apropriado, porque a história da Inês de Castro e da sua morte pelo amor tem muito que ver com a minha poesia. É uma escrita que fala sobre um amor que vale a pena morrer, ou ressuscitar. Achei que era um prémio com graça, também são todos importantes como reconhecimento da parte dos outros e por outro lado, um estimulo a nossa própria criatividade. Agora não são nada mais do que isso. Acho que não significam muito em termos da soberba, da vaidade. Quer dizer sim que os nossos pares, o júri, eram compostos por pessoas de grande respeito, universitário, poetas, romancistas, pessoas com uma certa reputação e aí sim é importante para a pessoa que ganha pensar que aquelas personalidades de reconhecida cotação tenham autenticado o mérito a nossa obra. Mais que isso não.
Esta a preparar alguma outra obra de poesia para breve?
MRP: Eu reuni a poesia em Setembro, não sou muito produtiva em termos de poesia. Em quinze anos encontra 4 livros, sou uma poeta não vou dizer preguiçosa, mas pouco produtiva, porque para já trabalho com livros a tempo inteiro e tenho pouco tempo para escrever e organizar-me. Por outro lado, estando a minha poesia associada a maus momentos da minha vida, ainda bem que não tenho muitos. Não podia estar sempre a "sofrer", nestes últimos anos tenho tido uma vida bastante feliz, fez com que publica-se menos. O meu último livro que é de 2012 é muito sobre o medo daquilo que se tem de perder de bom. Portanto, eu sempre tinha escrito sobre coisas que me faziam sofrer e a verdade é que ao ter algo de tão positivo não tinha necessidade de escrever até o momento em que houve uma separação forçada por questões de trabalho, de repente senti e se eu perdesse isto? É de facto algo muito recente e não estou a preparar nenhum livro para já. Mas, esta situação que vivemos Portugal tem-me aborrecido muito e nos últimos dois meses, em Março e Abril, tem-me feito escrever sobre que se esta a passar, porque todos os dias à minha volta vejo situações penosas, pessoas competentes que são despedidas porque a empresa não consegue suportar mais do que X ordenados, pessoas com grandes capacidades que perderam os seus empregos com casas praticamente pagas ao banco e tiveram que entrega-las, foram viver outra vez com os pais, com 40 anos e com filhos e perderam todo o dinheiro que tinham investido e dei por mim a escrever ao contrário do que tinha acontecido antes, que escrevia sobre mim, agora, escrevo sobre as mulheres deste tempo. 2013 é o meu mote mental e tenho uma meia dúzia de poemas que não dariam um livro, mas talvez uma plaquete sobre, por exemplo, porque é que as prostitutas estão a voltar para as ruas quando já se tinham ido embora e tinham profissões mais dignas, porque as pessoas idosas não tem dinheiro para comprar remédios e por outro lado, porque as farmácias fecham. Não sei se vai dar um livro.
Quem são estas mulheres de 2013?
MRP: Somos todas nós. Eu sou de um tempo que até a adolescência que vivi numa ditadura. Não tive parentes presos, porque não tinha uma família clandestina. Tinha uma família de leitura o que foi útil para mim, mas durante esses 14 anos assisti a coisas muito injustas como as empregadas domésticas não serem trabalhadoras, serviam. Eram coisas terríveis e sonhavam com cartas de chamada para a Suíça, ou para a Alemanha, porque queriam ter uma vida mais digna. Assisti ao analfabetismo generalizado, 60% das pessoas não sabia ler. Custa-me muito ver desaparecer o que fomos acrescentando desde 1974, as famílias colocarem os filhos a estudar e tirar cursos, a evolução do bem-estar geral em termos culturais e de educação. É o primeiro momento que após essa mudança, eu sinto que estamos a andar para atrás. As pessoas que podiam estudar não tem onde trabalhar e vai-se repetir o que aconteceu com os pais e avós que é trabalhar em posições muito menores, há imensa gente licenciada como caixa de supermercado e por outro lado, existem pessoas a sair para o exterior, porque não há outra opção para elas. Essas mães desses rapazes e raparigas, são essas mulheres todas, as que vivemos antes é que podemos comparar o que foi, o que se conseguiu e o que esta a ser. Claro, todas elas são mais sensíveis a esta situação, eu nunca fui mãe, mas posso avaliar que uma mãe que tem de dar comida para dar aos filhos, que estão com fome, só pode ser infeliz e ter uma vida trágica e deixar de comer para dar-lhes a eles. São destas mulheres de que estou a falar.