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A poetisa do profundo

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Mária do Rosário Pedreira é um nome incontornável da poesia em Portugal. Possui uma obra que reflecte as suas angústias, o amor, o desamor e as suas perturbações do dia-a-dia. Poesia reunida é um dos exemplos que foi em boa hora agraciado com prémio Inês de Castro.

Gostaria de fazer-lhe em primeiro lugar uma pergunta genérica, somos um país de poetisas?
Maria do Rosário Pedreira: Somos mais um país de romancistas hoje, mais do que de poetas. Diria que a nova geração é de ficcionista, mas há um grande tradição em Portugal quer de homens, quer de mulheres de escrever poesia. Eu diria que é um bocadinho cedo ainda para perceber se as pessoas que nasceram no pós-25 de Abril, que tem 30 a 40 anos, se neles há um grupo de poetas que vai sobreviver e que vai ficar na história da literatura. Acho que ainda é cedo para avaliar.


Falando dessa geração que acha que ainda vai surgir, inclui nela seu nome?
MRP: Não, comecei a escrever no século passado, portanto e nasci muito antes do que no 25 de Abril, tinha 14 anos no dia da revolução, estou a falar maioritariamente das pessoas que nasceram depois, que são os novos escritores hoje que estão a singrar digamos assim e vejo muito mais atenção aos romancistas como o Gonçalo Tavares, o João Tordo, José Luís Peixoto e o Valter Hugo Mãe do que a poetas da mesma idade. Eles não têm muita atenção da crítica, mesmo junto do publico não tem tanto sucesso que tem esses mesmos nomes no romance.


Falando de poesia, o que a inspira a escrever?
MRP: Eu não sei o que é, mas o Eduardo Padro Coelho uma vez numa feira do livro, para descrever a diferença entre os poetas e os romancistas disse uma coisa muita engraçada que era: os romancistas eram claramente neuróticos, quando andavam com um projecto acordavam com os personagens, olhavam-se no espelho a pensar nelas, não conseguiam abandonar aquilo e era algo completamente presente no mental. Não se separavam deles. Por oposição chamou aos poetas psicóticos, dizendo que normalmente eles não sabem de ondem lhes vêm aquilo que escrevem, é assim algo de transcendental. Comigo passasse exactamente a mesma coisa, vamos num autocarro ou estamos sentados a trabalhar, em casa à noite e há uma expressão, um verso que começa a azucrinar e não sabemos de onde é que vêm, mas é o princípio do poema. Obviamente que há um trabalho de oficina, mas nunca sabemos de onde vêm esse primeiro chamamento, esse primeiro apelo. Nem sei muito bem responder-lhe a essa pergunta de onde é que vêm a inspiração? A minha poesia tem muito que ver com a minha biografia, é muito virada para os sentimentos do momento, escrevo muito mais nas alturas em que me sinto muito inquieta, ou abandonada, ou triste, do que naqueles momentos em que me sinto bem. Tenho a tendência de usar a poesia como psicoterapia para os meus próprios males, mas nem sempre aquilo que escrevo é autobiográfico na medida em que o sentimento sim, é o que aparece no poema, às vezes contorno, a história não é minha. É algo que vou buscar para falar dessa coisa que me esta a moer.


É necessário sofrer para escrever poemas?
MRP: Não é para toda a gente. No meu caso é preciso sobretudo estar inquieta. Haver algo que me esta a perturbar, quando estou lindamente, ou equilibrada, eu pelo menos, não sinto essa necessidade de escrever. Para mim tem muito mais a ver com estados de alma mais soturnos, mais negros. Esse é o meu caso. Sei que há poetas como o Vasco Graça Moura, e já assisti a isto, sentou-se ao meu lado numa viagem Lisboa-Madrid e traduziu dois sonetos de Petrarca que são quase poemas dele. Existem pessoas que olham para a poesia como uma técnica, no meu caso, não. Eu escrevo poesia, comecei desde miúda, quando estou mais triste e perturbada.

 

Há alguma diferença entre poetas e poetisas em termos da escrita. Há uma linguagem mais masculina e outra mais feminina?
MRP: Eu acho que isso foi mais verdade do que hoje. Eu vou contar uma história engraçada, eu com vinte e tal anos concorri a um prémio de poesia da junta de freguesia, porque precisava de um frigorífico, concorri com um pseudónimo, aliás foi um livro que só foi editado localmente e que nem faz parte da minha biografia hoje, porque é um livro juvenil e contaram-me que o júri, foi um dos membros que me disse, que havia um jurado que mal leu o meu poema disse: eu sei perfeitamente de quem é este livro, é de um homem, apesar de ter um pseudónimo feminino. Eu diria que a minha escrita, por esse ponto de vista, não é se calhar uma escrita absolutamente feminista. A verdade é que comecei a publicar com mais regularidade e maturidade, toda a gente acha que a minha poesia é herdeira da Emily Dickenson, uma poesia doméstica, do lar, da casa, portanto eu diria que sim, que há uma poesia feminina e outra que não é necessariamente masculina, mas que também não é feminina. Penso que isso agora é menos verdade, porque os poetas mais jovens não tem que lutar tanto em termos de afirmação, de igualdades de oportunidades, porque o mundo mudou e embora haja muita coisa por fazer, esta claramente mais justo e mais equilibrado nas questões das paridades, por isso se calhar não se nota tanto nos jovens poetas, porque deixou de ser uma preocupação tão evidente.

 


Como poeta acha que o prémio Inês de Castro é importante?
MRP: Eu acho sobretudo que é um prémio apropriado, porque a história da Inês de Castro e da sua morte pelo amor tem muito que ver com a minha poesia. É uma escrita que fala sobre um amor que vale a pena morrer, ou ressuscitar. Achei que era um prémio com graça, também são todos importantes como reconhecimento da parte dos outros e por outro lado, um estimulo a nossa própria criatividade. Agora não são nada mais do que isso. Acho que não significam muito em termos da soberba, da vaidade. Quer dizer sim que os nossos pares, o júri, eram compostos por pessoas de grande respeito, universitário, poetas, romancistas, pessoas com uma certa reputação e aí sim é importante para a pessoa que ganha pensar que aquelas personalidades de reconhecida cotação tenham autenticado o mérito a nossa obra. Mais que isso não.


Esta a preparar alguma outra obra de poesia para breve?
MRP: Eu reuni a poesia em Setembro, não sou muito produtiva em termos de poesia. Em quinze anos encontra 4 livros, sou uma poeta não vou dizer preguiçosa, mas pouco produtiva, porque para já trabalho com livros a tempo inteiro e tenho pouco tempo para escrever e organizar-me. Por outro lado, estando a minha poesia associada a maus momentos da minha vida, ainda bem que não tenho muitos. Não podia estar sempre a "sofrer", nestes últimos anos tenho tido uma vida bastante feliz, fez com que publica-se menos. O meu último livro que é de 2012 é muito sobre o medo daquilo que se tem de perder de bom. Portanto, eu sempre tinha escrito sobre coisas que me faziam sofrer e a verdade é que ao ter algo de tão positivo não tinha necessidade de escrever até o momento em que houve uma separação forçada por questões de trabalho, de repente senti e se eu perdesse isto? É de facto algo muito recente e não estou a preparar nenhum livro para já. Mas, esta situação que vivemos Portugal tem-me aborrecido muito e nos últimos dois meses, em Março e Abril, tem-me feito escrever sobre que se esta a passar, porque todos os dias à minha volta vejo situações penosas, pessoas competentes que são despedidas porque a empresa não consegue suportar mais do que X ordenados, pessoas com grandes capacidades que perderam os seus empregos com casas praticamente pagas ao banco e tiveram que entrega-las, foram viver outra vez com os pais, com 40 anos e com filhos e perderam todo o dinheiro que tinham investido e dei por mim a escrever ao contrário do que tinha acontecido antes, que escrevia sobre mim, agora, escrevo sobre as mulheres deste tempo. 2013 é o meu mote mental e tenho uma meia dúzia de poemas que não dariam um livro, mas talvez uma plaquete sobre, por exemplo, porque é que as prostitutas estão a voltar para as ruas quando já se tinham ido embora e tinham profissões mais dignas, porque as pessoas idosas não tem dinheiro para comprar remédios e por outro lado, porque as farmácias fecham. Não sei se vai dar um livro.


Quem são estas mulheres de 2013?
MRP: Somos todas nós. Eu sou de um tempo que até a adolescência que vivi numa ditadura. Não tive parentes presos, porque não tinha uma família clandestina. Tinha uma família de leitura o que foi útil para mim, mas durante esses 14 anos assisti a coisas muito injustas como as empregadas domésticas não serem trabalhadoras, serviam. Eram coisas terríveis e sonhavam com cartas de chamada para a Suíça, ou para a Alemanha, porque queriam ter uma vida mais digna. Assisti ao analfabetismo generalizado, 60% das pessoas não sabia ler. Custa-me muito ver desaparecer o que fomos acrescentando desde 1974, as famílias colocarem os filhos a estudar e tirar cursos, a evolução do bem-estar geral em termos culturais e de educação. É o primeiro momento que após essa mudança, eu sinto que estamos a andar para atrás. As pessoas que podiam estudar não tem onde trabalhar e vai-se repetir o que aconteceu com os pais e avós que é trabalhar em posições muito menores, há imensa gente licenciada como caixa de supermercado e por outro lado, existem pessoas a sair para o exterior, porque não há outra opção para elas. Essas mães desses rapazes e raparigas, são essas mulheres todas, as que vivemos antes é que podemos comparar o que foi, o que se conseguiu e o que esta a ser. Claro, todas elas são mais sensíveis a esta situação, eu nunca fui mãe, mas posso avaliar que uma mãe que tem de dar comida para dar aos filhos, que estão com fome, só pode ser infeliz e ter uma vida trágica e deixar de comer para dar-lhes a eles. São destas mulheres de que estou a falar.

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