É uma ode de amor de Abraão Vicente à sua esposa e uma perspectiva diferente da sociedade cabo-verdiana. Não tenho o mérito de ser audaz, ou ser guerreiro. O livro nasce da conquista de Lura, que é a minha mulher, porque foi difícil e tive de escrever muitos poemas e de Cabo-Verde que é um país jovem, por isso, tomámos resoluções como algo de dramático, porque a sociedade quer sempre a mudança. como afirma o autor.
Fala-me das cartas à Lura.
Abraão Vicente: São cartas e poesias à Lura, mas há outras partes que são poemas de temáticas não-relacionadas com a morte, de construção poética ligada à Cabo-Verde, da terra, questões ideológicas e de luta do quotidiano e que tem uma estética completamente diferente da componente lírica que se pede nas cartas de amor e poemas que se dedicam a alguém que se ama.
Nas entrevistas referes que é um livro mais maduro em termos poéticos.
AV: O que é disse é que é poeticamente maduro, é melhor. É escrito com mais paciência, os poemas foram mais burilados do que "de repente a noite", que é uma compilação muito pequena. Neste momento estou a trabalhar em mais dois livros de poemas, de temáticas específicas, um com textos relacionados com essa diálectica muito cabo-verdiana, o de ser mestiço, preto ou branco. A influência da nossa cultura na forma como nós comportámos e a diáspora, a sua influência na nossa escrita que é enorme. Terminei recentemente um romance e que será publicado no próximo ano, no segundo semestre, em Portugal, porque passa-se em Lisboa.
Outro facto curioso sobre este livro é que foi primeiro publicado em e-book, como forma de protesto em relação aos direitos de autor.
AV: Não há legislação sobre direitos de autor em Cabo-Verde, sendo o meu quinto livro notei que sou um autor que sempre editei muito à custa dos meus próprios meios, ou com editores muito pequenos, não consigo chegar ao grande público como as grandes editoras o fazem. Decidi então não fazer o investimento pensando no retorno comercial do livro e o e-book é practicamente gratuito, de fácil acesso em qualquer parte do mundo e foi para dar vazão a uma necessidade de ser lido. Aqui a aposta foi definir e divulgar o meu trabalho muito mais do que ganhar milhares. Disponibilizar o livro de forma gratuita é uma forma das pessoas reconhecerem ou não a qualidade do que faço como autor.
Os cabo-verdianos gostam dos seus poetas?
AV: Sim, Cabo-Verde é um país quase sempre dirigido por poetas. O nosso presidente neste momento é poeta, o Jorge Carlos Fonseca. O actual ministro da cultura também é escritor e isso significa que todo o nosso ensino é voltado para os novos autores, a chamada nova largada. Cabo-Verde na sua tradição literária é muito mais de poetas do que prosistas.
O ilhéu é mais propenso para a poesia?
AV: Sim, principalmente para a poesia. É a típico dilema de ter nascido com a claridade, que necessita de ser verbalizada, ficar querendo partir, ou ter de partir querendo ficar. O que nos move como pessoas é quase um drama existencial, temos um país com 10 ilhas e cada uma delas é uma nação completamente diferente, é um esforço enorme deslocar-nos no nosso território e a diáspora acaba por alberga mais população de Cabo-Verde e portanto nasce-se quase poeta (risos).